domingo, 19 de junho de 2011

Padre Neri Feitosa em defesa do Padre Cícero

Centenário de Juazeiro do Norte # 67

Em meio às postagens especiais sobre o Centenário de Juazeiro do Norte, lançamos mão de várias publicações que abordam assuntos ligados à história do município. E, naturalmente, muitas dessas publicações referem-se à história do grande responsável pela emancipação e crescimento da cidade: o Padre Cícero.

Hoje é a vez de reproduzirmos textos do livro Eu defendo o padre Cícero, publicado em 1982, de autoria do Padre Neri Feitosa (para conhecer um pouco da trajetória e a lista de publicações do autor do livro, clique aqui).

Já no título da publicação, o Padre Neri Feitosa afirma sua posição diante de tantos assuntos polêmicos relacionados à vida do Padre Cícero. Reproduzimos nesta postagem uma breve apresentação na qual o padre menciona as fontes por ele utilizadas para embasar suas considerações; e, na sequência, o primeiro capítulo-fragmento, uma defesa aos fiéis devotos do "Padim Ciço".
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As fontes
Padre Neri Feitosa

Para escrever um livro sobre o fenômeno do devotamento popular ao Padre Cícero, é melhor não usar fontes bibliográficas, mas a experiência observada e vivida.

Já não é assim para escrever um livro de defesa, naquilo que há de defensável.

Livros e escritos sobre o Padre Cícero há muitos: parece até um júri popular, com réu, advogados de defesa, promotor de justiça, jurados, juiz e plateia.

De propósito eu não quis citar muitas fontes: encalhei-me sobre apenas dois bacamartes — o livro Milagre em Joaseiro, Ralph Della Cava, Paz e Terra, 1977, a favor de Padre Cícero; e Pretensos Milagres de Juazeiro, do Padre Dr. Helvídio Martins Maia, Vozes, 1974, contra o Padre Cícero. O livro de Ralph é citado em abreviatura “Ralph” e o de Helvídio em abreviatura “Pretensos”.

O Dr. Ralph é o homem indicado para estudo sereno, superior, crítico, desapaixonado e descompromissado.

Helvídio propôs-se fazer um estudo ralphiano e, em Crato, foi dobrado por dois padres, como se vê na página 192 de seu livro. Terminou escrevendo barafusamente a favor e contra o Padre Cícero: o livro termina sendo contra o Padre Cícero, mas está matizado de louvores ao mesmo padre, porque quando ele se decidiu a ser contra o Padre Cícero, o livro já estava escrito em parte, como se deduz de todo o contexto.

Método
O método que me proponho aqui é o cartesiano da dúvida metódica.

Julgar fatos e pessoas entre 50 e 100 anos passados não é a mesma coisa que julgar fatos e pessoas presentes. Pode haver a injustiça de não contar com a inexorável evolução geral: do tempo, das pessoas, das instituições, da mentalidade e da ciência.

Tomei por método colocar-me em lugar do Padre Cícero e naquele tempo, fazendo-me perguntas que me faria a ciência da sociedade. Assim espero ter feito justiça.
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Eu defendo o povo do Padre Cícero
Padre Neri Feitosa

Povo dócil à espera de orientação amorosa.

Não queria que eu diga: eu defendo o povo do Juazeiro, porque o povo do Padre Cícero extravasa do Juazeiro pelo Brasil afora.

O que eu defendo sobretudo é uma atitude da pastoral diocesana de Crato, em conjunto, para abordagem pedagógica do fenômeno do devotamento popular ao Padre Cícero.

Eu discordo das atitudes “determinadas” e “impostas” pelos bispos de Crato e Fortaleza desde o começo, por não terem tido atitudes prudentes. E não foram prudentes por dois motivos:

1º — não foram psicológicas;
2º — basearam-se em falsos pressupostos.

Não foram psicológicas, porque não motivaram o povo crente; foram exclusivamente proibitivas: não batizar com o nome de Cícero, não cunhar e não benzer medalhas com a efígie do Padre Cícero, interditar a Capela do Juazeiro não visitar o Horto, etc. Faltou a base: o convencimento popular que justificasse a proibição e fizesse o povo aceitar a ordem.

Depois, foi um fator psicologicamente negativo querer marginalizar um líder natural e popular: proibir o Padre Cícero de ser vigário, do uso das ordens sacras, de celebrar a Santa Missa, de abençoar o povo, de receber os romeiros, etc. No caso, os bispos que quiseram fazer prevalecer sua liderança oficial de hierarcas sobre um povo católico arraigado, mas não concretizado: para o povo o Padre Cícero valia e vale mais que os bispos punidores. A liderança natural e popular é uma força espontânea e inata que é incontrolável por ordens e censuras.Os bispos de Crato, por falta de psicologia, perderam uma grande ocasião de somar para a Igreja a liderança do Padre Cícero: e o caso teria tido certamente outro curso, um curso não problemático e sem prejuízo para a fé. Eu entrevejo que o Padre Cícero, realizado no plano religioso, não se teria bandeado para a política; não punido o Padre Cícero, mas abordado com humanidade, o próprio povo teria tido uma adesão menos ostensiva e menos agressiva ou menos caprichosa.

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As atitudes episcopais também basearam-se em falsos pressupostos: o pressuposto de que, determinado o bispo, a cousa está resolvida definitivamente; o pressuposto de que falando o bispo, o povo todo obedece imediatamente; o pressuposto de que, em matéria de religião, o bispo resolve tudo e o povo aceita a resolução. A história provou que estes pressupostos foram falsos. O contrário teria acontecido com uma abordagem diferente, com os dados das ciências humanas.

Em face disto, se houve e há problemas com o Padre Cícero e com o Juazeiro, não foi o Padre Cícero quem criou o problema nem foi o povo, mas a Igreja oficial por falta de tática de abordagem; não só a autoridade criou e cria o problema, mas desencadeou e desencadeia o processo de reação popular. Não houve e não há nada incontrolável em Juazeiro do Norte; o que há em Juazeiro é um curso caudaloso à espera de orientação inteligente e psicológica. Ninguém diga que o povo do Padre Cícero é desobediente e teimoso, supersticioso e fanático; o povo do Padre Cícero espera ser conduzido “com amor” para o rumo certo, em âmbito do presbítero diocesano.

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