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domingo, 17 de janeiro de 2021

A morte da Beata Maria de Araújo: ilustração de Reginaldo Farias e poesia ‘Sagrada sentença’, de Karla Alves


Ilustração de Reginaldo Farias (@reginaldofariass / @materiadesonhos)

17 de janeiro de 1914, data da passagem da Beata Maria de Araújo, protagonista do “Milagre de Juazeiro”, série de eventos fundamental para o surgimento e crescimento da atual cidade de Juazeiro do Norte-CE.

O túmulo da Beata, na Capela do Socorro, em Juazeiro, foi violado em 1930, resultando no sumiço de seus restos mortais. Até hoje esse fato segue sem explicações e desdobramentos.

Na sequência, compartilhamos poema de Karla Alves (@corkaroli):


SAGRADA SENTENÇA

No cemitério do esquecimento
Jazida a história verdadeira
De uma beata perigosa
Que foi torturada e morta
Pela mira da igreja.
Do senhor padre veio a cruz
Da cruz nasceu a dor
Dessa dor morreu Maria
Que aos olhos da liturgia
Toda desgraça merecia
Por conta de sua cor
Maria de Araújo
Era beata pobre e preta
Nasceu grávida do milagre
Que ergueu toda a cidade
Onde somente o homem reina
Juazeiro da Morte
Terra de comércio forte
Em volta da estatueta
Erguida em gesso pálido
Pelo mesmo poderio fálico
Que a uma santa preta rejeita
Mas que goza e se deleita
No sangue tinto derramado
E como fraude consagrado
Pela doutrina episcopal
Maldito e sagrado seja
O tribunal da Santa Igreja
Que para sempre ordenou
O calvário da História
E a putrefação da memória
Da verdadeira santa
Que o sangue do milagre obrou...

(Karlinha Sutil - Karla Jaqueline Vieira Alves)

No livro Poemas para Maria - Beata Maria de Araújo (Editora Gráfica Líder Cariri, 2018).
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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

1ª Mostra Poemas para Maria: lançamento de livro em homenagem à Beata Maria de Araújo



1ª Mostra Poemas para Maria
Publicação e lançamento do livro em homenagem à Beata Maria de Araújo
Dia 17 de janeiro de 2018, às 19h
No Memorial Padre Cícero
Juazeiro do Norte-CE
Entrada gratuita.

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Manifesto à consagração: a Santa do Padre Cícero, a Santa do Juazeiro



Artistas de folguedos populares de Juazeiro do Norte se unem e lançam manifesto, buscando realizar um desejo do Padre Cícero:


Manifesto à consagração: a Santa do Padre Cícero, a Santa do Juazeiro

Este manifesto deseja recordar um fato que se tentou apagar da história de Juazeiro do Norte: a existência da Santa Beata Maria de Araújo e dos milagres de Juazeiro, sobre os quais a Igreja Católica proibiu qualquer menção na época em que ocorreram, sob pena de excomunhão, entre outras ameaças.

Este manifesto deseja que a Igreja Católica se pronuncie sobre a violação do túmulo da Santa Beata, contrariando o desejo de Padre Cícero que pediu que seu túmulo fosse exposto em local aberto à visitação pública. Foi o próprio Padre Cícero, aos 86 anos, quem registrou o desaparecimento do corpo em auto lavrado em cartório em 03 de dezembro de 1930.

“Neste vidro, devidamente lacrado, se acha tudo que encontrou-se nos despojos mortais da Beata Maria de Araújo, quando em 22.10.1930, foi o seu túmulo aberto clandestinamente por ordem do Revdm° Vigário dessa cidade Monsenhor José Alves de Lima.”

Este manifesto deseja conclamar as pessoas leigas, da Igreja e de toda a sociedade a se unirem, a conversarem e a se posicionarem frente a essas questões.

Nosso Padrinho pediu que se providenciasse um enterro para Beata Maria de Araújo “Na capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de acordo com a sua importância.”

Desejamos saber: onde estão os restos mortais da Beata Maria de Araújo?

Desejamos que o pedido do Pe. Cícero seja realizado, retornando as relíquias à exposição pública para trazer a Beata Maria de Araújo de volta à luz da história.

Desejamos que a reconciliação da Igreja Católica com o Pe. Cícero represente também a reconciliação com a Santa Beata Maria de Araújo.

Acreditamos que a visão da Beata Maria de Araújo: “Juazeiro é a cidade onde os pecadores irão se redimir e os justos perseverar”, ilumina as ações e o caminho que conduzem à vida, vida em abundância.

Conclamamos a todos que têm consciência que a Beata pode representar cada mulher deste país, cada negra, cada pobre, cada analfabeta e, também os homens e crianças, pobres, negros e analfabetos, a se unirem e caminharem conosco, de corações e abraços abertos nessa jornada em busca de justiça em respeito à Santa Beata Maria de Araújo e ao Santo Padre Cícero Romão Batista. Devotos e devotas, cidadãos de fé e trabalho, povo simples que luta e acredita no amor e na justiça.
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Caminhada:
Dia 17 de janeiro de 2018, com início às 8h30
Concentração: Praça da Bíblia, às 7h
Destino: Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Juazeiro do Norte-CE.
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segunda-feira, 23 de maio de 2016

‘A Beata Maria de Araújo’, por Padre Azarias Sobreira



Compartilhamos texto sobre a Beata Maria de Araújo, escrito pelo Padre Azarias Sobreira e publicado no seu clássico livro O Patriarca de Juazeiro, lançado originalmente em 1969.
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A Beata Maria de Araújo

“Rosto algo assim assimétrico, cor bastante escura e estatura abaixo de mediana, eis, em suas linhas gerais, o que de pronto se notava nessa filha de Juazeiro do Norte. Não despertava a atenção a não ser pela simplicidade de maneiras, boa educação doméstica, fácil inteligência das coisas, apesar de analfabeta.

Havendo bem cedo perdido os pais, foi morar, ainda menina, na casa do Padre Cícero onde se manteve até a condenação dos fatos ditos portentosos e dos quais ela havia sido protagonista.. De compleição débil e doentia. Depois de ter sofrido meningite infantil, mais geralmente conhecida pelo nome de espasmo, ficou sendo vítima de ataques que se diriam epiléticos e que, a cada nova investida, deixavam-na sem fala, estendida no chão, devendo-se notar que existe uma tradição oral bem apagada de ela haver cuspido sangue.

Quase tudo isto nos é confirmado pelo próprio Padre Cícero, num documento que ainda hoje se conserva na Secretaria do Bispado do Crato, documento em que o Bispo Dom Joaquim lhe pedira que respondesse a determinados quesitos relacionados com a pessoa da referida beata. Do exposto se pode concluir que nela existiam sintomas bem aptos a fazer luz quanto a uma explicação absolutamente natural dos fenômenos que posteriormente nela se manifestaram e que tanto deram a falar pelos sertões brasileiros.

De quanto acabamos de dizer, cabe-nos o direito de admitir que é assaz discutível a hipótese de Maria de Araújo haver sido apanhada em embuste, valendo-se de alguma matéria colorante parra dar a impressão de sangue verdadeiro nas hóstias consagradas por ela recebidas. O sangue era um fato manifesto e foi atestado por diversas testemunhas de probidade reconhecida. Além do mais, apresentava bolhas, coagulava, exalava odor característico, ocasionava enjoo de estômago ao mesmo Padre Cícero; e às vezes, sobretudo nos primeiros tempos, era visto em tamanha quantidade que enchia a palma da mão do sobredito sacerdote. Da primeira vez em que foi observado em público, molhou a murça da própria beata e ainda salpicou abundantemente a toalha da mesa da comunhão.

Dê-se a tais ocorrências a interpretação que se der, não é lícito negar que em Juazeiro do Norte ocorreram, na pessoa de Maria de Araújo, fatos surpreendentes e dignos de meticuloso exame. Além do sangue surgido nas partículas consagradas a ela distribuídas, vez por outra parecia arrebatada em êxtase. Também nela se viram, de raro em raro, os tradicionais estigmas da paixão do Salvador: umas como listas de sangue escorrendo na fronte, das mãos, dos pés e dizem que igualmente do coração.

A tudo isto se reúna uma vida de jejum, oração e trabalho humilde; reúna-se-lhe um grande recolhimento de espírito, a circunspecção nas palavras, a serenidade nos momentos de contradição, e ter-se-á rol suficiente para explicar a comoção produzida em torno da mencionada serva de Deus. Acima de tudo, desperta-me especial reflexão o silêncio e conformidade em que ela se refugiou depois que lhe comunicaram o pronunciamento condenatório do Santo Ofício, em Roma. Em lugar de fazer comentários com o fim de justificar-se, absteve-se de tocar nesse assunto, sumiu-se no interior de sua nova morada, quarteirão e meio distante da igreja, e, entregue aos trabalhos mais rudes na companhia de duas ou três mocinhas que foram morar com ela, trabalhos esses donde retirava o pão e o vestuário, assim viveu por mais duas décadas, até o dia dezessete de janeiro de 1914, quando veio a falecer. Desapareceu das vistas do mundo por tal forma que dentro em breve ninguém dava por sua pessoa, como se realmente já fosse com Deus.

Embora morássemos apenas a uns quatrocentos metros dela, só me lembro de tê-la visto, em menino, duas ou três vezes, quando tive de entrar em sua casinha, no afã de pegar a bola com que brincávamos e que sucedia correr para lá. Nessas ocasiões, sempre a vi sentada, fiando uma pasta de algodão, sempre rodeada das jovens de que fiz menção. Depois, já adolescente, vi-a em casa de um nosso vizinho cuja consorte era caridosíssima e que, tendo sabido que Maria de Araújo fora acometida de dois ou três panarícios que muito a faziam sofrer, para a própria residência a conduzira a fim de proporcionar-lhe algum alívio. Vi-a pela derradeira vez no dia 15 de janeiro de 1914, antevéspera de sua morte, quando, por mera casualidade, com ela deparei em casa de D. Bezinha Martins, profundamente abatida e ofegante, o fôlego cortado pela dispneia que a consumia. Ao pé dela, apenas a dona daquele lar.

Se, de acordo com os dizeres das Cartas Pastorais de Dom Joaquim sobre os fatos de Juazeiro, Maria de Araújo usou meios inconfessáveis para despistar a impossibilidade de operar prodígios que dela exigiam, como sinais de que com ela estivesse o Altíssimo, daí não me parece razoável tirar a conclusão de que fosse essa a sua norma de proceder e, portanto, a característica dos carismas que nela se tinham revelado. Do célebre episódio de Antioquia, do qual nos dá conta o apóstolo São Paulo, e a cujo ensejo vemos São Pedro publicamente repreendido por aquele seu companheiro de apostolado, não nos seria lícito deduzir senão que o Príncipe dos Apóstolos cometera um ato de incoerência; e mais nada.

Pelo fato de Pedro haver negado o Divino Mestre e assegurado por juramento que jamais o tinha visto, não pode ser julgado somente à luz dessa sua defecção. Desde que deplorou amargamente semelhante descaída, foi solonemente investido nas excelsas funções de Chefe da Igreja que o Salvador lhe tinha prometido.

Aliás, é fora de contestação que Monsenhor Antônio Alexandrino de Alencar que chefiou a segunda Comissão Diocesana incumbida de efetuar novo exame na pessoa de Maria de Araújo, ao despedir-se de seus paroquianos em Juazeiro por ter de ir reger a freguesia de Picos, no Estado do Piauí, da tribuna sagrada pediu desculpas aos juazeirenses, alegando que assumira atitude de tanto rigor porque a isso fora constrangido pelo seu Superior Hierárquico.

Feitas estas ressalvas, temos o indeclinável dever de confessar que, ainda na hipótese de em Maria de Araújo se terem passado coisas deveras maravilhosas e de cunho sobrenatural, o que falta ser demonstrado, nenhum dos carismas a ela atribuídos se registrou depois. E essa interrupção nos merece tanto maiores motivos de reconsideração quanto é certo, conforme atrás dissemos, ter ela ainda vivido por dilatados anos. Comungando pelo menos no tempo pascal, não há vestígio de posteriormente ter entrado em êxtase, ostentado sinais de estigmatização e ainda menos exibido sequer manchas de sangue no ato da comunhão por ela recebida.

A tamanha distância daqueles sucessos, não nos move a pretensão de defender a tese vencida de que o sangue nela aparecido fosse o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo ou reafirmar a nossa convicção de que realmente se tratava de sangue verdadeiro e não anilina. Isto mesmo reconheceram o Bispo Diocesano, os venerandos sacerdotes Glicério da Costa Lobo e Francisco Ferreira Antero, bem como os médicos que, em nome da ciência do seu tempo, figuraram na Comissão de Sindicância.

Quanto à afirmação feita por uma testemunha que o Diocesano em tela diz ser qualificada, mas que se recusara a consentir que se lhe revelasse a identidade, assiste-nos o direito de pôr em dúvida a veracidade do que afirmou.

Que afirmação terá sido essa? A de que vira Maria de Araújo cuspir sangue antes de comungar. Também eram pessoas altamente qualificadas em Jerusalém as que, de acordo com a narração evangélica, perversamee acusavam o Divino Mestre durantes as horas de sua paixão, dizendo d’Ele inverdades as mais clamorosas, na firme persuasão de assim prestarem serviço a Deus.

Estribado numa declaração escrita do Padre Cícero de que com o Salvador tinha dialogado, certa vez, na capela do SS. Sacramento, Mons. Manuel Cândido dos Santos, Secretário da segunda Comissão de Sindicância, assim falou ao Capelão perante numerosas pessoas: — Para eu crer nisso, era preciso que Jesus Cristo agora mesmo nos aparecesse e reafirmasse essas mesmas coisas. O tom de azedume bem define a exaltação dos espíritos de ambos os lados.

Bem sei que o cotejo a seguir é claudicante, mas vou esboçá-lo a título de ilustração no caso em apreço. Serei breve.

No capítulo IV, vv. 14 a 31 de S. Lucas, lemos que semelhante exigência foi feita pelos habitantes de Nazaré quando lá esteve Jesus a passeio, depois de haver iniciado sua vida missionária. E é o próprio evangelista que nos dá conta da resposta que receberam. Remeto ao leitor tópico inculcado, por puro amor à brevidade.

Em Jerusalém, nas imediações da Semana da Paixão, uma luzida representação de judeus pediu ao Salvador um sinal do céu, como garantia de que a doutrina por ele pregada vinha de Deus. E qual foi a divina reação a semelhante proposta? Reagiu simplesmente desconversando da seguinte forma: ‘— Esta geração perversa exige um sinal no céu, mas só lhe será dado o sinal do projeta Jonas’. Sabemos hoje o que significava aquela enigmática expressão e nela descobrimos inefável conteúdo; mas é bem discutível que os cavilosos inquisidores hajam-lhe percebido o alcance, saindo dali positivamente decepcionados.

Mais uma vez, quanto é difícil penetrar nos escaninhos das consciências e formar um juízo seguro das intenções que nos animam!”
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Padre Azarias Sobreira, no livro O Patriarca de Juazeiro (Coleção Centenário 1911-2011 - Fortaleza: Edições UFC, 2011). Fac-símile da 2ª edição.


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domingo, 17 de janeiro de 2016

Beata Maria de Araújo no livro ‘Efemérides do Cariri’ (Irineu Pinheiro)



Há 102 anos, no dia 17 de janeiro de 1914, falecia a Beata Maria de Araújo, uma das grandes protagonistas da história de Juazeiro do Norte. E apresentamos, logo abaixo, transcrição de nota sobre a Maria de Araújo publicada no livro Efemérides do Cariri, de autoria de Irineu Pinheiro.

Na nota, temos informações sobre o nascimento da beata, o fenômeno do sangramento da hóstia, da morte e da violação dos restos mortais no túmulo de Maria de Araújo (fato até hoje envolto em mistério, sem esclarecimentos).
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Nota LXXIX

“No segundo cartório de Juazeiro, no livro nº sete, às folhas 85 v a 87, lê-se um documento relativo a Maria de Araújo, do qual são transcritos, abaixo, alguns trechos.

‘Do humilde casal Antônio de Araújo e Ana de Araújo, diz, o documento, naturais deste lugar onde viveram e morreram como bons católicos, nasceram Maria de Araújo e mais três irmãos, perdendo todos ainda na infância os seus genitores. Maria de Araújo com desvelo e cuidado tratou da criação de seus irmãos, em cujo penoso trabalho não enfraqueceu a tendência religiosa manifestada desde os oito anos de idade quando começou a confessar-se e comungar frequentemente com profunda e sincera devoção. Humilde por natureza e pobre por condição, seu nome não tinha o menor relevo, até que por causas que lhe eram estranhas começaram a aparecer alguns fenômenos na ocasião em que recebia na mesa da comunhão a hóstia sacramental das mãos de seu confessor. É que a então sagrada partícula ao ser posta em sua boca se transformava em sangue, o que ela debalde procurou sempre ocultar das pessoas presentes. Sucedeu, porém, que na primeira sexta-feira de março do ano de mil e oitocentos e oitenta e nove [1º de março de 1889], estando Maria de Araújo com outras mulheres na mesa da comunhão, ao receber a hóstia, esta se transformou em tanto sangue que extravasou da boca  e se alastrou por cima da murça, derramando-se sobre a roupa que trajava, chegando a gotejar no chão em grande quantidade. Daí então não pôde mais ocultar o fenômeno que se tornava tão patente e principalmente porque ela ficava em êxtase por muito tempo.’

‘Em 17 de janeiro de 1914, em plena revolução política, a mística Maria de Araújo deu a alma ao Criador, a quem dias antes se oferecera dando sua vida para a salvação do povo de Juazeiro que se achava debaixo do cerco das forças do governo estadual representado pelo Coronel Franco Rabelo. O corpo da beata Maria de Araújo foi trajado no hábito da Ordem Terceira de São Francisco, e foi depositado e trancado a chave em um ataúde de cedro devidamente envernizado a óleo por dentro e por fora e sepultado na capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, conjunta ao cemitério público, no dia 18 do mesmo mês e do mesmo ano, sendo acompanhado de grande multidão de pessoas, entre as quais se destacavam o padre Cícero e importantes vultos políticos do Estado, que se achavam refugiados no Juazeiro.’

Em 22 de outubro de 1930, continua o autor do documento, abriram ‘o túmulo de alvenaria onde estava sepultada Maria de Araújo, e os encarregados do serviço asseveraram que não existiam dentro do túmulo os restos mortais da mesma beata. A violão do túmulo foi de surpresa, sem preceder autorização legal, sem conhecimento, sequer, do respectivo zelador do cemitério, o senhor Ildebrando Oliveira. Sabendo o padre Cícero que se estava arrasando o referido túmulo, chamou, rapidamente, ao atual governador da cidade, o farmacêutico José Geraldo da Cruz, para conjuntamente com o fotógrafo João Cândido e Fontes assistirem ao ato exumatório e mandarem recolher os restos mortais em outro túmulo no cemitério. Esses senhores, sem perda de tempo, foram ao local, encontrando já aberta a sepultura, de momentos.’

Informou-os o pedreiro de que ‘só existiam ali restos de panos e a madeira do caixão’.

Examinaram eles o caixão, a sepultura e, também, ‘os  escombros atirados para fora onde colheram, apenas, uns escapulários das irmandades de Nossa Senhora das Dores, de Nossa Senhora do Carmo, da Paixão e de outras irmandades e o cordão de S. Francisco, e um pedaço de crânio com cabelos, o qual está guardado neste vaso de vidro. A beata Maria de Araújo, que em sua vida foi caluniada de toda a sorte, teve ainda depois de morta violado seu túmulo. Para perpetuar a ocorrência foram escritas estas notas informativas que serão transcritas no cartório do segundo tabelião público desta cidade, e o original devidamente assinado pelas testemunhas José Geraldo da Cruz, interventor municipal, fotógrafo João Cândido e Fontes, Ildebrando Oliveira, pessoas que presenciaram o ocorrido, cujas firmas são reconhecidas com mais duas testemunhas, Pelúsio Correia de Macedo e José Ferreira de Meneses, que sabem do fato e de suas minudências. Juazeiro, 3 de dezembro de 1930. José Geraldo da Cruz — João Cândido e Fontes — José Ferreira de Meneses — Pelúsio Correia de Macedo — Ildebrando Oliveira.’

Todas as firmas, acima nomeadas foram reconhecidas pelo segundo tabelião público de Juazeiro, Luís Teófilo Machado, no dia 4 de dezembro de 1930.”
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Irineu Pinheiro, no livro Efemérides do Cariri (Coedição Secult/Edições URCA - Fortaleza: Edições UFC, 2010. Fac-símile da edição de 1963 publicada pela Imprensa Universitária do Ceará)


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sábado, 1 de março de 2014

'Milagre do Padre Cícero e Maria de Araújo', cordel de Severino do Horto



Embalado pra viagem # 100

Neste 1º de março de 2014: 125 anos pra primeira transformação da hóstia em sangue na boca da Beata Maria de Araújo. Era uma sexta-feira da quaresma, dia 1º de março de 1889, e a hóstia consagrada ofertada pelo Padre Cícero se transformou em sangue pela primeira vez e alavancou as primeiras romarias em direção a Juazeiro do Norte (à época Joaseiro, um pequeno vilarejo). Há registros de que o fenômeno voltou a acontecer por mais de cem vezes.

Para a rememorar a ocasião, compartilhamos os versos do folheto de cordel Milagre do Padre Cícero e Maria de Araújo, de autoria de Severino José da Silva (Severino do Horto), publicado originalmente em 1991 e reeditado pela Coleção Centenário (Cordéis Clássicos), em 2012.
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Cordel Milagre do Padre Cícero e Maria de Araújo
Autor: Severino José da Silva (Severino do Horto)
Ano: 1991
Xilogravura da capa da reedição (Editora IMEPH, 2012): José Lourenço


Botei a pena na mão
Com o coração nervoso
Para descrever em versos
Um assunto melindroso
Desta verdade eu não fujo
Sobre Maria de Araújo
E o sangue misterioso.

No ano de oitenta e nove
Padrinho Cícero Romão
Celebrava na Matriz
No altar do Coração
De Jesus que não tem falha
O sangue banhou a toalha
Caindo pingos no chão.

Padrinho Cícero Romão
Cheio de amor e bondade
Deste ato de importância
Ninguém negue esta verdade
Deus fez o que fez na Cruz
Pois com seu sangue Jesus
Reina toda Eternidade.

Mas Satanás invejoso
No plano de perturbar
Disse: — Bispo, humilhe o padre,
Mande ele se calar
Faça que Cícero Romão
Negue a manifestação
E à igreja renunciar.

Padrinho Cícero Romão
Foi um padre honrado e forte
Disse: — A verdade eu não nego
Antes eu prefiro a morte
Sou um padre nordestino
Não nego o sangue Divino
No Juazeiro do Norte.

Padre Monsenhor Monteiro
Disse: — A verdade eu não nego
Quero cegar se eu negar
Pois esta cruz eu carrego
Mas o padre fracassou
Perante o Bispo negou
Terminou morrendo cego.

Seis de março data linda
Cem anos já foi embora
Na igreja de Nossa Senhora
Mas comemoramos inda
Que a verdade não se finda
Faço de conta que vi
Maria de Araújo ali
De Jesus sangue derramando
E a beata comungando
Heroína do Brasil.

Padrinho Cícero Romão
Sacerdote triunfante
Era mesmo o celebrante
Na fé e na oração
E hóstia branca na mão
Debaixo do céu de anil
Jesus disse mesmo aqui
O meu sangue derramando
E a beata comungando
Heroína do Brasil.

Assim a história diz:
Gente de toda camada
Viu a hóstia consagrada
Virar sangue na matriz
A beata bem feliz
Confia em Deus e em si
Nas terras do Cariri
Jesus sangue derramando
E a beata comungando
Heroína do Brasil.

Maria de Araújo
Foi santa desde menina
Tornou-se uma Heroína
Na fé e na oração
O padre Cícero Romão
Sempre se encontrava ali
Para bem lhe garantir
Os médicos lhe examinando
E a beata comungando
Heroína do Brasil.

A ciência não se rende
É duro o homem moderno
Segredo do pai Eterno
Ele morre e não entende
Jesus Cristo me atende
Quem visitou o Cariri
Viu grande milagre aqui
Jesus sangue derramando
E a Beata comungando
Heroína do Brasil.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Centenário de morte da Beata Maria de Araújo: 17 de janeiro de 1914-2014

 foto: Ythallo Rodrigues

Há exatos 100 anos, no dia 17 de janeiro de 1914, falecia em Juazeiro a Beata Maria de Araújo. A beata viveu cerca de 50 anos — já que há divergências sobre sua data de nascimento, sendo a mais provável 24 de maio de 1963 —e entrou para a história como a protagonista dos eventos que ficaram conhecidos como "O Milagre de Juazeiro".

Maria de Araújo teve uma vida dedicada às orações, à religiosidade. Assim como outras beatas e beatos, embora leiga, tinha o compromisso de doar sua vida à devoção, à prática religiosa. E na primeira sexta-feira da Quaresma, no dia 1º de março de 1889, após receber a comunhão do Padre Cícero Romão Batista na Capela de Nossa Senhora das Dôres, Maria de Araújo e todos os presentes viram, incrédulos, a hóstia consagrada se transformar em sangue na boca da beata. Depois daquele dia, o fenômeno ocorreu mais de cem vezes (alguns estudiosos, como o prof. Renato Dantas, têm o registro de 119 sangramentos da hóstia na boca da beata).

Os fatos tidos como miraculosos por muitos devotos significaram alguns problemas para Maria de Araújo, para o Padre Cícero e demais padres ou devotos que acreditaram, à época, no "milagre da hóstia". Após algumas investigações e processos controversos, sob a chancela, mesmo à distância, do bispo D. Joaquim, o milagre foi considerado um embuste, uma farsa. A beata pagaria "pelo crime" com o seu isolamento, uma reclusão até o fim da sua vida, e o Padre Cícero, por não aceitar renegar Maria de Araújo e os fatos por ela protagonizados, teve suas ordens de sacerdote cassadas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

A beata nunca aceitou voltar atrás da crença de que havia sido interpelada diretamente por Jesus Cristo para que levasse uma mensagem de fé ao povo de Juazeiro, de que o Juazeiro a partir de então seria um chão sagrado para a salvação das almas. A mística religiosa, mesmo não podendo seguir seu ritual religioso na Igreja, acabou sendo protagonista dos fatos que alavancaram o desenvolvimento de Juazeiro. Com a divulgação dos fatos na imprensa por parte do José Marrocos, ardoroso defensor do milagre, o lugarejo começou a receber visitantes de várias partes do Nordeste, que passaram a considerar o Juazeiro uma terra sagrada. Em linhas gerais, teríamos esses fatos como um resumo — bastante simplório, por sinal — da vida de Maria de Araújo.

Portanto, não é necessário muito esforço para fazer uma relação direta entre os fatos protagonizados por Maria de Araújo e o início do desenvolvimento do então Joaseiro, que cresceria ano após ano, até conseguir em 1911 sua emancipação política da cidade do Crato e que alavancaria um desenvolvimento vertiginoso, fazendo hoje de Juazeiro do Norte a maior cidade do interior cearense, cujas romarias em seu território não pararam de crescer, com o prestígio cada vez maior da figura do Padre Cícero Romão Batista. Já a Beata Maria de Araújo, protagonista dos fatos miraculosos, acabou relegada ao papel de figura "marginal", nem sempre sendo lembrada quando se fala da história de Juazeiro e de sua religiosidade.

Um exemplo do descaso com a memória de Maria de Araújo é verificável no episódio da violação do seu túmulo, na Igreja do Socorro, em outubro de 1930: 16 anos após o seu falecimento, os restos mortais da beata foram retiradas de sua sepultura, sendo até hoje desconhecido seu paradeiro. A beata passou a ser, como muitos dizem, 'a mulher sem túmulo'. Essa é uma das tantas lacunas provocadas na história de Maria de Araújo, uma das tantas coisas sem explicação na sua vida (e na sua morte).

Se em 1930 houve esse crime com a memória da beata, pudemos presenciar no último dia 02 de novembro, na Romaria de Finados, o descaso com qualquer indicativo do que poderia ser o local destinado ao túmulo de Maria de Araújo. Na parte interna da Capela do Socorro, ao lado da porta principal, onde a beata havia sido enterrada, há apenas uma pequena imagem com sua foto [imagem acima deste texto]. Já na parte externa, vimos a placa que foi fixada, em 1991, em homenagem à beata: a placa indica que ali "repousam seus restos mortais", o que parece ser uma mera tentativa de corrigir, simbolicamente, o crime praticado em 1930. O fato é que resta essa placa, ao lado de uma escada que " não leva a lugar nenhum", que esbarra em uma parede, já que alguns anos depois da homenagem do descerramento da placa, um muro foi levantado ao seu lado, isolando ainda mais a placa alusiva à memória de Maria de Araújo. É neste tipo de contexto que se encontra a "memória" da cidade de Juazeiro para com a mulher que foi uma das responsáveis diretas pelo crescimento e desenvolvimento do município.

O descaso parte também, obviamente (ou principalmente), do poder público. No referido dia de finados, nos encontramos com o professor e pesquisador Renato Casimiro e conversávamos sobre o abandono, sobre a falta de zelo com todas essas memórias. Dias depois, inclusive, Renato Casimiro publicou no Jornal do Cariri um artigo criticando o "abandono" do Cemitério do Socorro, lugar onde estão enterradas pessoas de centenas de famílias desta cidade, que ajudaram a desenvolver o município, dentre elas figuras que merecem destaque na história do Juazeiro, como José Marrocos, Beato José Lourenço, e onde, simbolicamente, está indicado o local de sepultamento de Maria de Araújo.

Vale mencionar, é bem verdade, o esforço de alguns artistas, estudiosos, professores, pesquisadores, jornalistas, religiosos, etc., que esperam ver a Beata Maria de Araújo com maior destaque nos relatos históricos sobre o Juazeiro. E frise-se que essa é uma questão que vai muito além da crença religiosa de cada um, tem muito a ver com a rememoração da construção de um lugar, com o reconhecimento da história do povo humilde que é agente de transformação do espaço, que é protagonista das ações e trocas de experiências que resultam na vida de determinada localidade, no caso específico, no surgimento e crescimento de Juazeiro do Norte.

Neste 17 de janeiro de 2014, portanto, Juazeiro traz, embora timidamente, o nome de Maria de Araújo à tona em alguns eventos que lhe prestam homenagens. No nosso blog O Berro, pensamos que é importante ouvir cada vez mais essa história, entender melhor como uma mulher negra, pobre, analfabeta, enfrentou interrogatórios e inquéritos eclesiásticos condenatórios, que tentaram fazer daquela juazeirense uma embusteira, uma farsante. Por ora, pouco ou quase nada importa para nós se aqueles fatos foram milagrosos ou não. O que importa é que o povo nordestino (e resistente) decidiu alimentar sua crença com o dito "sangue de Cristo que jorrou da boca da beata" e elegeu o lugarejo como um espaço sagrado e assim construiu a história do município. O que importa é que um pequeno vilarejo foi palco de histórias extraordinárias e controversas, que até hoje alimentam a crença, a religiosidade popular e o imaginário de milhões de nordestinos e brasileiros.

Não importa se chamam os "acontecimentos de Joaseiro" de histórias, fatos, mitos, lendas, profecias, milagres ou farsas. O que importa é que são narrativas ricas, complexas, instigantes. E de boca em boca, na páginas da imprensa, em livros (defensores ou detratores) construiu-se o imaginário de um lugar, que segue a alimentar sonhos e a esperança de milhares de romeiros que visitam Juazeiro a cada romaria, em diversas épocas do ano.

Para isso tudo, voltamos a mencionar a importância de se lembrar da figura da Beata Maria de Araújo no desenrolar dos fatos que transformaram Juazeiro. O Berro pretende continuar a conversar sobre essas narrativas, dar espaço a diferentes visões dos que pretendem discutir e situar a beata na história da "cidade que surgiu de um sonho". Em 2011 encaramos uma saga de postagens sobre Juazeiro do Norte, que se encerrou exatamente no dia do centenário de emancipação política do município (22 de julho de 2011). Já neste início de 2014 o centenário do falecimento da Beata é um impulso para o início de algumas postagens, que não prometemos que chegarão a uma centena, mas que de alguma forma tentarão olhar e registrar cada vez mais o nome de Maria de Araújo e outros personagens do povo desta cidade, que merecem ser citados como tendo nomes, rostos, sonhos, crenças, trabalhos, e, depois da morte, túmulo. É o mínimo.

Equipe O Berro

fotos: Ythallo Rodrigues
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Outras postagens do blog O Berro relacionadas à Beata Maria de Araújo:
- Beata Maria de Araújo e Padre Cícero em matéria do Fantástico (1997)
- "Procura-se" Beata Maria de Araújo
- Ilustração e poema sobre a Beata Maria de Araújo
- 122 anos de romarias em Juazeiro do Norte

- Beata Maria de Araújo por Raimundo Araújo, no livro 'Mulheres de Juazeiro'

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Beata Maria de Araújo por Raimundo Araújo, no livro 'Mulheres de Juazeiro'



#Arquivo Cariri

Neste 17 de janeiro de 2014, data do centenário de morte da Beata Maria de Araújo, reproduzimos um texto do escritor Raimundo Araújo, no seu livro Mulheres de Juazeiro (Gráfica e Editora Royal, 2004). Junto ao texto, o escritor anexou um soneto de Ivan Magalhães, em homenagem à Beata, e uma crônica que o próprio Raimundo Araújo escreveu à época dos 76 anos de falecimento de Maria de Araújo.
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Maria de Araújo

Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo — Nasceu no dia 23 de maio de 1863 (data polêmica, mas, talvez, a verdadeira) na então povoação do Joaseiro, na atual Rua da Conceição, nas imediações do prédio dos Correios e Telégrafos.

Era filha legítima de Antônio da Silva e Ana Josefa do Sacramento. Foi batizada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha, no Crato, pelo Padre Manoel Joaquim Ayres do Nascimento. Foram seus padrinhos de batismo seus avós maternos Antônio Ferreira e Antônia de Tal.

Consoante seus biógrafos, Maria de Araújo era mestiça, tinha os cabelos quase crespos, estatura média, olhos quase negros e suaves na expressão; lábios um pouco grossos, nariz pequeno e pescoço bem proporcionado.

Era muito doente, tanto assim, que foi acometida de meningite infantil (espasmo); sofria de ataques de epilepsia, contudo, levava uma vida de jejum, oração e trabalho humilde. Não sabia ler (Joana d'Arc também não) e vivia de lavar roupa e engomar, e de vender doce e bolo.

Órfã de pai e mãe, foi morar na casa do Padre Cícero, onde viveu a maior parte de sua vida, ou seja, até à condenação dos fatos ditos miraculosos ou portentosos, dos quais havia sido a protagonista.

Viveu pobremente, passou privações tremendas e foi muito humilhada. Entrementes, é a beata mais famosa do Juazeiro, não obstante ser membro de uma família humilde. Graças tão somente à sua humildade, às suas virtudes, e ao seu exemplar comportamento de uma grande religiosa que foi.

Faleceu em Juazeiro do Norte, no dia 17 de janeiro de 1914 e foi sepultada na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro desta cidade.

Em 22 de outubro de 1930, o Vigário Mons. José Alves de Lima, por ordem do Mons. Vicente Sóter de Alencar, então Vigário Capitular do Crato, violou seu túmulo e retirou o corpo daquele local, com a justificativa de ser um lugar sagrado e ela, na ótica do mencionado sacerdote, era impura. É o que se depreende.

Até o momento não termos a menor ideia onde encontram-se os restos mortais da pranteada beata.

São parentes próximos da Beata Maria de Araújo: Ananias Araújo (comerciante), Antônio Araújo, ex-vereador (falecido), José Araújo (falecido), José Araújo Sobrinho (falecido), Santana Araújo Soares (falecida), Luiz Soares Couto (médico), Antônio Edênio Araújo Silva (engenheiro civil), Raimundo Araújo (escritor), Chagas Araújo (professor), Joana Araújo (farmacêutica), Heliana Araújo (professora) e outros.

Em sua homenagem foram escritos os seguintes livros: Maria de Araújo, a Beata dos Milagres, de autoria do Prof. Daniel Walker; Maria de Araújo, a Beata do Juazeiro e Maria do Juazeiro, a Beata do Milagre, ambos da lavra da Profa. Maria do Carmo Pagan Forti; e, ainda, As Beatas do Padre Cícero, de autoria da Profa. Renata Marinho Paz. Com seu nome existem uma rua e um edifício localizado no Bairro das Timbaúbas, onde outrora funcionou o Posto de Atendimento à Criança e ao Adolescente. E, recentemente, a "Casa-Abrigo Beata Maria de Araújo".

A vida da Beata Maria de Araújo foi uma verdadeira imolação a Deus e ao próximo, pois durante da Guerra de 14, adoeceu gravemente e, segundo a tradição escrita, ofereceu ela sua vida pela salvação do povo de Joaseiro que se achava sob o cerco das Forças do Governo do Estado, representado pelo Coronel Marcos Franco Rabelo.

Maria de Araújo foi de uma grandeza amazônica, pois em vez de rebelar-se contra as autoridades da Igreja, consagrou-se de corpo e alma ao Filho de Deus, convicta de que, mais cedo ou mais tarde, seria fatalmente exaltada.

Era uma mística na acepção do termo, haja vista a nobreza de seus sentimentos, a dignidade de sua existência e o sistema teológico de suas palavras que se evidenciaram nos textos dos famosos Inquéritos do Joaseiro, inclusive na sua própria vida.

Hoje está sendo lembrada pelos seus parentes, devotos e admiradores. Amanhã, quem sabe, elevada às honras dos altares, pois ninguém teve uma vida tão santa quando Maria de Araújo.

Depois do Padre Cícero, Maria de Araújo é a pessoa mais importante do contexto histórico-religioso da cidade de Juazeiro do Norte.

Fez ela com que multidões incalculáveis viessem à nossa cidade, fundada pelo milagre do qual ela mesma foi a protagonista.

Viva, sofreu bastante, pois foi torturada e inclusa na Casa de Caridade do Crato e considerada embusteira, mentirosa, fraudadora  e demoníaca. E depois de morta, mais ainda, porquanto a devoção a sua pessoa foi interdita, suas relíquias foram queimadas e seus devotos ameaçados de excomunhão. E queimados e recolhidos foram os santinhos, as imagens e medalhas com sua efígie.

Por onze anos esteve exilada de sua cidade e de sua gente. Quando olhe permitiram voltar, trabalhou e viveu praticamente no anonimato, até à sua gloriosa morte.

Apesar de tudo, "Maria de Araújo foi uma figura importante e fundamental no imaginário nordestino e na Questão de Juazeiro", como o disse o escritor Gilmar de Carvalho. E o Padre Cícero, por seu turno, afirmava categoricamente: "a vida dessa criatura é uma maravilha da graça de Deus".
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O juazeirense e poeta Ivan Magalhães, teu ardoroso devoto, Maria, serve-se deste espaço para te exaltar, com este soneto de cunho pura e simplesmente polêmico, intitulado "Maria de Araújo". Ei-lo:


"Maria de Araújo" (Ivan Magalhães)

Humilde, junto à grade da capela,
Onde é servida a comunhão diária,
Maria aguarda o que já se revela,
Uma ocorrência como que lendária.

O arguto Cura, de feição singela,
Que vem servir a comunhão diária,
Num quase transe, atordoado gela,
Vendo aquela cena extraordinária.

O sangue quente, como um gorgolar
De líquido em constante ebulição,
Da boca aflora, emana sem cessar

E vai fluindo rubro, em profusão,
Fazendo a nívea hóstia transmudar
Num grande e avermelhado coração!
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A crônica abaixo, remata esta biografia de Maria de Araújo, a Beata do Juazeiro, a mais polêmica das nossas beatas. Ei-la:


76 anos sem Maria de Araújo

Faz hoje 76 anos que a minha prima partiu desta vida para a eternidade. O corpo da Beata Maria de Araújo foi trajado no hábito da Ordem Terceira de São Francisco, depositado e trancado à chave num caixão de cedro e sepultado num túmulo ao lado direito da porta de entrada da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no dia 18 de janeiro de 1914 [Maria de Araújo faleceu no dia anterior, 17 de janeiro de 1914], acompanhado de grande multidão de pessoas, entre as quais se destacavam o Padre Cícero e grandes vultos políticos do Estado, que se achavam refugiados em Juazeiro.

Em 22 de outubro de 1930 - 16 anos depois - abriram o túmulo onde ela estava sepultada, e verificaram que seus restos mortais não se encontravam mais na sepultura onde fora enterrada, pois violaram-na abruptamente, sem proceder autorização legal e sem conhecimento, sequer, do zelador do cemitério, na época, sr. Ildebrando Oliveira.

Tão logo o Padre Cícero tomou conhecimento da infausta notícia, imediatamente mandou chamar os Srs. José Geraldo da Cruz (Interventor Municipal) e João Cândido Fontes, para assistirem a exumação e recolherem os restos mortais da beata noutro jazigo contíguo à histórica Capela do Socorro.

Sem perda de tempo, Zé Geraldo e o fotógrafo foram até o local, mas em lá chegando, se depararam com o sepulcro aberto. Consoante informação que lhes foi prestada pelo coveiro do cemitério, a violação do túmulo foi tão brutal, que só encontraram restos de panos e a madeira do caixão.

Examinaram o ataúde, a tumba, e também os escombros atirados para fora, onde recolheram apenas uns escapulários de determinadas irmandades, o cordão de São Francisco, e um pedaço do crânio com cabelos.

Para perpetuar a ocorrência, estas notas foram escritas e transcritas no Cartório do então 2º Tabelião Público de Juazeiro, cidadão Luiz Teófilo Machado, e o original devidamente assinado pelas testemunhas oculares do tétrico acontecimento, os Srs. José Geraldo da Cruz, João Cândido Fontes e Ildebrando Oliveira, cujas firmas foram reconhecidas com mais duas testemunhas, Pelúsio Correia de Macedo e José Ferreira de Menezes, que nada revelaram muito embora soubessem dos fatos, inclusive de suas minudências.

Sabe-se, contudo, que graças à grandiosa colaboração do Presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, Vereador Aguinaldo Carlos de Souza, logo mais, ou seja, às 17:00 horas, no cemitério de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, será colocada no túmulo da Beata Maria de Araújo, uma placa de bronze, pelos 76 anos de seu transporte da Terra para o Céu.

Homenagem, diga-se de passagem, das mais justas àquela que em vida foi sadicamente discriminada, vilipendiada, menosprezada, subestimada, oprimida, injustiçada, excluída e humilhada, tão-somente porque se notabilizara como a protagonista dos Milagres do Juazeiro.
(17/01/1990)
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Raimundo Araújo, no livro Mulheres de Juazeiro (Gráfica e Editora Royal, 2004).

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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Eis os novos centenários: Guerra de 1914 e morte da Beata Maria de Araújo



O Berro, em comemoração aos fatos históricos e centenários de nossa região, faz uma importante viagem ao passado para contar um pouco da Revolta de 1914 (conhecida como Sedição de Juazeiro) e, num segundo momento, discorrerá sobre o falecimento da Beata Maria de Araújo. Dois fatos que estão prestes a completar 100 anos e que têm relevância histórica para o Cariri e o Ceará.

A história da Sedição é rica, com muitos fatos ainda por serem descobertos, debatidos e (re)interpretados. Vale sempre lançar luz à memória dos que fizeram parte dela, além de poder destacar "filhos e netos da batalha" ainda vivos, já que aquele conflito não foi feito apenas por Generais e Políticos, mas, sobretudo, por nordestinos de fé, vindos de vários cantos do Nordeste, que escolheram Juazeiro do Norte (à época "Joaseiro") em defesa do padre Cícero. Esperamos que nessa viagem possamos conhecer pessoas como Francinilton — bisneto do beato Roque Pinto de Miranda, que era amigo do Padre Cícero e fundador da Irmandade do Santíssimo Sacramento — que luta para que histórias como a do seu bisavô permaneçam vivas na memória de Juazeiro.

No último dia 9 de dezembro completaram 100 anos da invasão de Floro Bartolomeu (juntamente com jagunços e um capitão da seção da Guarda Municipal) ao destacamento policial de Juazeiro, recolhendo rifles e trancafiando soldados atrás das grades. Com aquela investida podia-se dizer que a "revolução" era um caminho sem volta, o que fez com que rabelistas residentes no município partissem em debandada. Mostrava-se, portanto, que o então presidente do Ceará, Franco Rabelo, passava a ter seu poder cada vez mais ameaçado pelo seu antecessor, Nogueira Accioly, e pelo aliados do Padre Cícero.

Realmente muitos acontecimentos estariam por vir: menos de uma semana após a tomada de armas por Floro e seus jagunços, no dia 15 de novembro de 1913, a população de Juazeiro começou a construir um enorme valado, que ficou conhecido como o "Círculo da Mãe de Deus". Milhares de homens, mulheres e até crianças, lançando mão de ferramentas rudimentares (incluindo colheres e garfos), entrincheiraram o Juazeiro, preparando-se para a iminente invasão de tropas rabelistas, que se deslocariam de Fortaleza e outras localidades cearenses, objetivando derrotar o exército arregimentado por Floro Bartolomeu.

O "Círculo da Mãe de Deus", fruto dos trabalho dos devotos e amigos fiéis ao Padre Cícero, foi determinante para o desenrolar dos capítulos que aconteceriam naquela virada de 1913 para 1914. E detalhes de tais episódios acompanharemos no blog d'O Berro nos próximos dias e semanas.

Faz-se necessário frisar que rememorar tais fatos, trazendo à tona muitos dos personagens e episódios daquele conflito,significa, acima de tudo, conhecer um pouco mais da nossa história, saber como se formou a Região do Cariri que conhecemos hoje, sócio, político e economicamente. Entender como a virada do século XIX para o século XX, com a atuação do Padre Cícero, que exercia, inegavelmente, o papel de líder político e religioso naquele contexto.

Nosso interesse vai muito além (ou não nem chega a se valer) de questões que tentaram historicamente resumir aqueles conflitos a uma rixa entre Crato e Juazeiro, por exemplo. Até porque, como veremos nas próximas postagens sobre o assunto, as disputas políticas faziam com que houvessem defensores de um lado ou de outro do conflito em diversas localidades. Não podemos, portanto, esquecer da diversidade política e cultural de cada localidade, nem engessar em categorias estanques e estereótipos que muitas vezes tacharam "essa ou aquela cidade" como símbolo de determinadas características. É preciso entender a conjuntura política e a cultura diversa daquelas comunidades naquele contexto histórico.

Portanto, muito mais importante do que reduzir o conflito a uma disputa entre povos de diferentes localidades, faz-se necessário lançarmos luz ao desenrolar político, social e econômico daquelas disputas, verificando o que isso significou para o desenvolvimento do Cariri no século XX. É buscar entender como tudo aquilo teve que ser superado em algum momento, para que muitos coadunassem com a ideia de colaboração mútua entre as cidades vizinhas, que hoje formam a Região Metropolitana do Cariri, fruto da conurbação entre Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha (e a soma de outros municípios circunvizinhos).

Já a personagem Maria de Araújo (que mencionamos no início da postagem), a Beata que protagonizou, ao lado do Padre Cícero, os famosos milagres da hóstia transformada em sangue em Juazeiro, impulsionando as primeiras romarias para o município, merece o devido reconhecimento pela sua importância na história da cidade. É preciso recontar a história de uma Beata que, na condição de mulher negra, pobre, analfabeta, acabou sendo perseguida e condenada ao isolamento, como que tivesse de pagar os pecados por um suposto embuste, por uma suposta farsa contra as regras da Igreja do Vaticano.

Independente do que significava aquele sangue da Beata Maria de Araújo durante as comunhões, tais eventos serviram para alimentar a crença de diversos nordestinos que elegeram Juazeiro como a capital da fé, como o espaço sagrado da sua religiosidade. Isso foi determinante (juntamente com a liderança política e religiosa exercida pelo Padre Cícero) para que Juazeiro se tornasse uma das grandes cidades do Nordeste brasileiro, um destino certo para milhões de romeiros anualmente. Que a Beata Maria de Araújo tenha o reconhecimento por seu importante (e decisivo) papel nessa história, mesmo que apenas agora, quando já se completam 100 anos da sua morte (a Beata faleceu no dia 17 de janeiro de 1914). Clique aqui e confira poema e ilustração sobre a Beata Maria de Araújo.
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Equipe O Berro

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ilustração e poema sobre a Beata Maria de Araújo

Embalado pra viagem # 95



maria de araújo

tu que deverias estar aqui e não estás.
olho-te defronte um jazigo vazio.
aquele pequeno corpo - invólucro de milagres - que milagrosamente trouxera
                [à tona uma cidade que há mais de século se fazia miúdo lugar no fim do mundo.
teus restos - ossos e resíduos putrefatos - foram banidos desta realidade
                [por facínoras delegados duma religião maquiavélica.
seriam santos teus despojos depositados nesta vala?
a crença do homem é teu esquecimento.
tu, que sufocada pelo silêncio da rua padre cícero - ironicamente - arrancada dos braços
                [daquele povo antigo que desejava banhar-se com teu
                [sangue fruto de visões divinas.

tua pobreza te puniu.
tua pele negra te puniu.
teu sexo te puniu.

teu povo te puniu.
teu santo te puniu.

juazeiro agradece teu martírio e te esquece todo dia.
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Poema: Ythallo Rodrigues
Ilustração: Reginaldo Farias

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

"Procura-se" Beata Maria de Araújo

Centenário de Juazeiro do Norte # 42
No último dia 23 de maio foi comemorado o 148º aniversário de nascimento da Beata Maria de Araujo, que juntamente com o Pe. Cícero é uma das grandes personagens de Juazeiro do Norte e responsável pelo crescimento constante do turismo religioso em nossa cidade. E nesse ponto, um acontecimento polêmico até os dias de hoje tem valor relevante, trata-se do Milagre da Hóstia, que foi protagonizado pelo Pe. Cícero e pela Beata Maria de Araújo.

Tendo sido vitimada e condenada pela própria igreja a afastar-se dos cultos religiosos que tanto lhe iluminavam a alma, a Beata recentemente tornou-se foco de um grupo de artistas intitulado 100 diferente, que tenta trazer luz à memória da Beata que teve seu túmulo violado e os restos mortais jogados em lugar ignorado.

“Procura-se”, é assim que a intervenção grafa em vermelho os diversos cartazes espalhados pela cidade com a imagem de Maria de Araújo. Logo abaixo lemos “Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo - BEATA MARIA DE ARAÚJO - mulher, pobre, negra desaparecida desde 22 de outubro de 1930". Com a profanação do túmulo da beata, fica claro o sentido do “procura-se”, cabendo ao restante do texto a responsabilidade pelas principais indagações.

Será que teria outra sorte se a beata fosse rica e branca?! Ou, pelo menos, buscar-se ia os responsáveis pelo vilipêndio do seu túmulo? E hoje, será possível encontrá-la, ter seu respeito resgatado?

Muito foi (e vem sendo) feito para se redimir os erros com o Pe. Cícero. Resta que seja feito o mesmo com a Beata, que já é respeitada e admirada pelo povo de Juazeiro, por seus artistas e romeiros que, ano após ano, prestam homenagens a esta devota do "Padim Ciço".

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Para ver uma matéria do Fantástico (exibida em 1997) sobre a Beata Maria de Araújo e o suposto milagre clique aqui.