sábado, 18 de junho de 2011

Folheto sobre Juazeiro comentado por Carlos Drummond de Andrade

Centenário de Juazeiro do Norte # 66

Na postagem # 57 do Centenário, disponibilizamos o poema "Artesãos de Juazeiro", de Pedro Bandeira, que havia sido publicado em folheto e distribuído na exposição "Nordeste na bússola", no Rio de Janeiro, em 1970.

Na sequência da publicação, o poema foi comentado pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade, em texto publicado no Jornal do Brasil, em agosto de 1970. Abaixo, transcrevemos o texto, também reproduzido no livro O sertão e a viola, de Pedro Bandeira.

Juazeiro e seu cantor
Carlos Drummond de Andrade
(Jornal do Brasil, de 7-8-1970)

A moça que virou cobra, casamento e divórcio da lagartixa, o cavalo que nasceu de bigode e cavanhaque, exemplo de um rapaz que dançou carnaval em traje de santo: são temas e títulos de poemas nordestinos, que se encontram nas feiras. Quem não conhece esta literatura poética? Dizem que poesia não vende. Aí estão os poetas populares da Paraíba, de Pernambuco, do Ceará, da Bahia, a demonstrarem o contrário. Vendem tanto que a produção se industrializou, e os modestos folhetos com capas de xilogravura tosca passaram a ser editados em gráficas aparelhadas de São Paulo, o que aliás lhes retira muito do sabor primitivo.

O poeta popular distingue-se pela versatilidade de sua temática. Inspira-se no lendário e no mágico, tanto quanto na vida comum. Em seus “romances”, topamos com princesas enfeitiçadas, dragões, o diabo em pessoa, o jogo do bicho, a carestia dos gêneros, rádio, TV, crimes passionais, minissaia etc. Nada escapa à observação do vate de poucas letras e muita vivacidade, com as reservas obviamente impostas à glosa de certos temas. O poeta popular é o menos alienado dos poetas, e adapta-se às circunstâncias para para melhor exprimir uma realidade social e humana que é testemunha atenta, além de participante.

Ainda agora, fechada a Exposição Artesanal de Juazeiro do Norte, que se realizou no Museu de Arte Moderna do Rio, o que fica para a recordação dessa mostra é um minilivro de 11 páginas, em que o poeta Pedro Bandeira canta sua cidade, procedendo ao levantamento de suas atividades criativas. “Artesãos de Juazeiro”, como poema-catálogo, satisfaz a curiosidade de quem deseje informar-se sobre a economia local. Um economia típica, pois os primeiros produtos recenseados penetram fundo na história dramática.

          Juazeiro, de artesão,
          é grande e milionário!
          E eu sem exagerar
          nada direi ao contrário.
          E aqui começo a dizer
          o que sabemos fazer
          sem precisar maquinário.

          Faca, revólver, espingarda,
          — cano grosso e cano fino —
          pistola, foice e machado,
          trinchete — tipo colino —
          peixeira feita com arte,
          cravinote, bacamarte,
          e mosquetão boca de sino.

Não se apavore em demasia o leitor. Já na estrofe seguinte, o artesanato da morte se mescla com objetos mais pacíficos:

          Da madeira nós fazemos
          “Dois de Ouro”, “Lampeão”,
          apito, santo, oratório,
          cinzeiro, mão-de-pilão,
          cocho, cabaça, gamela,
          cabo coronha, janela
          terço, rosário e portão.

Bandeira volta-se agora para os artefatos de couro:

          Do couro fazemos roupa
          de o vaqueiro entrar no mato,
          saia e blusa pra mulher
          com tudo do artesanato.
          Sela, cilha, rabichola,
          camisa para viola,
          peitoral, loro e sapato.

E muitas outras especialidades rurais e urbanas, da focinheira ao tapete. O cantor passa em revista as indústrias da folha-de-flandres, do ferro e do ouro, não esquecendo as coisas mínimas, como a humilde dobradiça. Barro, óleos vegetais, cio, tudo serve ao trabalho em Juazeiro, que dedica especial atenção à arte, fabricando “violão para qualquer farra, bandolim, banjo, guitarra, reco-reco e outros mais”, além de “viveiro, caricatura, gaiola, xilogravura, talismã e artifício”. O poema não se esquece de anotar os refrigerantes norteamericanos que ali se produzem (daqui a pouco, eles contarão também com um inventário da Lua).

Enfim, Juazeiro faz de tudo e “não se humilha a ninguém”. “Nossos políticos são bons, ninguém trabalha pra si”. O poeta dá uma colher-de-chá ao prefeito, louva as excelências muitas da terra e conclui:

          eu te amo, oh! Juazeiro!
          Se eu pudesse eu te arrancava,
          te suspendia e botava
          dentro do Rio de Janeiro!

Mas explica:

          Digo assim, porque estimo
          as duas lindas cidades.
          Vim de lá por precisão,
          volto por necessidades.
          Sinto alegria e pesares
          parto alcatifando os ares
          dos aviões das saudades.

E assim Pedro Bandeira estabelece uma ponte aérea, política e afetuosa, entre Juazeiro e Rio. Muito vivo, hein?

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Para ler o poema de Pedro Bandeira na íntegra, clique aqui.

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