quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Padre Cícero e o incentivo ao trabalho

Centenário de Juazeiro do Norte # 78

A exemplo de outras postagens do Centenário de Juazeiro, hoje disponibilizamos um texto publicado em um dos vários livros publicados sobre o Padre Cícero ou sobre o Juazeiro. No caso específico do livro de hoje, temos justamente a junção da imagem do Padre com a cidade por ele fundada.

O livro em questão é Padre Cícero do Juazeiro, antologia publicada em 1994, sob organização do escritor Raimundo Araújo. E destacamos o texto "Padre Cícero e o trabalho", de autoria das doutoras Therezinha Stella Guimarães e Anne Dumoulin, que também publicaram o importante livro Padre Cícero por ele mesmo (Editora Vozes, 1983), com centenas de cartas escritas pelo patriarca do Juazeiro.

No texto por ora apresentado, as autoras mostram a visão do Padre Cícero em transformar o espaço ao seu redor e as situações emergenciais numa fonte de trabalho para o sertanejo.
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Padre Cícero e o trabalho
Dra. Therezinha Stella Guimarães
Dra. Anne Dumoulin

A cidade de Juazeiro do Norte, fundada pelo Padre Cícero, é a prova mais visível de sua atuação pelo trabalho. O sonho deste padre era transformar a situação de caos e de miséria do sertão, numa terra de fertilidade, de ordem e de progresso.

A leitura das cartas do Padre Cícero nos convenceu que este homem tinha uma visão ativa e complexa do valor do trabalho: ele trabalhava e ensinava ao povo a trabalhar. Citaremos aqui, alguns exemplos reveladores.

Numa carta escrita a um certo Padre Moisés, que tinha mulher e vivia suspenso de ordens, sem recursos financeiros, ele dá alguns conselhos judiciosos onde mostra a sua convicção de que o trabalho é uma boa terapia:

(12-07-1923) “...Aproveito para escrever-lhe, como um irmão e como um amigo. Venda a metade do que possuem e vá ao Rio de Janeiro, e se matricule na Academia de Direito ou de Medicina; logo que lá chegue, entenda-se com o Sr. Bispo, converse francamente com ele, expondo-lhe os desejos sinceros de sua conversão... Não esmoreça. Dê o primeiro passo e o resto, o nosso Bom Deus fará. Assim, já alcancei com outro padre que também abismado seguiu o meu conselho e é hoje doutor em Direito e vigário no Rio de Janeiro...”

Padre Cícero era também fazendeiro. Ele procurava, por exemplo, diversificar as plantações para provar aos agricultores da região o interesse econômico de tais modificações. Numa carta ao Prefeito do Crato, podemos ler:

(14-10-1918) “O Padre Cícero, com o fim de demonstrar e ensinar aos outros rendeiros do Estado que a Chapada araripense pode produzir outras plantas úteis que as rotineiras mandioca e maniçoba, pede mais uma licença... de cultivar durante 3 anos, na mesma área pedida acima, para criar 20 tarefas de cana-de-açúcar e 20 tarefas de diversos cereais e café, ao todo 40 tarefas...”

Na carta escrita ao Bispo de Fortaleza, em 1889, o Padre Cícero não se confina em lamentações e orações para dar soluções ao grave problema da seca. Fazia propostas concretas, viáveis, procurando dão o pão, mas também trabalho aos nordestinos famintos:

“Temos aqui bons lugares próprios para açudes que podem ser aproveitados, e este pobre povo, tendo trabalho, possa escapar. Em Constantina, na Argélia, os poços artesianos têm remediado o mesmo mal que nós sofremos, e me parece que se é verdade o resultado que dão, será um remédio mais pronto e mais eficaz. Aí está uma companhia contratada pelo Governo para este fim, nos alcance um destes poços para o nosso pobre Juazeiro, de proporções largas, que dê para irrigar as terras que eram irrigadas pela Batateira nos anos precedentes.”

Ele não cruzava os braços e chamava o povo à ação para reagir contra situações injustas:

(04-12-1900) “...cada cearense deve ser uma trombeta na imprensa e em toda parte, gritando com toda força, pedindo socorro para o grande naufrágio do Ceará. Pode ser que estes governos que têm dever de salvar os estados nas calamidades públicas despertem este clamor e não queiram passar por assassinos, deixando caprichosamente morrer milhares de vidas que podiam salvar e não querem...”

Padre Cícero era o grande catalisador de informações e sabia se servir delas para educar e orientar. Descobrimos uma prova disto num relatório escrito pelo botanista alemão Philipp Von Luetzelbug, depois de uma viagem de inspeção no Nordeste:

“...Este velho, de real prestígio popular, deixou-me gratas recordações. Tratou-me com delicadeza e amabilidade. De fato, trata-se de um homem que dispõe de instrução e saber invulgares: aborda com igual facilidade a política e a história brasileiras; tem conhecimentos profundos de história universal, ciências naturais, especialmente quanto à agricultura. Os institutos científicos deviam entrar em contato com aquele homem que dispõe de conhecimentos excepcionais com relação à Paleontologia, Geologia e História, adquiridos parte por observações que colhe de seus inúmeros fiéis e romeiros, que das paragens mais longínquas trazem ao ‘Padrinho’ tudo aquilo que encontram de esquisito e extraordinário... Poderia o leitor objetar que pouca importância se deve dar aos achados dos romeiros, geralmente sem instrução. Contudo, devo notar que tive oportunidade de estudar a curiosa coleção do Padre Cícero, onde encontrei material preciosíssimo...”

Esses exemplos, escolhidos entre muitos outros, não nos permitem concluir que o Padre Cícero teria apresentado comportamentos patológicos em referência às suas atividades de trabalho, muito pelo contrário. Sua tendência mística, suas crenças, não o absorviam ao ponto de sufocar a sua inteligência, seu interesse, sua vontade de agir para transformar a natureza e criar melhores condições de vida para o Nordeste.

(Centro de Psicologia da Religião)
Juazeiro do Norte-CE

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