terça-feira, 14 de junho de 2011

Juazeiro e sua arte em texto do Prof. Cícero de Tarso Dantas

Centenário de Juazeiro do Norte # 62

Como mais uma publicação em homenagem ao Centenário de Juazeiro do Norte, hoje reproduzimos o texto "A evolução da arte em Juazeiro", do Prof. Cícero de Tarso Dantas, publicado na antologia Juazeiro do Padre Cícero (1914-1994), organizada pelo escritor Raimundo Araújo.

A publicação é citada como sendo uma edição comemorativa pelos 80 anos de Juazeiro do Norte — que havia sido comemorado em 1991 — mas o livro foi publicado em 1994. No livro temos artigos de variadas épocas, escritos por diversos autores, abordando assuntos ligados à cidade fundada pelo Padre Cícero. O texto que vamos reproduzir hoje, do Prof. Cícero de Tarso Dantas, fala da tradição do artesanato no Juazeiro e de algumas formas artísticas que se desenvolveram na cidade.

Lamentamos que o autor não tenha passado informações detalhadas das épocas relatadas (anos ou décadas, pelo menos), ilustrando melhor as descrições que ele faz, como do mercado e de toda a movimentação para a compra e venda de produtos artesanais em Juazeiro do Norte. Independente disso, vale o registro de uma visão da tradição artística do município.
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A evolução da arte em Juazeiro
Prof. Cícero de Tarso Dantas

Lembro-me, meninote, anos atrás, quando Juazeiro ainda era pequena, que os mercados e feiras livres representavam o espelho da nossa cultura popular. Claro que, naquela época, não me vinha tal conceito no meu mundo infantil. Hoje, lógico, é que tal ideia estrutura-se na minha consciência.

Admirava-me de tão grande manifestação. A feira estendia-se Rua São Pedro acima e era cortada por três outros quarteirões paralelos, apinhados de bancas, expondo mercadorias. Era esta feira um grande empório nordestino. Nela nos abstraíamos, vendo objetos dos mais variados tipos, das mais estanhas feituras.

Ver os bichos de barro, admirar os cabos dos punhais, comprar carrinhos de lata e madeira, sentir o cheiro dos roupões dos vaqueiros, ouvir o ralhar das mulheres, quando no toque derrubávamos areia prateada das bordas das flores... São hoje reminiscências de uma cultura popular exposta na rua da cidade.

Você pode perguntar — O que nossa arte tem a ver com a expressão da cultura popular? Resposta simples. No conteúdo expresso desta cultura popular, está inserida inseparavelmente nossa arte. Se quisermos compreender a trajetória da arte no Juazeiro, primeiro veremos que a cultura popular, na qual nossos antigos habitantes estavam emergentes, gerou a arte que temos hoje. Só que naquela época, a arte, que sempre atende aos horizontes das necessidades de uma sociedade, fora, de maneira simples, utensiliar, educativa e sacra.

Quero, por fim, fazer-me compreensivo quanto à evolução da nossa arte, desenvolvendo comparações do que foi ontem o drama e o agora teatro. Do que foi há muito arte utensiliar e para o que hoje é conceitual. E de quem foram ontem nossos artesãos-avós, para quem são os artistas de hoje.

O drama, a sacrossanta interpretação dos mistérios da vida e da morte de Jesus Cristo, era encenado no período da Semana Santa. A vida dos santos era levada à cena quase que corriqueiramente. Tendo como objetivo conduzir o cristão para o seio da Igreja e da prática dos mandamentos da lei do povo divino, esta forma de expressão teatral fora mantida por beatas-religiosas e leigos, que devido a condições históricas de conhecimentos mais profundos da arte cênica, a posteriori necessariamente, precisavam desenvolver-se.

Neste contexto passado, a arte cênica não tinha tradição. Seus elementos eram compostos por simbolismos ingênuos. Não se conhecia um teatro com bases elaboradas na construção de personagens, ensaios laboratoriais, etc.

Mergulhada num devir profícuo, em meio a esta progressão histórica, o nosso teatro evoluiu tanto quanto a nossa cultura. E, se dependendo de agora temos uma tradição reconhecida, teremos que reconhecer a luta de quem amava e ama o teatro, a representação, a vida.

Pelas figuras ilustres do nosso teatro, pelos conhecimentos científicos do teatro de agora, pela aquisição de práticas e métodos diferentes em décadas passadas, pela emergência de uma nova consciência teatral, é que, enfim, constatamos a evolução deste ramo artístico.

Ao conceituar a arte como produto da ação intelectual de um povo historicamente determinado, podemos ver na arte utilitária-utensiliar fortes traços de uma cultura que se afirma, além da própria evolução do conteúdo desta arte.

Querendo sintetizar esta abordagem, não é que hoje não possamos comprar foices, enxadas, facas ou qualquer outro objeto manufaturado antigamente, mas, que, também, podemos adquirir objetos de fina arte, com motivos e formas que deixariam nossos antigos artesãos incrédulos e boquiabertos.

Por este tornar-se do primitivismo de ontem à abrangência e complexidade da arte de hoje, pela estética com que o artista fez e faz sua obra num determinado momento em que se supõe progresso, é que podemos concluir um outro aspecto evolucionário existente nesta nossa arte popular — a passagem da consciência de artesãos e artistas.

Dantes, não se precisava da arte. A priori, na vila pobre de então, o artesão, simples manufatureiro, estava presente para atender às necessidades básicas do mercado. A arte ia à “feira”, mas ia como produto de consumo, não de “exposição”.

Hoje, nossa arte está também, além do popular. E por que? — porque a consciência dos nossos artistas atuais alargaram-se os seus horizontes com experiências criativas e inovadoras.

Nossos artistas são reconhecidos em diversos continentes. Por isto , para que não se interrompa esse fluxo, esta expressão artística do Juazeiro, reconhecida internacionalmente, faz-se necessária a comunhão dos diversos setores da sociedade com aqueles que estão produzindo cultura e arte.

Enfim, a arte popular em toda a sua expressão e a arte elitista, burguesa — concludentemente, a arte como um todo, para que mude, evolua e continue transmitindo suas mensagens, precisam ser protegidas, não por medidas meramente paternalistas, mas por ações dinamizadoras.

Temos arte, faltam mais incentivos. Temos expressões e estão surgindo novas... Reflexione: de que precisamos mais?

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Publicado na antologia Juazeiro do Padre Cícero (1914-1994), sob organização de Raimundo Araújo.

Um comentário:

  1. Cicero de Tarso um pintor de palavras... uma das "inportant person" que mui contribui para o desenvolvimento cultural da nossa Juazeiro..

    Jean Nogueira

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