sábado, 30 de abril de 2011

A canção que Roberto Carlos não gravou...

...até porque ela não foi feita.

Hoje é o último dia de abril e aproveito para destacar duas datas do mês que não mencionamos neste blog: 1) 19 de abril: 70 anos de Roberto Carlos — fato que teve grande repercussão na mídia brasileira; 2) 13 de abril: dia em que Sérgio Sampaio, se estivesse vivo (faleceu em 1994), completaria 63 anos de idade — fato que passou batido pela mídia brasileira.

Datas, portanto, referentes a dois cantores e compositores brasileiros: coincidentemente, dois capixabas de Cachoeiro de Itapemirim. Roberto Carlos é hoje uma das figuras mais conhecidas do Brasil, até por isso todo o noticiário destacou seu aniversário de 70 anos; enquanto o genial Sérgio Sampaio sempre foi considerado um "maldito da MPB", sempre avesso aos protocolos estabelecidos pela fama, tendo seus discos conhecidos apenas por fãs e por interessados em vasculhar a história da música popular brasileira.

Por curiosidade, quero citar um fato que aproxima — e ao mesmo tempo distancia, você entenderá por quê — esses dois cachoeirenses. Escrevo muitas passagens baseado nos relatos de Rodrigo Moreira, autor da biografia de Sérgio Sampaio (Eu quero é botar meu bloco na rua, Editora Muiraquitã, 2000).

Sérgio Sampaio virou sucesso nacional no FIC 72 (Festival Internacional da Canção) com a composição "Eu quero é botar meu bloco na rua" que, embora não saindo vencedora, virou o grande sucesso do Brasil naquele ano. Em tempo: o Festival foi vencido por "Fio Maravilha", de Jorge Ben, na voz de Maria Alcina; e "Diálogo", de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, interpretada por Tobias e Márcia.

Conquistado o sucesso repentino, Sérgio Sampaio deixou, de uma hora pra outra, de ser um artista pobre e desconhecido para virar figurinha fácil na mídia, sendo requisitado por gravadoras e por cantores que queriam conhecer suas novas composições.

Em meio a tudo isso, chega até Sampaio um bilhete de um assessor de Roberto Carlos (nome já consagrado na música brasileira à época), solicitando uma composição "nos moldes do 'Bloco'", para que o "rei" pudesse gravar. De repente, Sérgio Sampaio estava diante da possibilidade de realizar seu sonho como compositor: ter uma composição gravada pelo seu ídolo de juventude, o conterrâneo Roberto Carlos.

Começava mais uma batalha de Sérgio Sampaio consigo mesmo, pois a fama e a agenda lotada já estava o incomodando bastante, além da cobrança para que ele escrevesse novos hits do tipo "Eu quero é botar meu bloco na rua". Em meio a essa turbulência e tentando se aproximar esteticamente de uma composição que agradasse ao Roberto Carlos que vivia uma nova fase — deixara de ser o 'Rei do Iê-Iê-Iê' dos anos 60 para se transformar no mais famoso cantor de música romântica do país —, Sérgio Sampaio acabou não conseguindo compor a "canção encomendada".

Mas para a tentativa não se dar por perdida, Sérgio Sampaio acabou compondo uma canção que relata toda essa angústia e incapacidade de ouvir uma música sua gravada pelo antigo ídolo. O resultado foi a composição "Meu pobre blues", gravada por Sérgio Sampaio em compacto do ano de 1974. Na letra e na melodia, citações da obra de Roberto Carlos ("Detalhes", "Como 2 e 2", entre outras).

Logo abaixo, a letra de "Meu pobre blues" e a gravação feita por Zizi Possi — incluída no seu álbum de estreia, Flor do mal, de 1978, e no álbum-tributo ao "maldito cahoeirense", Balaio do Sampaio, de 1998. As aflições, teimosias e ironias dos versos corrosivos de Sampaio:


Meu pobre blues
(Sérgio Sampaio)

Meu amigo, um dia eu ouvi maravilhado
no radinho do meu vizinho seu rockzinho antigo
foi como se alguma bomba houvesse explodido no ar
todo o povo brasileiro nunca mais deixou de dançar
e desde aquele instante eu nunca mais parei de tentar
mostrar meu blues pra você cantar.

Foi inútil! Juro que tentei compor
uma canção de amor
mas tudo pareceu tão fútil...
E agora que esses detalhes
estão pequenos demais
até o nosso calhambeque não te reconhece mais
eu trouxe um novo blues
com cheiro de uns dez anos atrás
que penso ouvir você cantar.

Mesmo que as mesmas portas
estejam fechadas
eu pretendo entrar
mesmo que minha mulher depois de me escutar
ainda insista que você não vai gostar
mesmo que o gerente, o assistente ou o inteligente
ainda não me queira acreditar
vou fingir que tudo isso não é nada
e que um dia ainda em plena praça
eu posso lhe encontrar.

Blues tão rico, só que não esconde mais
que o meu pobre coração
está ficando um tanto quanto aflito
pois deve tá pintando o tempo
em que você começa a gravar
no seu próximo disco
eu queria tanto ouvi-lo tanto cantar
eu não preciso de sucesso
eu só queria ouvi-lo cantar
meu pobre blues e nada mais
É tão simples...

3 comentários:

  1. Como 2 e 2 não é de Roberto - mas de Caetano Veloso.

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  2. Valeu, amigo. Mas 'Como Dois e Dois' foi gravada por Roberto Carlos no disco 'Detalhes', passando a fazer parte de sua obra fonográfica. A referência feita remete a essa gravação. Obrigado.

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  3. O Sérgio era uma poesia em si, em pessoa. Dilemático, mas sincero. Está começando a ganhar um reconhecimento agora, mais que merecido. E se um dia, por ventura, ter ele um sucesso à altura do seu potencial, será uma ironia ao que o próprio se destinava, que era se marginalizar à arte. Afinal as jóias raras e valiosas são aquelas q permanecem escondidas.

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