terça-feira, 19 de julho de 2011

Capítulos da independência de Juazeiro e a realidade décadas depois

Centenário de Juazeiro do Norte # 97

Hoje, dia 19 de julho, quando teremos um dia com lançamentos de livros sobre Juazeiro, no Memorial Padre Cícero, que foi o assunto da postagem # 96 do Centenário, destacamos mais uma vez um texto publicado na vasta bibliografia sobre o município.

O texto reproduzido nesta postagem é de autoria de Boaventura de Souza, professor e historiador com pesquisas e constribuições para a educação e produção editorial da Região do Cariri. José Boaventura de Souza faleceu em 2005 e hoje dá o nome a uma Praça na II Etapa do Bairro Tiradentes.

O texto "Independência de Juazeiro", publicado na antologia Juazeiro do Padre Cícero (de 1994), organizada por Raimundo Araújo, foi escrito em julho de 1992, por ocasião do 81º aniversário de emencipação política de Juazeiro. No relato do professor, temos a sequência dos fatos que culminaram na independência de Juazeiro e na posse do primeiro prefeito: Padre Cícero. No segundo momento do texto, temos uma análise da situação e das dificuldades de Juazeiro em 1992, refletindo sobre as dificuldades locais e a grave crise econômica do Brasil naquela época. Vale a pena conferir e refletir sobre o que avançamos, sobre o que permaneceu inalterado ou o que acabou piorando 19 anos depois da redação do prof. Boaventura de Souza.
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Independência de Juazeiro
Prof. Boaventura de Souza (julho de 1992)

Transcorre na data de hoje, o 81º aniversário de Emencipação Política de Juazeiro do Norte. Cidade que cresce graças ao espírito empreendedor do seu povo. Juazeiro é uma cidade legendária pelo toque místico e empreendedor do Patriarca Padre Cícero Romão Batista e seus seguidores em memoráveis momentos heroicos.

Nesta data em que comemoramos a criação do nosso município, a satisfação nos invade e a esperança se renova em uma Juazeiro dinâmica e progressista. Não temos dúvidas de que somos uma comunidade ordeira e forte, graças ao binômio trabalho e oração.

Vivemos em um difícil momento sócio-econômico em nosso país e, consequentemente, em Juazeiro, síntese nordestina. Para superação das dificuldades, Juazeiro muito tem batalhado e ainda terá muito que lutar, como fez no passado. Conhecer a nossa história é fundamental para motivar o nosso dia-a-dia na busca de metas maiores.

Relebremos os fatos, os momentos decisivos da nossa comunidade por um Juazeiro independente. O pesquisador Daniel Walker de Almeida Marques (Coordenador da Área de Documentação e Referência do IPESC) elaborou interessante trabalho sobre a Crononologia da Independência de Juazeiro:

16 de agosto de 1907. Circula um boletim convocando o povo do então povoado de Juazeiro para uma reunião, no dia 18 do mesmo mês, na residência do Major Joaquim Bezerra de Menezes. Segundo o Boletim, hoje uma peça histórica importante, a referida reunião, de “caráter cívico, sem cor política”, era uma necessidade que se impunha, portanto, era chegado o momento de se pugnar com alta energia e valor pela causa da elevação social, elevando Juazeiro à categoria de município. Oficialmente é esta data histórica que assinala o marco inicial da luta em prol da autonomia municipal de Juazeiro.

Maio de 1908. Chega a Juazeiro o médico baiano Floro Bartolomeu da Costa, um baluarte na luta pela Independência de Juazeiro.

18 de julho de 1909. Fundação do jornal “O Rebate”, primeiro jornal da imprensa juazeirense, editado sob a responsabilidade do Padre Alencar Peixoto. Este jornal contava também com a redação do Dr. Floro Bartolomeu e do Professor José Joaquim Telles Marrocos. Foi o principal porta-voz dos anseios de Emancipação Política de Juazeiro.

Agosto de 1909. Em virtude das declarações de Mons. Antônio Tabosa, em Crato, chamando os moradores de Juazeiro de “povo imundo guiado pelo satanás”, a população do povoado declara greve geral à economia do Crato. Os romeiros que trabalhavam em Crato, como domésticos ou agricultores, retornam a Juazeiro; os feirantes boicotaram a feira semanal de Crato; os artesãos recusaram-se a vender seus produtos na cidade e os juazeirenses, de um modo geral, deixaram de fazer compras em Crato. A situação só voltou à normalidade depois de cerca de um mês, graças à ação conciliadora do Padre Cícero.

14 de agosto de 1910. Em plena evolução do movimento pró-independência de Juazeiro, falece, repentinamente, para tristeza geral, o prof. José Marrocos. Até hoje as circunstâncias em que sua morte aconteceu não foram suficientemente conclusivas.

30 de agosto de 1910. No mesmo dia em que chegaram a Juazeiro as notícias da decisão negativa por parte da Câmara Estadual, no tocante à criação do município de Juazeiro, cerca de 15 mil pessoas reuniram-se na Praça da Liberdade (atual Praça Padre Cícero), para um movimentadíssimo ato público. Marcharam para a capela de Nossa Senhora das Dores, onde rezaram pela vitória do movimento; em seguida, saíram em ruidosa passeata até a redação do jornal “O Rebate”, onde ouviram a inflamada declaração de independência proferida pelo Padre Alencar Peixoto e Dr. Floro Bartolomeu, e daí percorreram diversas ruas, passando nas residências de José André, Cincinato da Silva e Padre Cícero, cantando e gritando palavras de provocação a Crato.

3 de setembro de 1910. O Coronel Antônio Luiz, chefe político de Crato, cometeu a imprudência de mandar um batalhão de polícia para Juazeiro, sob o pretexto de garantir a cobrança de impostos, que os juazeirenses haviam resolvido não pagar mais. Esta medida, como era de se esperar, causou grande tumulto, sendo preciso mais uma vez a intervenção conciliatória do Padre Cícero.

18 de junho de 1911. Padre Cícero escreve ao Governador Accioly, apresentando razões pelas quais não desejaria que o cargo de primeiro Prefeito do município de Juazeiro (a ser criado) caísse nas mãos de “outro” cidadão que não soubesse ou não pudesse manter o equilíbrio de ordem até então mantido por ele. O “outro” cidadão a que o Padre Cícero se referia, segundo o pesquisador Ralph Della Cava, era o fazendeiro mais rico de Juazeiro, o Major Joaquim Bezerra de Menezes, descendente direto da família fundadora do Cariri e filho de Juazeiro. À reunião realizada em 18 de agosto de 1907, na casa do Major Joaquim Bezerra de Menezes, o Padre Cícero não compareceu.

22 de julho de 1911. Assinada a Lei nº 1.028, criando o município de Juazeiro. A lei é composta de 5 artigos. Assinam: Belizário Cícero Alexandrino (Presidente), Lourenço Alves Feitosa de Castor (1º secretário) e Oscar Feital (2º secretário).

4 de outubro de 1911. Em meio a grande festa popular, Padre Cícero é empossado no cargo de primeiro Prefeito do recém-criado município de Juazeiro. A sessão solene de posse, à qual compareceram 17 prefeitos, realizou-se na casa de Dona Rosinha Esmeraldo, localizada no cruzamento da Av. Dr. Floro com a Rua Padre Cícero.

Juazeiro conquistou sua Emancipação Política graças à determinação do seu povo, liderado pelo Pe. Alencar Peixoto, Dr. Floro Bartolomeu, Prof. José Marrocos, que movidos pelos anseios da população como autênticos líderes, se dedicaram ao grande projeto popular.

Ao celebrarmos tão magna data, convém refletirmos um pouco sobre o que escreveu o Padre Murilo de Sá Barreto. “Numa de suas cartas a D. Joaquim, em 1889, o Pe. Cícero assume a dimensão de dirigente da comunidade... povinho que amo, como parte de minha alma, não quero ver desaparecer...”. Ainda hoje, a utopia do Pe. Cícero: “Construir uma cidade que se identificasse pela oração e pelo trabalho, tem sido interpretada pelos juazeirenses como o grande motivo de crescimento vertiginoso de Juazeiro do Norte”.

Este momento é muito importante para iniciarmos uma série de questionamentos sobre o futuro de Juazeiro, sobre o grande projeto do Padre Cícero para que o povo carinhosamente ele chamava de “meu povinho”.

Relembremos o seu projeto: “em cada casa uma oficina, em cada lar um santuário”.

O que estamos fazendo? A credibilidade nas instituições decresce diariamente, a sociedade se desagrega. “Cada lar” tornou-se um inferno pelo desemprego, fome, droga, etc.

Não andam mais juntos a fé e o trabalho, como o santo padre pregava. A fé que dava sentido à vida pessoal e coletiva, o trabalho que a sustentava, é cada vez mais difícil. Nosso povo precisa de trabalho para com dignidade estabelecer a coesão social, baseada na cultura popular, sustentada pela realização da família, da família unida pelo trabalho e pela oração.

Dentre os inúmeros problemas, gostaríamos de enumerar alguns.

Constatamos:
- o descompasso entre crescimento populacional e crescimento da oferta de emprego;
- o descompasso entre a demanda social de educação e a preparação para a cidadania e a profissão;
- o descompasso entre as necessidades da sociedade e a preparação profissional, para não falarmos da alfabetização de adultos;
- o descompasso entre a evolução histórica da cidade, que era a cidade de ouro, que agora trabalha com lataria;

Perguntamos:
- o que foi feito em relação à criação de novos empregos e melhores salários?
- o Parque Tecnológico? Instalado oficialmente com tanto barulho! Em que fase se encontra?
- o que estão fazendo com a nossa cultura? A nossa religiosidade que deu sentido a milhões de nordestinos, que os levou e ainda pode levar ao projeto de vida na fé e no trabalho...
- por que desanimar tanto o povo, os artesãos, os agricultores, os comerciantes, que se tornam camelôs, que não produzem mais nada e lutam cada dia com mais dificuldade pela sobrevivência?

Meus senhores, minhas senhoras, é chegado o momento de retomarmos em mãos o projeto simples, por isso grandioso, do nosso Patriarca Padre Cícero.

Não devemos copiar “modelos de salvação”, pois estes nos atrasam mais ainda, só beneficiam os detentores de tais modelos. Devemos ter as nossas próprias ideias. Somos conhecidos pela nossa criatividade. Devemos pensar sobre a nossa realidade, somos nós, dentro do nosso mundo, que somos responsáveis por nossas soluções frente a nossos problemas.

José Marrocos sonhou um dia com o grande projeto de regionalidade do Cariri. Ele levantou uma bandeira de que, unidas, as comunidades do Vale dariam um grande salto para uma melhor qualidade de vida do povo. José Marrocos precisa ser estudado. Suas ideias podem ser um dos motores para nossa motivação.

Meus senhores, minhas senhoras, vamos criar um PLANO feito pela inteligência da cidade com características reais, fundamentadas na viabilidade, no social, no real, na confiança do nosso povo, salvaguardando a dignidade e a realização das pessoas.

Concluo minhas palavras conclamando a todos que aqui se encontram, elite da nossa Juazeiro, por isso com maior compromisso, para que, além de nossa contribuição cotidiana em nossas atividades, nos engajemos num projeto moderno que conduza Juazeiro para um grande salto sócio-econômico, continuando, assim, o incansável, pioneiro e sagrado trabalho daqueles que por Juazeiro não mediram esforços.
(Prof. Boaventura de Souza, 22 de julho de 1992)

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