domingo, 27 de setembro de 2015

Um olhar perverso



por Thiago Melo Teixeira Batista

Todo voyeur carrega em si algo de exibicionista e o contrário também se revela como verdade. Quando duas pessoas imersas nessas perversões se cruzam, um jogo orgástico entre ver e ser visto é posto em cena.

É o que ocorre entre Joe e Seligman que casualmente se encontram em um beco sombrio, mas que não casualmente terminam em um quarto na casa de Seligman disputando papéis entre xícaras de chá (qualquer semelhança com  os salões de chá de Pasolini em Saló, onde as descrições sexuais se davam entre trivialidades burguesas).

Joe, com seu funcionamento primitivo e não sem culpas, descreve com detalhes seu comportamento sexual compulsivo (ilustrado sem concessões pelo diretor Lars von Trier), enquanto Seligman expõe sua sexualidade sublimada através de seus interesses por pescaria  (curiosamente o peixe era utilizado como símbolo fálico em sociedades primitivas), suas questões religiosas  (e não é a toa que toda religião se pauta na repressão sexual) e através da arte (a música é comparada ao ato sexual em uma bela sequência de planos simultâneos). Para Lars von Trier, nada mais erótico do que Bach.

Joe busca entre dezenas de homens prazeres perdidos na infância, castrados por uma mãe fria, mas exaltados por um pai zeloso. Uma busca incessante por um gozo nostálgico só obtido pela multiplicidade de sensações nas tardes entre bosques na companhia paterna. Abrir mão desse gozo infantil é doloroso e o sexo compulsivo é a maneira frustrada que Joe encontra para reviver tais sensações.

Sem abandonar sua desesperança na humanidade (possivelmente advinda de uma depressão grave a que foi acometido e de uma dependência química publicamente assumida recentemente) e com olhar quase sempre determinista, Lars von Trier usa de seus personagens e de seu público para exercer suas próprias perversões, sendo por vezes sádico com o espectador (no total, são 5 horas de descrições sexuais degradantes).

Afinal, não seria o exibicionismo uma pré-condição perversa de todo cineasta? Ninfomaníaca prova que sim, em um exercício fetichista raro, sensível e por vezes indigesto.
____


Thiago Melo Teixeira Batista: Médico Psiquiatra e colaborador da edição 21 da Revista Sétima.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 21, de dezembro de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário