quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Balaio



por Amador Ribeiro Neto

Solivan Brugnara (Dois Vizinhos-PR, 1967), formado em Administração de Empresas pela Facepal-Palmas, é pecuarista, poeta, artista plástico, ilustrador e músico. Tem poemas na revista Coyote e no jornal Cândido. Integra a antologia 101 poetas paranaenses. Autor de Incoerências (2004) e Encantador de serpentes (2007). Balaio (Cascavel: Assoeste, 2014) é seu mais recente livro.

Sem obedecer a um critério de unidade, quer formal, quer temático, Balaio faz jus ao título. Nele cabe tudo: de poemas significativos a outros que dizem mais à memória afetiva do poeta do que propriamente à linguagem da poesia.

Nem sempre é fácil transformar o universo emocional em arte. Mas é exatamente nesta hora que deve vir à tona o trabalho com a linguagem. O distanciamento que o poeta, no caso, deve ter em relação ao poema que faz. Emoções, diretamente colocadas no papel, raramente produzem arte de qualidade.

Este livro é composto por poemas discursivos. Mas há também um investimento na poesia visual, no poema em prosa, no haicai, na partitura musical e até em fotografias. Elas estão num CD encartado no volume. O livro tem mais de trezentas páginas de poesia. Um trabalho de fôlego. Sem dúvida.

Todavia, o volume talvez pudesse ser menor, se o poeta se ativesse aos poemas bem realizados. Há bons poemas, como o ácido e direto “São Paulo”: “Autópsia em um centro-comercial morto. // Após a incisão no concreto, / retiradas as lajes desoladas / os escritórios. / Foi encontrado nos cofres / ouro enferrujado, diamantes cariados. / De valor: apenas / um bezoar nos esgotos”.

O grotesco, outra face da ironia, é marcante no poema “Pesadelo”. Depois de elencar imagens desconcertantes, pontua: “Necropsia de uma píton / que engoliu um bebê”. Porém, o sarcasmo, a agressividade, o horror não são a dominante deste volume. Ao contrário: estamos diante de um livro feito pela linguagem dos afetos. Pena que muitas vezes o sentimento pessoal sufoque a construção do poema.  É o que acontece  em “Lâminas”, poema em prosa dividido em 3 partes. Na primeira, o poeta relata seu inexpressivo cotidiano numa linguagem cheia de lugares comuns. Na segunda, as “anotações para a semana” lembram frases de efeito de agendas para adolescentes. Na terceira, imagens construídas a partir de metáforas envolvem descompassos entre cores e movimentos, para falar de daltonismo e dislexia. Soa relativamente ingênuo.

Já em “Rapsódia sobre a palavra”, Solivan Brugnara acerta em versos como “Agora todos têm uma Alexandria caseira / com milhares de sites enrodilhados como / pergaminhos”. E erra ao investir no senso comum:  “É a palavra, sempre a palavra / que transporta uma ideia / de um homem para outro. / Sem a palavra morre o conhecimento, / porque tirar a palavra / é tirar o significado”. Por estes versos, parece que o poeta só acredita na palavra como forma de expressão. Ledo engano: o poeta é semiótico.

O poema “Lembra Neuzza Pinheiro” é  um caso exemplar de como a memória afetiva pode produzir um poema terno e esteticamente bem realizado. Cito o fragmento inicial: “Lembra, Neuzza, eu lembro como se fosse hoje / quando disse: //Olha, Neuzza, um Pinheiro carmim. // Olha, Neuzza, olha, no Pinheiro estão nascendo maçãs. //O lha, Neuzza, um Pinheiro com cheiro de mar e rosas. // Olha um pinheiro florescendo como um ipê. // E assim foi a tarde inteira, / como te alimentando / do que tinha de belo onde eu moro. // Neuzza, Neuzza, // como gosto de te mostrar coisas bonitas, / Sabe, / teu nome tem um gosto de Paraná”. Mas estes momentos são raros em Balaio. O poeta tem competência poética. Falta-lhe desempenho. 
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 04 de setembro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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