quinta-feira, 9 de julho de 2015

O nome do mundo



por Amador Ribeiro Neto

Adriane Garcia (Belo Horizonte, 1973) cursou História na UFMG e Especialização em Arte-Educação na Universidade Estadual de Minas Gerais. Além de poeta, dramaturga e contista, é arte-educadora e atriz. Estreou na poesia com Fábulas para adulto perder o sono (2013), ganhador do Prêmio Helena Kolody do Concurso de Literatura do Paraná. O nome do mundo (Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014) é seu segundo livro.

No prefácio José Castello, depois de afirmar que “o livro de Adriane é um magnífico retrato do ser tomado pelo horror de existir”, pontua: “o poema é um chamado para que o leitor ouse se mirar e se perder, como se Adriane lhe oferecesse um espelho e um par de algemas”.

José Castello diz bem. Mas não diz o outro lado.

A poesia de Adriane Garcia é feita por tomadas cinematográficas que captam o horror vacui do homem no mundo. A solidão é uma de suas mais fortes marcas.  Assim como a incompreensão de si, do outro e da geografia que demarca o homem. Por isso mesmo a matéria de sua poesia é a denúncia deste status quo com o grito desesperado por sua superação.

Ao valorizar, prioritariamente, a reflexão sobre a vida, esta poesia atinge momentos bons como em “Científica”: “Os vivos dormem / Não eu / Estou sobre a lápide, sentada / Silêncio absoluto / Os mortos nada sabem / Não partilham  mais / Nem dormem / Agora são pó, reações químicas / Inconscientes de fagulhas, / Eu as observo, sem inocência / Ou temor: / Já não sou mais criança”. A voz que fala guarda a ingenuidade da crença na ciência que tudo explica. É admirável o brilho da dicção de Augusto dos Anjos neste modo transverso de ver o homem, a vida e a morte.

O peso da existência adensa-se nos três versos mínimos de “Sísifo”: “Pintura triste: / Homem forte carrega / Palavra quase”. Percebemos que falta algo neste poema. Relendo-o constatamos que falta a palavra “tudo”. Subentendida pelo avesso de “quase”. O “tudo”, ausente, realça a tristeza lançada pictoricamente. Por outro lado, a poeta sabe que o haicai é originariamente um terceto com 5-7-5 sílabas. Ela quase chega a este haicai: 4-6-4 sílabas. Quase. Eis sua grande sacada isomórfica.

Novo acerto em “Sem luto”: “Por que ontem era uma / E hoje outra, sofro / Porque amanhã serei aquela / Que não conheço, / Essa ansiedade. / Porque nunca o conhecido / Mundo, uma vez que seja, / Repetida essa insegurança. / Morro todo milésimo de segundo / Renasço noutros, os mesmos / Compadeço-me dos que enlouquecem / Nessa embriaguez frenética / De tantas mortes sem velório”. O movimento de “ser a si” desconhecendo-se. E desconhecendo outros que virão. Outros que integram o mesmo si. Tudo num vaivém de imagens que acumulam ansiedade e angústia. Numa linguagem de admirável força rítmico-imagético-persuasiva.

Todavia, Adriane Garcia erra ao contentar-se com imagens, definições e  antíteses previsíveis: “O inferno é um lugar barulhento / Onde  / O que precisa ser ouvido / Faz silêncio”. Novo deslize encontramos no protesto juvenil que, até na organização estrutural dos versos, revela debilidade. Cito “Efeitos sonoros”: “Mijamos / Cagamos / Fedemos / Sujamos o ar / De gazes // A Terra bebe o  nosso vômito // Salivamos / Suamos / Para inventar talheres / Perfumes / E livros / E cantos / Gozamos / Choramos // Sangramos excrementos”. O leitor se pergunta: vale tudo em nome do elogio da ecologia? E do politicamente correto? Em poesia, seguramente, não.

Adriane Garcia, desde Fábulas para adulto... vem mostrando que tem algo a nos dizer. Precisa aplicar-se ao “como dizer”. Procedimento que ela, em vários poemas, desenvolve com maestria.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 03 de julho de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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