sábado, 14 de março de 2015

'A Separação' (Asghar Farhadi, 2011)



por Michelle Fernandes

Deve tratar-se da separação de um casal...> Penso antes de começar a vê-lo. Começo a assistir ao filme com olhar curioso, porém seguro. Uma sequência de documentos toma conta da tela, me impressionam pela forma como somos determinados. Somos números e uma fotografia antiga, que assinala: este rosto diz quem é você? - me questiono e espero. O tal casal aparece, como previ. Deste ponto em diante, não existe suposição segura que se possa fazer; tudo se torna consequência e descoberta.

O casal começa a discutir, não consigo colocar a legenda. Resolvo assistir no idioma original por algum tempo, não existe pressa em entendê-lo. Obviamente, não falo iraniano. Não compreendo as palavras, os signos verbais...

Mas todos nós compreendemos a linguagem universal do sentir. Eles discutem. Ela questiona, seu olhar é apelativo. Ele mantém-se sóbrio e frio, às vezes questiona. Não discutem frente a frente: estão sentados lado a lado. Penso: «um casal não deveria discutir olhando nos olhos, o que acontece?» A resposta vem com a legenda que finalmente consigo colocar. Ambos encontram-se diante de um olhar frio, exterior. Este olhar decide suas vidas. Estão perante um juiz.

Sonhando com melhores condições de existência, as quais são improváveis na situação do Irã, como conclui, Simin (Leila Hatami) pretende ir com a família para o exterior. O marido, Nader (Peyman Moaadi), recusa-se a deixar o país e o pai. Seu pai sofre de Aizheimer, é categórico, não o abandonará. Me pergunto: e seu país, sofre de que?

O juiz conclui que não há razões suficientes para autorizar a separação, e deste modo, Simin não poderá deixar o Irã com sua filha, Termeh (Sarina Farhadi), uma adolescente. Simin  vai para a casa da sua mãe. Deixa a casa e a filha, que decide ficar com o pai e o avô. Na esperança de a mãe voltar?

Nader pretende cuidar do pai e da educação da filha, como supõe já fazer. No entanto, trabalha. Com ajuda da ‘ex’-esposa, consegue uma pessoa para ficar com o pai e organizar a casa enquanto está fora, contrata Rozieh (Sareh Bayat).

Rozieh surpreende-se com a situação. Seu ofício consistirá em trabalhar na casa de um homem no qual a esposa não está em casa e ficará sozinha com um idoso o dia inteiro. No entanto, seu marido encontra-se desempregado e imerso em dívidas. Aceita a contragosto e começa a trabalhar na residência.  O que nasce dessa decisão é descoberta a ser vista ou ser lembrada para quem lê.

A personagem que mais me toca é a filha da Rozieh. É uma criança de aparentemente 6 anos. Fala pouco e parece esperar mais daquilo que a cerca. Seus grandes olhos falam, choram, perguntam, questionam, amam, sentem medo, sem que seja preciso que ela grite ou fale. Seu sofrimento, nascido das decisões adultas, é inocente.  Já Termeh, a filha do casal (interpretada pela filha do diretor do filme), questiona um pouco mais, está mais tempo no mundo, sabe mentir para defender aquele que ama. Sabe fazer escolhas...?

Ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2011, este filme do diretor Asghar Farhadi é considerado um filme político; surpreendentemente, é político sem falar em revolução, Estado, governo, como pode se supor. As relações são extremamente pessoais; são as atitudes das personagens, que se deslocando peça por peça apontam a imagem final, que é política.

E por fim só nos resta a pergunta: nos separamos daquilo que insiste em nos determinar? Espera...
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Michelle Fernandes é formada em Filosofia (UFCA) e estuda Albert Camus.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 18, de 07 de maio de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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