quinta-feira, 12 de março de 2015

A poesia do interdito



por Amador Ribeiro Neto

André Luiz Pinto (Rio de Janeiro, 1975) é formado em Enfermagem pela Uni-Rio. Graduado em Filosofia pela UERJ, ali cursa o doutorado. Professor da Universidade Estácio de Sá. Com Eduardo Guerreiro editou a revista .doc. Publicou Flor à margem (1999), Um brinco de cetim (2003), Primeiro de abril (2004), Isto (2005), Ao léu (2007). Terno novo (Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2012) é seu mais recente livro.

Ao estrear com Flor à margem já revela o vigor da linguagem que será a marca de toda a sua produção. Cito o poema “Dentro”: “estes versos, canos / de fundo e / vértebra, flor em / flauta, náusea / e terror, estes / vasos de lama / e seda, estas / veias estúpidas, / estrumes de / sangue, vazar / por dentro e de fora / vasa barris / largos de favela / percorrem canudos. / estes laços de garganta / promessas de língua / sem pesos de luz / negociar, negociar / mundos / e fundos de terra / parida e ausência / sob as tripas / de mais um homem”.

O recurso de um verso continuar sintática, semântica e ritmicamente no seguinte, num rol de ideias eladas umas às outras, mais as sugestões ambíguas, é recorrente em todos os seus livros. Isto confere um caráter de continuidade a cada poema e a cada obra. No poema citado, por exemplo, em “largos de favela” o primeiro termo pode ser adjetivo e/ou substantivo. Quando substantivo aponta para as comunidades (favelas) bem como para a vegetação (favela) existente na caatinga, dos “canudos” (povoado de Canudos, Bahia) citados a seguir. Referência a Os Sertões de Euclides da Cunha e às chacinas incrustradas em “sob as tripas / de mais um homem”. Terra, homem e luta. Ontem e hoje.

Em Primeiro de abril, lá pelas tantas ele diz: “Quase um corpo, / armadilha de seu / gesto impossível. // Se a boca revela / raríssimas flores, / o rosto conserva // o passível desejo na / fronha das nuvens, nesse dia incomum // depois de tantos / crimes, notícias de / jornal resumindo // com a boca imunda / os tempos de guerra”. Conservando os procedimentos estéticos temos a afronta aos tempos de chumbo da ditadura brasileira.

Isto (2005) é um único poema em prosa. A busca wittgensteiniana ganha corpo: “Há sentido? Pensa isto ser verdade? Não sabe e não mede. A vida é a vida e ponto. Fez-se coisa e coisa já é. Por isso, o ato de escrever. Por isso, sem rumo ou direção, que atingisse parte alguma: Isto sabe e Isto é. O que pensa e o que chega. E o que for até lá”. A metapoesia na explosão da novidade desentranhada da pasmaceira cotidiana.

Ao léu concentra a energia do desinstalar, desestruturar e decompor o individual dentro do social: “como quem espera uma bala no crânio / não há motivo de honra ou orgulho”.

Terno novo confirma a linguagem do poeta na declaração de processos criativos: “Poemas não pedem para nascer. / Deslocam o ponteiro daquilo que funciona”.

André Luiz Pinto pertence à linhagem dos poetas que sabem o caminho na via profana da linguagem. Nele, o interdito é explícito. E o não-dito é tangenciado. É preciso lê-lo de permeio. Já que constrói sua poesia como contraponto do inusual.  Por isso atinge a beleza em grau de excelência. Terno novo não é apenas título de um livro. É marca da poesia de André Luiz Pinto:  trio, jogo, vestuário, novidade e ternura. Ainda que, muitas vezes, às avessas.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 06 de março de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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