domingo, 13 de fevereiro de 2011

Grifo nosso # 02

Do alpendre sobre o canavial
a vida se dá tão vazia
que o tempo dali pode ser
sentido: e na sua substância física.

Do alpendre, o tempo pode ser
sentido com os cinco sentidos
que ali depressa se acostumam
a tê-lo ao lado, como um bicho.

Ou porque no deserto, em volta,
da cana oceânica e sem ilhas,
os poros, mais ávidos, se abram
e a alma se faça menos fibra,

ou porque ele próprio, o tempo,
por contraste com a vida rala,
se condense, se faça coisa,
que se vê, se escuta, se apalpa.

(...)

João Cabral de Melo Neto, em Melhores Poemas (Editora Global, 9ª Edição, 2003). Fragmento do poema "O alpendre no canavial".

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