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domingo, 29 de julho de 2018

Mostra do Filme Livre no Cariri: exibição do filme ‘Fernando’ em Juazeiro do Norte



Nesta segunda-feira, 30 de julho, acontecerá, em Juazeiro do Norte, a Sessão Longa Livre, com a exibição do filme Fernando. A Sessão faz parte da programação da 17ª Mostra do Filme Livre, a maior mostra audiovisual do Brasil, que é realizada desde 2002 e promove a exibição de centenas de filmes nacionais independentes.

Focada na produção alternativa, a Mostra do Filme Livre tem a missão de levar à tona, em vários recantos do país, filmes que apresentem um lado mais original, exótico, poético e subversivo audiovisualmente. As sessões, sempre gratuitas, ocorrem em diversas localidades do Brasil, representando uma grande ação envolvendo cineclubes livres de todo o país. Nesta semana, no Cariri, a exibição será realização pela equipe d’O Berro — que mantém a produtora audiovisual O Berro Filmes e o blog oberro.net —, em parceria com a Revista Sétima de Cinema. Em todo o território nacional, a Mostra conta com a produção da WSET e com o apoio institucional do Banco do Brasil.

Na Sessão Longa Livre será exibido o filme Fernando, de Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela. O longa retrata a vida de Fernando, um professor-artista, de 74 anos, que enfrenta um grave problema de saúde mas que segue com seus projetos e a dedicação à arte. A obra trabalha com aspectos que mesclam o documentário e ficção, trabalhando a metalinguagem e a relação entre a vida e a arte.

A Sessão Longa Livre acontecerá nesta segunda-feira, a partir das 19h, na Casa Doc Cariri / O Berro, situada na rua Delmiro Gouveia, 511, bairro Salesianos, em Juazeiro do Norte. A entrada é gratuita, com a quantidade limitada de 30 pessoas por sessão. Após a exibição do filme será realizado um debate com o público.

Sobre o filme que será exibido:

Fernando
(Igor Angelkorte, Julia Ariani, Paula Vilela, 71min, 2017, RJ)
Classificação indicativa: livre. 
Sinopse: O filme revela a vida de um professor-artista com 74 anos no Brasil hoje. Fernando é provocado a interpretar a própria vida, mesclando realidade e ficção. Diante de um grave problema de saúde, ele segue uma rotina preenchida de projetos e desejos na arte. “Firmemente ancorado na tendência de um certo cinema contemporâneo de explorar as fronteiras entre as construções documentais e ficcionais de cena, o filme permite dar um passo a mais nesse caminho por conta da ocupação do seu protagonista, que vive cotidianamente não apenas a arte de encenar, como a de ensinar a atuar. Essa construção em espelhos é que dá ao filme um caráter único e diferente nesse contexto de produção e investigação audiovisual, atingindo momentos profundamente comoventes numa carta de amor ao ofício do ator” (Festival Internacional Olhar de Cinema 2017 - Curitiba).



17ª Mostra do Filme Livre
Sessão Longa Livre - Exibição do filme Fernando

Segunda-feira, 30 de julho de 2018, às 19h
Na Casa Doc Cariri / O Berro
Rua Delmiro Gouveia, 511, Salesianos
Juazeiro do Norte-CE
Entrada gratuita
Vagas limitadas.

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domingo, 22 de julho de 2018

Mostra do Filme Livre no Cariri: Sessão Curtas Livres em Juazeiro do Norte





Nesta segunda-feira, dia 23 de julho, acontecerá, em Juazeiro do Norte, a Sessão Curtas Livres. A Sessão faz parte da programação da 17ª Mostra do Filme Livre, a maior mostra audiovisual do Brasil, que é realizada desde 2002 e promove a exibição de centenas de filmes nacionais independentes.

Focada na produção alternativa, a Mostra do Filme Livre tem a missão de levar à tona, em vários recantos do país, filmes que apresentem um lado mais original, exótico, poético e subversivo em termos de audiovisual. As sessões, sempre gratuitas, ocorrem em diversas localidades do Brasil, representando uma grande ação envolvendo cineclubes livres de todo o país.

Nesta semana, no Cariri, a exibição será realização pela equipe d’O Berro — que mantém a produtora audiovisual O Berro Filmes e o blog oberro.net —, em parceria com a Revista Sétima de Cinema. Em todo o território nacional a Mostra conta com a produção da WSET e com o apoio institucional do Banco do Brasil.

Na Sessão Curtas Livres, mais especificamente, serão exibidos curtas-metragens produzidos em quatro estados do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. A sessão, com 6 curtas, totaliza quase uma hora de duração, abordando temáticas como a invisibilidade das mulheres na “história oficial”, memórias fotográficas de famílias negras, a resistência contra a homofobia, a preservação da liberdade e da dignidade contra a escravidão, entre outras temáticas, sobressaindo-se um forte cunho político-poético na tela.

A Sessão Curtas Livres acontecerá nesta segunda-feira, a partir das 19h, na Casa Doc Cariri / O Berro, situada na rua Delmiro Gouveia, 511, bairro Salesianos, em Juazeiro do Norte. A entrada é gratuita, com a quantidade limitada de 30 pessoas por sessão. Após a exibição dos filmes será realizado um debate com o público.

Os curtas-metragens que serão exibidos:

Historiografia
(Amanda Pó, 4min, 2017, SP, classificação indicativa: 12 anos)
Por quem foi escrita a História?

Travessia
(Safira Moreira, 5min, 2017, RJ, classificação indicativa: livre)
Utilizando uma linguagem poética, Travessia parte da busca pela memória fotográfica das famílias negras e assume uma postura crítica e afirmativa diante da quase ausência e da estigmatização da representação do negro.

CorpoStyleDanceMachine
(Ulisses Arthur, 7min, 2017, BA, classificação indicativa: 14 anos)
“Ando por mistério, vivo por mistério [...] Nosso corpo é uma máquina, ou cuida ou sabe como é né?”. Entre memórias da boate e relatos de resistências cotidianas; Tikal, importante personalidade do Recôncavo da Bahia, dança e afronta as normas.

A paz ainda virá nesta vida
(Isabella Geoffroy, Nícolas Bezerra, 6min, 2017, RJ, classificação: 14 anos)
Dois amigos e a necessidade de fazer um filme sobre o cotidiano violento da favela onde vivem.

A retirada para um coração bruto
(Marco Antônio Pereira, 15min, 2017, MG)
Ozório é um senhor que vive sozinho onde o Judas perdeu as botas, na zona rural de Cordisburgo-MG. Passa seus dias ouvindo rock no rádio, enquanto vive o luto da sua companheira. Até que um movimento no céu quebra sua solidão.

Talaatay Nder
(Chantal Durpoix, 20min, 2016, BA)
“Talaatay Nder” significa, em língua Wolof, “Terça feira de Nder”, é uma homenagem poética para as mulheres de Nder, na região do Walo, Saint-Louis, Senegal. Em 1820, as Rainhas de Nder lutaram e escolheram o suicídio coletivo para escapar à escravidão e preservar a sua liberdade e dignidade. A história de Nder continua viva e atualiza-se na modernidade.



17ª Mostra do Filme Livre
Sessão Curtas Livres
Segunda-feira, 23 de julho de 2018, a partir das 19h
Na Casa Doc Cariri / O Berro
Rua Delmiro Gouveia, 511, Salesianos
Juazeiro do Norte-CE
Entrada gratuita
Vagas limitadas.

sábado, 14 de julho de 2018

Minha vida com Bergman



por Elvis Pinheiro

Lembro-me nos anos 90, em Recife, a primeira vez que vi uma lista dos dez mais importantes filmes do século. O cinema havia recentemente completado cem anos e listas do tipo arranjaram a sua melhor fase e razão de ser. Entre os dez filmes de todos os críticos e diretores e cinéfilos não podia faltar Cidadão Kane de Orson Welles e Morangos Silvestres de Ingmar Bergman. Este nome sempre teve aroma e sabor para mim. Não sabia nada a respeito da sua história, apenas intuía o que ele pudesse significar. Ficava imaginando quando iria vê-lo. Era época das locadoras de VHS e em nenhuma das que havia próximo de casa eu encontrava o filme do Bergman.

Para encurtar a história, em Recife há na rua da Aurora um imponente Cinema São Luís e nas noites de segunda-feira se exibiam os filmes de arte em sua última sessão. E foi lá, numa daquelas noites recifenses, exatamente no São Luís que descobri porque Morangos Silvestres era uma obra-prima. Filme imorredouro. Em qualquer época assistiremo-lo e vamos rir, sofrer, ter medo do futuro e do passado, recordar nossos amores, a nossa juventude, os nossos erros. Sempre abismados com o casal cheio de ódio e rancor, sempre maravilhados com a postura da nora ao volante expulsando-os, sentindo pena e aceitando o fato que ninguém pode mudar muita coisa de uma vida predestinada, de uma herança tão cruel. O gosto e o aroma só se reforçaram.

Bergman é um filósofo que nos lança perguntas o tempo todo sem respostas. Onde vi os demais? Cada qual teve sua hora. No Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, ainda Recife, tive o impacto emocional de Sonata de Outono. Aquela conversa entre mãe e filha me sufocou, me horrorizou e sempre imaginei conversas longas e demoradas com entes amados onde tudo pudesse ser jogado sobre o outro, todas as mágoas, todas as frustrações causadas, todo o sofrimento impetrado! E no outro dia, o resgate sóbrio da normalidade, a busca pelo equilíbrio momentaneamente perdido. Tudo tão verdadeiro. Eu já tinha assistido as homenagens ao filme do mestre: De Salto Alto de Almodóvar e Setembro de Woody Allen. Amava os dois filmes e são obras íntegras, homenagens bem feitas, porque não roubaram ao homenageado a sua potência, o seu poder.

Fui aos poucos reconhecendo algumas características. Atores recorrentes. A fonte utilizada para escrever os créditos. Liv Ullmann: musa e parceira. Tão diferente em cada filme e tão senhora ao saborear cada palavra escrita por Bergman. O silêncio, o olhar e a entonação certa, precisa em cada cena. A leviana de Gritos e Sussurros, a reprimida de Sonata de Outono, a enigmática de Persona. A mulher madura de Saraband. Descobri e só tenho acesso a Liv Ullmann através de Ingmar Bergman.

De cinéfilo apaixonado a exibidor entusiasta. Adoro ter filmes dele que ainda não vi. Sempre haverá espaço para um novo assombro do centenário Mestre. Em junho exibi no Cine Café do CCBNB Cariri de Juazeiro do Norte, A Hora do Lobo. E li um comentário “to impactado com a hora do lobo até hoje. nunca superei”. Foi o Vinicius Gomes quem me disse isso exatamente hoje, 14 de julho de 2018, quando Bergman completaria 100 anos. Sim, ele continua e continuará sendo uma ótima razão para se ir ao cinema.

No meu ofício, ora estudo, ora revejo, ora comento ou analiso um filme. Passá-lo adiante é uma missão saborosa. O crítico não atrapalha o amante. Meu desejo só aumenta quanto mais vejo Bergman. Sou mais cinema e mais Elvis Pinheiro por conta de suas criações. O terror que senti com Fanny e Alexander, o empoderamento e o senso de liberdade que ganhei com Monika e o Desejo. O exercício da metalinguagem em Persona, em A Hora do Lobo. Não é só a Queda da Bastilha que mudou o mundo num 14 de julho. Quando penso nos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, magistralmente trabalhados por outro gênio criador que tanto sinto afinado com Bergman, Krzysztof Kieslovski, penso que toda a obra do gênio sueco refletia sobre os mesmos três elementos. Nessa hora, ainda acrescento a generosidade de quem permitiu a Tarkovski filmar O Sacrifício, para depois invejá-lo. Quando se faz Arte, ela se multiplica de modo a criar mais e mais beleza e estupor! Vejamos por mais cem anos, Ingmar Bergman! Viva! Salve!

Elvis Pinheiro
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Texto escrito no dia 14 de julho de 2018, no dia do centenário de nascimento Ingmar Bergman (nasceu em Uppsala, Suécia, no dia 14 de julho de 1918).

Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

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quarta-feira, 30 de maio de 2018

Aqui-e-agora cinematográfico



por Erick Linhares

A principal arma do cinema é o tempo. O tempo é o playground do cinema. O espaço é instantaneamente deformado em prol da temporalidade que o diretor intenciona em seu filme. O passado é terreno do cinema, não há nada na história pelo que o cinema não tenha se interessado ou que já não esteja resgatado nas telas, com reprodução de cenários, roupas, pessoas e costumes. O futuro é o espaço virtual desta arte. Assim como no passado, as possibilidades de reprodução são infinitas. Temos carros voadores, novas línguas, relacionamentos com robôs, escassez de água e tudo que nossa imaginação projeta para os próximos anos de existência humana.

Mas cada filme terá sua percepção temporal diferente. Em perspectiva, um filme dos anos 20 que tenha como tema a Idade Média seria muito diferente em perspectiva de um filme dos anos 50 que abordasse o mesmo tema, tanto quanto filmes dos anos 90, 2000 e assim por diante. Isso também vale quando a perspectiva é futurista. O que nos diz que o cinema é uma grande possibilidade de comprovação do tempo presente, do “aqui-e-agora”. O presente é o momento do agora onde o passado transita em direção ao futuro, e esta é a perspectiva temporal na qual o cinema está imerso.

Em Rashomon (Dir.: Akira Kurosawa, 1950), o enredo nos leva a conhecer várias versões sobre um assassinato. O momento do tempo presente seria o depoimento de cada personagem, falando sobre um passado que os atravessa. Todos eles viveram aquela história, mas ao descrevê-la, cada um olha para o que aconteceu e mistura com seus anseios e intenções, assim como pensamentos sobre as consequências do que vão dizer, na direção de um futuro que seria o julgamento baseado principalmente nos depoimentos uns dos outros.

Contudo, o autor brinca com o tempo de maneira fascinante. A hora dos depoimentos seria o flashback do flashback. Isso porque o começo do filme mostra a perspectiva de uma personagem que vai contar a história que ouviu, e essa história seria o depoimento das pessoas envolvidas no assassinato. O primeiro flashback é a cena desses personagens falando sobre o ocorrido, o segundo seria a história do ocorrido baseado nos depoimentos de cada um. Ou seja, o filme todo está carregado de passados e futuros, todos deturpados por cada perspectiva. Cada história seria um conto. Poderíamos dizer que essa é a história do cinema, em perspectivas mutáveis, flexíveis, voláteis, mas com uma dose bem generosa do mundo onírico, e isso nos extasia.

Em Abre los ojos (Dir.: Alejandro Amenábar, 1997), o diretor usa o sonho para brincar com o tempo no presente transiente: O protagonista assina o contrato com a empresa que vai congelá-lo em nitrogênio líquido, fazendo com que ele sonhe para sempre e viva assim seus maiores desejos e fantasias com os quais não conseguia lidar no presente. Ele está insatisfeito com seu passado e perdeu sua perspectiva de futuro, depois que um acidente  desfigura seu rosto, a mulher dos seus sonhos não quer mais estar com ele. O filme mostra no sonho vívido que todas as imagens que ele consegue ver e emoções que consegue sentir, ao se relacionar, têm a ver com coisas que ele aprendeu nos filmes, ou num encarte de CD da sua banda favorita, ou de histórias que ouvira de como ter um bom pai ou um grande amor. Todo esse passado se mistura no presente do sonho e vai em direção ao futuro, dos seus desejos, dos seus medos, onde ele passa a vida toda pra preencher a falta que o passado não conseguiu suprir.

O tempo talvez seja umas das maiores questões humanas. E para a montagem no cinema, tempo é tudo. A genialidade de um diretor que saiba brincar com a temporalidade nos faz viajar profundamente no transe que a história quer passar e automaticamente comprar a ideia do diretor/roteirista. O cinema tem várias facetas: cada “aqui-e-agora” é uma cena.

Referências:
BAZIN, A. O que é cinema?, Título original: Qu’est-ce que le cinéma?. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro, Prefácio e Apêndice: Ismail Xavier, São Paulo, Cosac Naify, 2014.
 

CARRIÈRE, JEAN-CLAUDE. A linguagem secreta do cinema. Tradução: Fernando Albagli, Benjamin Albagli, [Edição especial], Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014, (Saraiva de bolso).
 

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução: Carlos Alberto Ribeiro do Moura, 4ª edição, São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2011, (Biblioteca do pensamento moderno).
 

MULLER-GRANZOTTO, M. J. & MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.
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Erick Linhares é formado em Psicologia pelo Centro Universitário Doutor Leão Sampaio, onde foi coordenador geral do Centro Acadêmico do curso. Atualmente é especialista em Gestalt Terapia Clínica e atua na área.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Agora é que são elas
- Samira Makhmalbaf
- Conhecendo Carrière
- De repente soube, é cinema!
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema

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sexta-feira, 13 de abril de 2018

Agora é que são elas



por Virgínia Macedo

Eu não poderia começar o meu texto sem pelo menos lembrar que foi o Carrière que me mostrou como a mais recente das invenções alterou o espaço e criou uma linguagem própria. O cinema se inventa e se reinventa, torna o invisível visível e segundo Carrière: jamais caminhou sozinho.

Certa vez, conversando com amigos sobre coisas de cinema, falei de uma oficina de roteiro da qual eu tinha participado e surgiu a pergunta “Conheço a menina que ministrou, não é aquela bem bonita?”. A partir de uma rápida reflexão que o diálogo nos levou, percebemos quão invisibilizado é o trabalho de mulheres no cinema e na mídia e começamos todo um diálogo em cima disso: a mulher sempre vai ser lembrada pela beleza, pela roupa, por ser mulher de alguém - quase nunca pelo seu trabalho - e, dentro de um universo predominantemente masculino, muito menos. Vivemos em uma sociedade tão machista, que só é possível mostrar o que se é depois de muito subjugada pela ótica masculina e, embora essa imagem estereotipada seja hoje debatida e criticada, ela ainda não é vencida.

Depois de muito pensar sobre como seria o meu texto, lembrei de um caso que aconteceu com Anna Muylaert e que remete muito à ideia de que o cinema é feito principalmente por homens e para homens. Anna é uma premiada roteirista e diretora de cinema e televisão. Dirigiu alguns episódios de séries, criou vários roteiros e recentemente lançou o filme Mãe Só Há Uma que foi exibido no Festival de Berlim. Em 2015, dirigiu Que Horas Ela Volta?, longa premiado no Festival de Sundance, nos Estados Unidos e no Festival de Berlim, na Alemanha. O filme traz uma discussão sobre as relações de poder e as interações familiares. A história é protagonizada por três mulheres e não só nos mostra como vivemos nesse país como também traz as desigualdades hierárquicas da sociedade.

Em um debate promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, Anna foi desrespeitada por dois renomados cineastas pernambucanos. Eles entraram no debate, desrespeitaram a diretora, interrompendo suas falas e a dos organizadores. Anna descreveu várias situações parecidas que aconteceram no decorrer das suas viagens e exibições do filme.

A sociedade e, principalmente os homens, precisam aceitar o protagonismo feminino no cinema, na literatura, no teatro, não mais como personagens feitas por eles e para eles, mas como produtoras de conteúdo intelectual de qualidade e que reflete e mostra com mais representatividade e verdade o que somos. 
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Virgínia Macedo é estudante de cinema do Centro de Audiovisual de São Bernardo (CAV), em SP.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Samira Makhmalbaf
- Conhecendo Carrière
- De repente soube, é cinema!
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo

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sexta-feira, 16 de março de 2018

Samira Makhmalbaf



por Jade Luiza

Sou declaradamente apaixonada pelo cinema iraniano, desde quando descobri Onde fica a casa do meu amigo? (Dir.: Abbas Kiarostami, 1987). Apesar de isso parecer assim tão “cult”, olha, não foi fácil lidar com uma linguagem cinematográfica tão diferente dos filmes ocidentais com os quais estava, talvez, mal acostumada; tanto que tive que ser desafiada a conhecer as produções de Samira Makhmalbaf. Seus filmes estavam numa lista de uma campanha da internet chamada #52FilmsByWomen; a proposta é simples: assistir, toda semana, durante um ano, um filme dirigido por uma mulher.  O primeiro filme da minha lista foi A Maçã, dirigido e roteirizado por Samira quando ela tinha apenas 18 anos e que lhe rendeu diversas premiações, além de ter sido a mais jovem cineasta a concorrer no Festival de Cannes.

É verdade que desde a infância Samira, assim como seus irmãos, teve contato direto com o cinema através do pai, o renomado cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, co-roteirista de A Maçã, cujo o roteiro foi feito depois do início das filmagens. O filme foi idealizado a partir de um caso verídico que virou manchete em alguns jornais iranianos no final dos anos 90: duas garotas gêmeas de 13 anos permaneceram trancadas em casa pelos pais durante 11 anos de suas vidas. Seguindo um formato corriqueiro no cinema persa de unir ficção ao documentário, as personagens não são protagonizadas por atores, mas sim pelas próprias pessoas que vivenciaram aquela história, e Samira optou por não definir detalhadamente os diálogos no roteiro. O filme também retrata o processo de ressocialização das gêmeas e faz uma metáfora sobre a condição das mulheres iranianas.

Às Cinco da Tarde é outro filme roteirizado e dirigido por Samira e foi o primeiro filme rodado em Kabul depois da queda do Talibã no início deste século. A relação entre o Afeganistão e o Irã tem um histórico de muitos conflitos, isto pode ter sido mais um desafio para a cineasta persa que decidiu escrever e dirigir um filme sobre a situação da mulher afegã. O filme acompanha a trajetória de Noqreh (Agheleh Rezaie), uma jovem que diante das proibições do pai passa a ir à escola escondida, e é lá, durante um debate sobre o futuro afegão, que ela passa a sonhar com a ideia de ser presidente de seu país. Ressalto: este não é um filme fácil; os cenários estão em ruínas e as personagens, os refugiados, são vistas constantemente em situação de miséria. Mas é preciso atinar para as sutis resistências da protagonista: tirar a burca, calçar saltos, posar para fotos e até mesmo se permitir conhecer os poemas de Federico Garcia Lorca, um destes que inspirou o nome do filme.

Mesmo com todos os prêmios e o privilégio de Samira em compor uma família de cineastas, mulheres fazendo filmes - não só no Irã, mas em todo o mundo, eu diria – encontram uma série de dificuldades em todas as etapas, desde sua produção à apreciação do público. O protagonismo de Samira no cinema se expressa tanto na autoafirmação enquanto roteirista e diretora num território majoritariamente masculino, quanto na insistência em falar sobre a experiência de ser mulher em seus filmes. Nestes, eu, mulher, nesta ponta de cá do mundo, me sinto também contemplada.

Algumas referências:
https://womeninfilm.org/52-films/
http://tvbrasil.ebc.com.br/ciclos-de-cinema/episodio/a-maca
http://50anosdefilmes.com.br/2011/as-cinco-da-tarde-panj-e-asr/
http://www.c7nema.net/entrevista/item/31160-entrevista-a-samira-makhmalbaf-um-rosto-da-resistencia-iraniana.html

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Jade Luiza é estudante de História, escritora e fotógrafa. É membro do grupo Sétima de Cinema desde janeiro de 2017.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Conhecendo Carrière
- De repente soube, é cinema!
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife

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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Lançamento da edição 42 da Revista Sétima e aniversário de 40 anos de Elvis Pinheiro, em Juazeiro do Norte



Lançamento da edição 42 da Revista Sétima
Aniversário de 40 anos de Elvis Pinheiro
Terça insana - Festa pisciana
Cinema em pauta: apresentações sobre os filmes do Oscar e sorteio de brindes
Show Back in Brasil, com Josú Ribeiro
Grupo Quinteto de Samba
Discotecagem com DJ Xamex e Charlenne Campos. 
Terça-feira, 27 de fevereiro de 2018, a partir das 19h
Local: O Cangaço Bar (Juazeiro do Norte-CE)
Ingresso: R$2,50 (até 19h) e R$5,00 (após 19h).

Página da Revista Sétima no Facebook:
https://www.facebook.com/setima.cinema

Textos da Revista Sétima no blog O Berro:
http://oberronet.blogspot.com.br/search/label/S%C3%A9tima%3A%20Revista%20de%20Cinema

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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Conhecendo Carrière



por Ailton Jesus

Fazer parte do grupo Sétima é ser apresentado constantemente a grandes nomes do cinema e o deste ano foi Jean-Claude Carrière, autor de A linguagem secreta do cinema (1994), atual alvo dos estudos do grupo. Num primeiro momento a sensação é o impulso em bater à sua porta e lhe dizer que reconheço sua importância na história do cinema, mas pedir desculpas por só ter ouvido falar nele tão recentemente. Porém, o próprio já alivia meu peso quando diz em entrevista “se quiser fama, uma linda estátua feita de você, não seja roteirista. O escritor desaparece. Ele trabalha na escuridão” (1).

Pois bem, nascido em 19 de setembro de 1931 em Colombières-sur-Orb, um vilarejo no sul da França com 500 habitantes, filho de fazendeiros, Jean-Claude Carrière é escritor de livros e filmes, além de já ter também dirigido e atuado.

Na casa onde nasceu os únicos livros que haviam eram missais de sua mãe, e, por conta de seu interesse pela leitura, livros que ganhou como prêmio, de presente, e livros escolares. As imagens dos quadrinhos Tintin e Milu eram sua porta para o mundo além das montanhas que rodeiam o vilarejo.

Viu alguns filmes franceses no cinema quando pequeno, porém foram os alemães Os Nibelungos – A Morte de Siegfried (1924) e Metrópolis (1927), de Fritz Lang, que assistiu no colégio interno católico próximo a seu vilarejo, onde estudou durante a Segunda Guerra Mundial, que chamaram a sua atenção. De Metrópolis, duas imagens lhe marcaram profundamente: primeiro que ele não sabia o que era uma cidade, o que para uma criança de um pequeno vilarejo era o mesmo que uma lenda; a segunda era a imagem da mulher, que para ele também era um mistério, razão de, por muito tempo, ter acreditado que a diferença entre homens e mulheres é que elas carregavam camadas de metal por debaixo da pele.

Aos 14 anos a família se mudou para Paris, onde abriram um café e ele terminou o segundo grau, seguindo para o curso de História na École normale supérieure de Fontenay-Saint-Cloud em Lyon.

Foi ainda na universidade que escreveu seu primeiro livro, Lézard, publicado em 1957. Daí seu editor lhe fez a proposta de participar de uma competição para escrever um livro dos filmes As férias do Sr. Hulot (1953) e Meu Tio (1958, até então em filmagem) de Jacques Tati, e o próprio Tati escolheu Carrière para o trabalho. Em sua primeira reunião com Tati, o cineasta lhe perguntou se sabia algo sobre «fazer cinema» e ele respondeu que nada além de ser frequentador assíduo das salas de cinema. Então, Tati chamou Suzanne Baron, editora de seus filmes, e disse Suzanne, pegue esse jovem e mostre a ele o que é fazer cinema”. Assim ela fez, levando-o para a sala de edição (2).

Sob a guarda de Tati ele começa a observar a vida em busca de novas histórias, acompanha o dia-a-dia de sets de filmagem e conhece Pierre Étaix, assistente do diretor. Carrière e Étaix iniciam uma parceria, compartilhando roteiro e direção de dois curtas, Rupture (1961) e Heureux Anniversaire (1962), que ganhou o Oscar de melhor curta-metragem. Os dois ainda fizeram outros filmes juntos nos anos 1960, e ao longo dos anos, Carrière ainda fez – e faz – muitas parcerias (3). Cineastas como Milos Forman, Louis Malle, Volker Schlöndorff, Andrzej Wajda e Jean-Luc Godard fazem parte dessa lista, porém a mais famosa delas é sua parceria com Luis Buñuel (4).

Buñuel e Carrière produziram seis clássicos, mas ressalto aqui os dois que tive oportunidade de conhecer: A Bela da Tarde (1967), tendo Catherine Deneuve como uma mulher da alta sociedade que passa suas tardes a se prostituir e que vez ou outra se perde em devaneios e desejos sexuais; e O Discreto Charme da Burguesia (1972), filme vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro e indicado ao de melhor roteiro, onde um grupo de amigos tenta constantemente fazer uma refeição juntos.

Uma enorme quantidade de roteiros levados à tela, seja em cinema ou televisão – 145 segundo o IMDB! – carregam sua assinatura. Jean-Claude Carrière não para. Em maio deste ano foi lançado filme escrito por ele e dirigido por Philippe Garrel, L'amant d'un jour, e já tem mais um com produção anunciada. É quase impossível conseguir acompanhar já que tenho “apenas” algumas décadas de atraso! Por isso, paro por aqui e vou logo assistir Salve-se quem puder (1980), parceria Carrière, Godard e Anne-Marie Miéville.

Notas:
1. Jean-Claude Carrière: 'If you want fame, don't be a screenwriter' (Jean-Claude Carrière: ‘Se quiser fama, não seja um roteirista’), entrevista realizada por Ryan Gilbey e publicada no site The Guardian em 28 de junho de 2012.
2. Entrevista em vídeo realizada por Andrzej Wolski em janeiro de 2010 para o site Web of Stories.
3. Artigo Jean-Claude Carrière’s Collaborations (As colaborações de Jean-Claude Carrière) publicado no site The Criterion Collection em 19 de setembro de 2016.
4. Interview with Jean-Claude Carriéré (Entrevista com Jean-Claude Carrière), entrevista realizada por Mikael Colville-Andersen em 26 de outubro de 1999 e publicada no site Zakka.
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Ailton Jesus: formado em Engenharia de Materiais pela UFCA. Por obra do destino também é ator, quando sobra tempo, músico, e usa o cinema como ferramenta de autoconhecimento.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- De repente soube, é cinema!
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica

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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

De repente soube, é cinema!



por Josú Ribeiro

De repente soube que haveria um grupo de estudos, ou algo mais parecido com curso de Cinema. Não me lembro muito bem como era minha relação com o Cinema, mas me interessei por estudar algo diferente. Sabem como é, estava no 2º ou 3º semestre do curso de Psicologia, doido pra me enturmar com uma galera nova e assuntos novos, então, fui atrás de me inscrever. Era necessário ter a xerox do livro O que é Cinema - Coleção Primeiros Passos, então corri e já na gráfica encontrei um rapaz que também iria participar do curso. Conversamos sobre a nossa expectativa quanto ao grupo, e também sobre nosso time do coração, o Corinthians. Me lembro bem da sensação adocicada e prazerosa de poder ter os olhos mais atentos para algo que nunca pensei em estudar. Passou um tempo e fui me enturmando com diversas pessoas que já tinham um contato maior com o estudo sobre Cinema.

De repente, me apaixonei pelo Buster Keaton, fiquei com picuinha com o Chaplin, fiz um falso pacto com Godard, impliquei com Truffaut. Caí nos braços de Michael Haneke e nos deleites da voz da Marilyn Monroe. Então, aos poucos estavam sendo fincados os alicerces.

Foi estudando e discutindo Cinema – produção artística de tantas culturas – que acabamos refletindo também sobre nosso ser político. Nosso agir em sociedade, nossos desejos e fantasias, que são tão importantes para a nossa construção subjetiva, quando discutimos o que é real ou imaginário, por exemplo. Como o Cinema pode instigar um povo a se ver e reconhecer como protagonista de sua história, como no neorrealismo italiano, e/ou numa tomada por um Cinema próprio de raízes tão espirituais como o Cinema Novo.

Algumas dificuldades apareceram com o tempo. Passamos por várias fases, tivemos a etapa de seminários que baqueou muita gente. Tive incertezas quanto à minha permanência no grupo, pois o Cinema me requeria um espaço de maior dedicação, e tive que assumir isso, caso quisesse continuar.

De repente temos uma Revista! Nela compartilhamos ideias e sentimentos sobre filmes de autoras e autores que gostamos. E aqui e acolá brotam produções cinematográficas de alguns integrantes do Grupo Sétima, tudo isso, fruto de um estudo cada vez mais primoroso do Cinema. E foi nesse aprofundamento e dedicação que tive um contato mais íntimo com a Imagem, e me vi atraído pela fotografia. Veio como um tijolo na cabeça, abrindo um galo precioso e impreciso. Num momento de reclusão pessoal, a fotografia de rua me deu o oxigênio necessário, ao me calar a boca e me fazer andar, contemplar o silêncio dos lugares, e o barulho das pessoas.

Posso dizer que antes de estudar Cinema, eu estava com olhos, boca e ouvidos fechados. Olhos porque Cinema é também imagem, mexe com o nosso voyeurismo e com as diversas cores – incluam também nas cores os diversos tons de cinza e preto. Ouvidos porque é silêncio, intercalado por falas ou músicas diegéticas. E por continuidade, boca: porque Cinema é paladar! Paladar é saborear, e saborear é um ato laborioso. É tocar nos lábios, passar pelos lábios, abrir os dentes, salivar a língua, escorregar pela goela, e timbugar em frenesi!

De repente, hoje estou embutido no grupo, nos livros de Cinema, de imagem e cores. E nessa dinâmica de estudos no grupo, aqui e acolá pessoas novas surgem, proporcionando outros sabores, outras maneiras de saborear Cinema. O grupo é um caldeirão que por vezes borbulha e se acalma, alguém chega e põe mais lenha, mais tempero, tomamos a sopa de feijão e já temos um novo ânimo.

De repente... nada é de repente assim. O Cinema se fez casa, tomou-me por usucapião.
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Josú Ribeiro é poeta e músico. Formado em Psicologia na Unileão.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento

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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Diante do meu amor pelo cinema



por Samuel Macêdo do Nascimento

No início de 2011 comecei a frequentar, assiduamente, as sessões do Cine Café que até hoje são organizadas e mediadas por Elvis Pinheiro. A partir dessa experiência, passo a me relacionar com o cinema de uma forma mais crítica. Um tempo depois, ano 2012, eu e Adriana Botelho (amiga-mãe), criamos e desenvolvemos o projeto Cine Arte Clube, que exibia curtas na região do Cariri, promovendo debates e seminários sobre as temáticas do audiovisual. Convidamos Ythallo Rodrigues e Elvis Pinheiro, futuros companheiros de grupo, para participarem das primeiras ações do projeto.

No mesmo dia da exibição do filme de Ythallo, Elvis me contou sobre a ideia de criar um grupo de estudos de cinema. Naquela noite passamos em algumas salas da então Universidade Federal do Ceará, campus do Cariri, convidando pessoas para aparecerem na reunião de estreia do grupo. Quarta-feira foi o dia escolhido para os encontros e na época eu cursava, na graduação, uma disciplina de Cinema Brasileiro que acontecia justamente nas quartas e por alguns meses fiquei alternando entre aulas e reuniões. Durante algum tempo não conseguia encontrar maneiras de conexões espontâneas com as pessoas que estavam no Grupo de Estudos, por uma questão óbvia: pessoas diferentes, de idades e formações distintas.

As relações começaram a ficar intensas e quando começamos a estudar livros do campo dos estudos de cinema, me vi obrigado a assumir uma postura mais disciplinada. Era necessário assumir um compromisso. Esse momento foi um divisor, fora e dentro do grupo. Estabelecido, o Grupo de Estudos Sétima de Cinema passa a discutir obras de teóricos importantes e isso fortaleceu não apenas a nossa observação enquanto espectadores, mas como pessoas que podiam pensar e escrever sobre cinema de forma fundamentada.

Os vínculos que até então eram sementes, brotavam e tornavam-se cada vez mais fortes. Nesses cinco anos aprendi, e continuo aprendendo, a lidar com as diferenças. Passei a confiar em pessoas estranhas, desobedecendo ao conselho mais primordial da infância. Vivi emoções diferentes, incluindo as surpresas das coincidências. Dois anos após ter sido apresentado ao teórico Robert Stam, dentro do Grupo, eu faria um curso presencial com o professor Stam, cara a cara.

Não sei como descrever o meu quarto porque estou dentro dele e estando dentro dele não posso hierarquizar sentimentos, lembranças, cores, cenas e experiências. Tenho a mesma sensação quando ouso dizer o que é o Grupo de Cinema de Estudos Sétima. Transpor sensações íntimas para o campo da linguagem é um trabalho árduo porque quase nunca conseguimos contemplar tantas histórias e sentimentos.

O meu amor pelo cinema foi mediado, como um namoro antigo que acontecia na sala da casa, geralmente tutelado pela presença de familiares. No nosso caso eram muitos olhares dentro de um espaço onde aconteciam reuniões, debates e conflitos que fortaleceram o nosso saber, não apenas sobre o cinema, mas sobre pessoas. Todos os integrantes do Grupo de Estudos compartilharam seus dons e isso jamais poderá ser apagado. Apesar de ser apenas cinco anos de história, tenho a impressão de que O Tempo, senhor de todas as coisas, alargou o tecido da nossa experiência.
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Samuel Macêdo do Nascimento é formado em Comunicação Social (Jornalismo), Mestre em Cultura e Sociedade e membro do Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
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- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento
- Na escuridão, te dedico. Sobre O Paciente Inglês

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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017



por Jade Luiza

Algo que sempre me encanta no cinema é a possibilidade de me reconhecer em personagens de lugares e culturas que eu nunca conheci de perto, de diferentes idiomas, ouvir pessoas que parecem estar a apenas uma tela de distância. Essa edição da Mostra 21 [de janeiro de 2017] nos fez ver e ouvir mulheres do mundo inteiro, desde as mulheres de um pequeno vilarejo no interior pernambucano em A História da Eternidade, passando pelo horror na Nova Inglaterra com Thomasin em A Bruxa, e encerrando pelas ruas de Estocolmo com Bobo, Klara e Hedvig para dizer que o punk não está morto em Nós Somos as Melhores!.

O Sonho de Wadjda, por exemplo, nos leva a Riade, na Arábia Saudita, onde vive uma menina de 12 anos chamada Wadjda. Sim, ela tem um nome, ainda que a árvore genealógica de sua família o negue. Em se tratando de absurdo, este é o filme que nos aponta o próprio cotidiano: o que seria mais absurdo do que uma menina não poder andar de bicicleta? Talvez somente as desculpas para tanto, quando algo tão simples torna-se uma ameaça à virgindade.

Numa cultura que impele as meninas/mulheres ao traje de vários véus do conservadorismo, a voz da mulher é também sua nudez, mas para Wadjda a voz é o seu principal meio de conquistar seus objetivos ao longo do filme. A voz! Esta que é também a malícia/libertação de Thomasin, ou a insensatez/resistência de Clara em Aquarius; é o reclame pelo direito à memória. E há um preço pago para sermos ouvidas, ainda que seja numa pequena casa de shows em Los Angeles, o palco de Tangerine.

Todos esses filmes estão na corda bamba entre a sutileza e a complexidade perceptível nas cicatrizes do corpo, no (des)amor conjugal, na solidão, no silenciamento, nessas coisas que como nos diz Antía em Julieta, “ninguém que não tenha sofrido pode imaginar”. Mas não esqueçamos, porém, do afeto, da sororidade – coisa que a gente aprende em Tangerine, com Alexandra e Sin-Dee, duas mulheres trans, negras e prostitutas. Lembremos de Candy, Faith, Brit e Cotty, aquelas quatro amigas um tanto subestimadas em Spring Breakers. Talvez elas não ajam de acordo com nossas expectativas, ou não sejam exatamente como a Cindy Lauper imaginou, mas são garotas e só querem se divertir.

Esses filmes também são espelhos que nos fazem olhar para este lado ocidental do mundo e para nós mesmas; nos levam a perceber – num sentimento íntimo e muito além da empatia – e enfrentar os véus que ocultam a nossa própria identidade. Isso é o que verdadeiramente nos une, nos move. 
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Jade Luiza é estudante de História, escritora e fotógrafa. É membro do grupo Sétima de Cinema desde janeiro de 2017.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
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- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento
- Na escuridão, te dedico. Sobre O Paciente Inglês
- I Love B Movies

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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Lançamento da edição 41 da Revista Sétima, em Juazeiro do Norte



Lançamento da edição 41 da Revista Sétima
Cinema em pauta:
Bate-papo sobre os textos da edição
Sorteio de livros e filmes
Terça-feira, 12 de dezembro de 2017, 19h
No Teatro Sesc Patativa do Assaré - Sesc Juazeiro
Juazeiro do Norte-CE
Entrada gratuita.

Página da Revista Sétima no Facebook:https://www.facebook.com/setima.cinema

Textos da Revista Sétima no blog O Berro:
http://oberronet.blogspot.com.br/search/label/S%C3%A9tima%3A%20Revista%20de%20Cinema

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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor



por Débora Costa

Um certo dia, um ex-namorado me avisou que ia começar um grupo de estudos sobre Cinema no Sesc, achou que eu ia gostar e tal. Mandei meu nome para um tal de Elvis Pinheiro e estava marcado o encontro às cegas.

Como todo primeiro encontro, lá estava eu toda sem graça, depois de mil horas tentando achar uma roupa adequada QueNãoParecesseDesesperadaMasInteressada, sem conhecer ninguém e sem saber o que falar. Eu me achava a sabichona do Cinema e descobri que o que eu assistia, bom, não era lá muito bacana, e o que todo mundo de lá já tinha visto, eu nunca tinha ouvido falar.

Terminou a primeira reunião, saí arrasada, eu achava que não tinha dado certo, que era melhor eu partir pra próxima, e continuar ignorante no meu mundo do cinema comercial.

Passada a tristeza pós-primeiro encontro, fui na xerox pegar a cópia de um livro, O que é cinema, e fui lendo, marcando, e de repente estava contando os segundos para o próximo encontro. A ansiedade passou a me consumir todas as vezes que saía da reunião, já pensando na próxima.

Sonhava acordada com todas as nuances daquele grupo:

Eu lembrava da sua postura opiniosa e hipnotizante, mesmo quando dizia que morria de medo de filmes de terror, era com tamanha propriedade, que não tinha como dizer que não tinha razão. Ou quando defendia Truffaut e a Nouvelle Vague com unhas e dentes, e calava a todos.

Ah, e quando me deixava besta com o tanto que sabia. Sempre tinha algo incrível a dizer, seja com fofocas das estrelas, ou o nome daquela atriz que aparece naquele filme que ninguém lembra o nome ou sequer conhece, ou ainda sempre explicando de forma didática aquelas teorias sobre linguagem cinematográfica que confundiam a nossa cabeça.

Ou como sempre conseguia trazer uma importância histórica, ou a visão da psicologia e ainda a relação com o teatro. Tão rico discutir cinema contigo, com sua paciência pra ouvir ou às vezes a resposta curta e precisa.

Encantava todas as vezes em que via o quanto evoluía, o quanto se desconstruía, o quanto se entregava aos debates na intenção de transformar. Nossa, como me ajudou a enxergar o cinema de forma política e sensível.

Era o início do namoro, eu estava apaixonada. Queria estar direto junto, só pensava e falava nisso.

Estava tudo lindo... Até que engravidei e me afastei do grupo. Foi nossa primeira crise séria. Por momentos chorei pensando que não teria volta, que teria que viver de lembranças e que não teria mais espaço pra mim nas quartas-feiras de encontro. Mas fui surpreendida pelo acolhimento e apoio. Foi aí que nasceu o amor terno, foi quando eu quis estar junto e ter meu filho no meio disso tudo. O grupo Sétima me mostrou muitas coisas, mas a maior delas foi que do amor pelo cinema poderia nascer um grande amor por todos os amigos que fiz.
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Débora Costa: uma mãe feminista metida a estudante de Direito, a artista, a produtora e que gosta que só de filme.

Foto: Josú Ribeiro

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento
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- I Love B Movies
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Émerson Cardoso

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terça-feira, 29 de agosto de 2017

Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema



por Raquel Morais

No dia dezesseis de maio de dois mil e dezessete, o Grupo de Estudos Sétima de Cinema completou cinco anos de sua existência/resistência. O grupo surgiu como uma ideia de Elvis Pinheiro, este que já mediava filmes na região do Cariri há nove anos, de estudar a história, teoria e crítica do cinema. Certa vez, em uma de suas sessões no Cine Café, passava um papel destinado aos interessados em pensar mais sobre o cinema, bastava apenas colocar o nome, alguns outros dados de informação pessoal e comparecer às reuniões nas quartas-feiras, no Sesc de Juazeiro do Norte, às 14h; ou na terça-feira, às 19h, no Sesc Crato – esse último grupo durou pouco tempo de vida.

Algumas quartas após a primeira reunião, fui, por curiosidade, a um encontro. Quando cheguei, pensei: «pra quê que eu vim?» Tinha muita gente, e muita gente que eu mal conhecia em um círculo já fazendo a leitura do texto. Tentei me concentrar na leitura, mas eu não conseguia parar de observar e pedir em pensamento que ninguém quisesse minha opinião sobre alguma coisa do que estava sendo lido. As quartas foram passando entre textos e filmes, e me agarrava muito na presença do meu amigo Heriberto como um incentivo para continuar frequentando, esse que tinha me estimulado a fazer a minha inscrição. Ele logo deixou de ir aos encontros, eu continuei.

Durante esses anos, lemos O Que é Cinema, do Jean-Claude Bernardet e Cinema: arte e indústria, do Anatol Rosenfeld, ambos em 2012. Logo em seguida vieram os seminários. Tan dan dam! Grupos foram formados para as apresentações, e para cada reunião, uma parte do livro era debatida. O primeiro a ser apresentado em formato de seminário foi A Estética do Filme, do Jacques Aumont, ainda em 2012; em seguida, em 2013, veio História do Cinema Mundial, do Fernando Mascarello (org.), e também, nesse mesmo ano, experimentamos apresentações individuais com o livro O Cinema no Século, do Ismail Xavier (org.); Introdução à Teoria do Cinema, do Robert Stam e O Discurso Cinematográfico, do Ismail Xavier, ambos foram expostos em 2014. Depois seguimos a debater, agora sem seminários, o livro Cinefilia, de Antoine de Baecque, em 2015; O Que é o Cinema?, de André Bazin, em 2016; e estamos atualmente lendo A Linguagem Secreta do Cinema, do Jean-Claude Carrière. A proposta desse ano é direcionar o nosso olhar para o cinema brasileiro.

No mês de janeiro não tem reunião semanal do grupo, os encontros passam a ser quase que diário, já que estamos na produção da Mostra 21 – essa que traz vinte e um dias consecutivos exibindo filmes gratuitos, onde muitos desses estão fora do circuito comercial. Em fevereiro seguimos para a maratona do Oscar, agora já tendo os encontros, debatendo os livros, organizando os coquetéis de lançamento da revista Sétima de Cinema – esta que teve seu primeiro lançamento em onze de setembro de dois mil e treze. O grupo também produziu o seu primeiro curta-metragem, Sales e Salas, em dois mil e dezesseis, passo esse tão aguardado.

A idade dos cinco anos na criança é caracterizado por deixar de lado parte de sua dependência. O grupo está se renovando e criando, ou tentando criar, a autonomia de uma criança de cinco anos, esta que já se apropriou de sua linguagem. Autônoma, ela argumenta, quer entender fazendo associações do mundo externo para esclarecer a linguagem secreta do seu mundo interno. Espero continuar crescendo junto com essa criança. Espero que outros tantos possam também acompanhar o seu amadurecer. Fica aqui o convite.
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Raquel Morais assim se apresenta: uma “sei-lá-o-que” que gosta de cinema.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
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- V de Ideia

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terça-feira, 1 de agosto de 2017

Longe deste insensato mundo



por Ailton Jesus

“Bathsheba Everdene. Bathsheba. O nome sempre me soou estranho. Não gosto de ouvi-lo dito em voz alta. Meus pais morreram quando eu era muito jovem, portanto, não há a quem perguntar de onde ele vem. Cresci acostumada a estar sozinha. Há quem diga que acostumada demais. Independente demais”.

Essas são as palavras da protagonista Bathsheba Everdene (Carey Mulligan), que dão início à terceira adaptação para a tela do livro Far from the madding crowd (Thomas Hardy, 1874). No Brasil, o título do filme é Longe deste insensato mundo. Nele, Thomas Vinterberg, também diretor de A caça, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2012, nos apresenta Bathsheba com todas suas características explicitadas: adentra sem medo a escuridão e o silêncio enquanto dialoga consigo, em contato com a natureza.

Bathsheba é uma camponesa que herda de seu falecido tio uma fazenda e toma com garra todas as responsabilidades advindas com a posse. No entanto, não são as burocracias e a descrença em uma mulher à frente dos negócios numa Inglaterra Vitoriana que desestabilizam a jovem, são as questões do coração. A vida acontece e coloca Bathsheba numa encruzilhada onde seus sentimentos fervem e qualquer certeza sobre qual caminho tomar é brisa que passa entre as cercas na vastidão dos planos abertos. Dispostos a ganhar seu coração – ou não – estão três personagens: Gabriel Oak (Matthias Schoenaerts), pastor de ovelhas que após perder seu rebanho torna-se empregado de Bathsheba; William Boldwood (Michael Sheen), vizinho da protagonista, fazendeiro rico, honesto e infeliz no amor; e o sargento Frank Troy (Tom Sturridge), intenso e sedutor, capaz de virar a cabeça de qualquer mulher.

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Quando se está assistindo a um filme, nos primeiros minutos ainda temos consciência do nosso espaço, da coluna recostada sobre a poltrona, da tela à nossa frente. Um bom filme conseguirá, após esse primeiro contato, nos levar para dentro de seu mundo e tudo que é alheio a tal mundo perde sua importância até que rolem os créditos.

Pois bem, após imerso em Longe deste insensato mundo, três pequenos trechos me chamaram a atenção com mais força, um de maneira negativa e dois de maneira positiva.

1. O pecado no rosto de Bathshebba
Mr. Boldwood convida Bathsheba para conhecer sua casa e, enquanto ela admira o interior do grande salão, ele a observa. A câmera então enquadra o rosto da moça e ainda aproxima, no intuito de repararmos na beleza de seu rosto através dos olhos de Boldwood. Perco o foco, e não pela beleza inegável de Carey Mulligan em trajes de época, mas por ver um recurso cinematográfico gasto que, apesar de eficiente, talvez devesse ter sido guardado numa das gavetas do casarão e retirado apenas quando seu uso fosse absolutamente necessário. Quando Vinterberg resolve lançar mão de um corte brusco que me leva diretamente ao rosto de uma personagem estonteante, reforçado por um zoom que em nada dialoga com a sutileza da conversa desenvolvida pelos dois, para mostrar que o interesse de um homem de bem por ela cresce, ele atavia em previsibilidade uma história que tudo tem para transgredir o romance comum. Vinterberg desloca a atenção do enredo para o recurso cinematográfico e o filme perde qualidade com isso.

2. Sombras da cadeia
O filme é cheio de paisagens verdes e casarões, cujos salões, quando preenchidos por apenas duas pessoas, parecem ainda maiores. A Inglaterra parece imensa aos olhos do diretor. Um dos melhores momentos do filme é justamente quando Vinterberg resolve fazer o caminho inverso. Quem já assistiu ao O homem dos olhos esbugalhados (Stranger on the third floor, Boris Ingster, 1940) deve se lembrar da magnífica cadeia criada apenas com um banco ocupado por uma figura encurvada pelo desespero e um salão sem fim com as sombras das grades denunciando o espaço de confinamento. Em Longe deste insensato mundo, a prisão de um personagem é feita apenas com um banco de madeira, uma parede, uma sombra e um corte que contrapõe o personagem a uma árvore a perecer no inverno. Quando Vinterberg retira todos os adornos e deixa a tela limpa, preenchida apenas pelo essencial, seu filme cresce.

3. O silêncio da protagonista
A história se aproxima do fim e decisões são tomadas pela pressão do destino. Gabriel já havia deixado claro que não esperaria para sempre, e Bathsheba só percebe o tamanho dessa verdade em sua vida quando não há mais tempo para pensar e vai a seu encontro na tentativa de convencê-lo a ficar. Palavras são trocadas e um beijo esperado desde o início do filme finalmente acontece. Então, Bathsheba é deixada sozinha na tela, o verde mais bonito ao seu redor e o sol contra seu rosto. Ela enxuga uma lágrima com a mão esquerda e por sete segundos intermináveis permanece ali, em silêncio, talvez tão absorta quanto eu a observá-la, com uma música ao fundo que triunfa em ambiguidade. São sete segundos preciosos onde nada é certo e o desejo ingênuo de um final feliz oscila em corda bamba. Sete segundos que acontecem antes do fim do filme e que são mais importantes que o final em si. Vinterberg está de parabéns.

Feitas as devidas considerações, só posso concluir que o filme é maravilhoso. Não esperava menos de Vinterberg, do elenco - que me instigou a assistir o filme - e elogiaria também Thomas Hardy, não fosse o fato de ainda não ter tido acesso a sua obra.
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Ailton Jesus: estudante de Engenharia de Materiais. Por obra do destino também é ator, quando sobra tempo, músico, e usa o cinema como ferramenta de autoconhecimento.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 38, de dezembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
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- I Love B Movies
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Émerson Cardoso
- V de Ideia
- O Que Terá Acontecido a Baby Jane?

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quarta-feira, 19 de julho de 2017

Recife - Janela de Cinema: relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife



por Elvis Pinheiro

Entre os dias 28 de outubro e 06 de novembro de 2016, tanto na sala da Fundação Joaquim Nabuco, no Museu do Homem do Nordeste quanto no pomposo cinema São Luís na rua da Aurora, em frente ao rio Capibaribe, pude acompanhar um grande evento de cinema contemporâneo com exibição de curtas e longas metragens nacionais e internacionais, com direção artística do crítico e festejado diretor de cinema, Kleber Mendonça Filho.

Dividido em sessões especiais de clássicos, lançamentos e filmes baseados na obra de William Shakespeare, longas e curtas em competição, e pequenos programas de curtas variados, o evento contou ainda com palestras sobre produção em cinema e haveria uma conversa com a cineasta argentina Lucrecia Martel, infelizmente cancelada de última hora.

Admito que vi muita coisa, mas também soube dizer não, sem sentir-me culpado. Como também não me senti culpado com os cochilos e pestanejadas em meio à maratona. Faz parte. É filme demais, e nem sempre estamos preparados ou suficientemente motivados para tudo que nos é apresentado. A curadoria também não parte mais de uma única pessoa. É compartilhada com muitos outros profissionais e isso cria, certamente, texturas tão distintas que ao invés de um festival, parece que acompanhamos vários ao mesmo tempo e uns são, verdadeiramente, insuportáveis. Mas que fique claro: maravilhosamente insuportáveis e indispensáveis para a educação do nosso olhar. O que nos faz dormir hoje, pode nos despertar amanhã.

Agora, bem rápido, os filmes que fizeram valer a viagem: Elle, Toni Erdmann, O Ornitólogo, American Reflexxx, O Porteiro do Dia, Gente Bonita, A Morte de Louis XIV, De Palma, Animal Político, Eu Daniel Blake, O Delírio é a Redenção dos Aflitos, Ms. 45, Berlin-Harlem, Martírio, Diamond Island, A Cidade Onde Envelheço, O Auge do Humano, (todo o bloco de curtas “Moeda Corpo”: Alles Wird Gut (Tudo Vai Ficar Bem), Dear Renzo, Prenjak, Pedro), Impeachment, Santa Porque Avalanche, Rua Cuba.

Todos estes filmes estão na minha cabeça. Fui tomado por eles. Surpreenderam-me, encantaram-me, emocionaram-me. O ganhador de Cannes 2016, I, Daniel Blake, indispensável filme político de Ken Loach. Elle vem com Isabelle Huppert impecável numa história cheia de surpresas e humor negro. Toni Erdmann é daqueles filmes que vão enlouquecendo, possui uma das cenas mais surreais e engraçadas que já vi e é todo uma crítica ao sistema empresarial internacional e o que é feito aos seus executivos. Gente Bonita é uma noite no carnaval de Salvador em alas Vips de blocos carnavalescos, com a narrativa construída pelos próprios foliões. A cidade onde envelheço é um filme-abraço à cidade de  Belo Horizonte, a Portugal, a amizades e descobertas. A morte de Louis XIV vem com o Jean-Pierre Leaud, a eterna criança de Os Incompreendidos, agora no papel de um velho moribundo que se despede da vida na nossa frente, minuto a minuto de angústia e dor de um monarca. Martírio é um documentário corajoso sobre quem são os índios Guarani-Kaiwuá. Pedro e Prenjak, dois curtas internacionais. O primeiro de Portugal e o outro da Indonésia, que me surpreenderam pela extrema excitação sexual que causam, pela inventividade dos roteiros, pela verdade que carregam. Ms. 45 é dos anos 80 e tem que ser revisto, e mais ainda pelas mulheres, só digo isso. E se posso citar mais algum, termino com o O Ornitólogo, que é a viagem, filme de estrada, suspense, trash, pornô gay, místico, surreal, de terror e natureza com história.

O que deixamos de falar são as pessoas que encontramos nas filas, são as festas e os encontros com gente que estava presente no evento, são as impressões bem particulares de cada sessão, pela companhia, pela solidão, pela aventura de chegar e sair de um filme. O cinema em grandes festivais é ainda mais forte enquanto celebração. Parabéns a todas as pessoas corajosamente envolvidas.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 38, de dezembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
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- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Elandia Duarte

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quarta-feira, 5 de julho de 2017

‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica



por Cícero Émerson do Nascimento Cardoso

O Leitor. Direção de Stephen Daldry. Produção: Anthony Minghella, Sydney Pollack, Donna Gigliotti e Redmond Morris. Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross. Estados Unidos: 2008. Filme (123 min), DVD.

No filme O Leitor (2008), de Stephen Daldry – que rendeu a Kate Winslet, vivendo a personagem Hanna Schmitz, os mais importantes prêmios cinematográficos de 2009 –, uma personagem feminina é julgada e condenada por seus crimes contra a comunidade judaica. O enredo conduz-nos a acompanhar o drama desta personagem e compreender que ela, quando em Auschwitz, foi condicionada a cumprir ordens sem pensar sobre seus atos, muito menos questioná-los. Este filme é baseado na obra de mesmo título do escritor alemão Bernhard Schlink, publicada em 1995.

A propósito do enredo, O Leitor é constituído por flashbacks que retomam a história de Michael Berg e sua relação amorosa com a personagem Hanna Schmitz, ocorrida no verão de 1958. Entre leituras da Odisseia, de Homero, e d’A dama do cachorrinho, de Tchekhov, Hanna e Michael vivenciam uma relação afetiva que os aproximam intensamente, até que Hanna, após ser promovida em seu local de trabalho, desaparece sem informá-lo de seu paradeiro.

Michael havia conhecido Hanna aos quinze anos, quando ela lhe prestou auxílio por ocasião de um problema de saúde. Apesar da diferença de idade, eles passam a viver uma relação afetiva que representa para Michael a descoberta do amor e de sua sexualidade. Com o desaparecimento de Hanna, Michael retoma sua vida e entra para a faculdade de Direito, ocasião em que conhece uma colega de curso com quem tem uma filha. Neste mesmo período, durante um estágio num tribunal, ele é instigado por seu professor a participar do julgamento de ex-guardas dos campos de concentração de Auschwitz, que seriam julgadas por terem participado da «marcha da morte», em 1944, e por terem sido responsáveis, numa igreja da Cracóvia, pela morte de 300 judias que foram incendiadas.

Michael reencontra Hanna, sua antiga amante, entre as mulheres que estavam no banco dos réus. Somos informados de que Hanna, ao escolher as mulheres que iriam morrer 22no campo de concentração, optava pelas mais jovens, aparentemente as de aspecto doentio e frágil, a quem ela protegia e para as quais ela pedia que realizassem leituras. Ao conhecer Michael, foi exatamente assim que Hanna procedeu: em seu primeiro contato com o rapaz ela o auxiliou, o protegeu e, após o estreitamento da relação, ela pedia que ele também realizasse leituras.

No julgamento, a acusação mais grave recai sobre Hanna, que tinha sido uma mera guarda, mas que na ocasião é acusada de estar no comando do grupo responsável pela morte das 300 judias incendiadas na igreja. Ela é acusada, neste caso, de ter escrito o relatório que comprovaria sua participação no comando da ação e, consequentemente, de ser responsável, mais que as demais, de exterminar as mulheres.  

As demais acusadas são condenadas a quatro anos e seis meses de prisão, mas Hanna, que assume a autoria do relatório, é condenada à prisão perpétua. Michael, no entanto, detém uma informação que poderia salvá-la da acusação. Esta informação, porém, é um segredo que Hanna não quer revelar a ponto de submeter-se à punição para mantê-lo escondido. Isto leva Michael a passar por uma severa crise moral. O que fazer: 1) permitir que Hanna se entregue à prisão perpétua, mas ser fiel a ela e assegurar-lhe que seu segredo será resguardado, ou 2) revelar seu segredo ao tribunal e, assim, libertá-la da prisão perpétua, mesmo que isto contrarie seu desejo e atente, de algum modo, contra sua dignidade?

Michael opta, como podemos constatar, pelo silêncio. Ele respeita sua antiga amante, aceita sua decisão de não relutar ante a condenação e retoma sua vida. Isto coaduna com o que Hanna diz, em determinada ocasião: «Não importa o que sentimos, mas o que fazemos». Michael sofre com a ideia de que, para ser fiel ao desejo de sua ex-amante, se viu obrigado a silenciar quando seu testemunho poderia salvá-la.

Alguns anos após, Michael decide gravar fitas em que ele realiza leituras e as envia para Hanna, que tenta manter contato com Michael, em 1976, porém não recebe resposta. Em 1988, quando Hanna consegue a concessão para sair do presídio, e Michael é informado de que ela será liberta, há um reencontro entre eles – talvez seja uma das cenas mais pungentes do filme. Ela constata que seu grande amor não é mais o mesmo. Sua condição de ex-presidiária, sua velhice e seu crime representavam barreiras intransponíveis entre ela e o amado, que decide auxiliá-la em sua tentativa de retomar a vida, mas ela realiza um ato desesperado antes de sair do presídio.

Hanna pede, em dado momento, que Michael entregue um dinheiro, que ela guarda numa lata velha, às sobreviventes do incêndio da igreja. Ele encontra-se com uma delas, entretanto esta aceita apenas a lata e recusa o dinheiro. Quando Michael pergunta se poderia utilizar o dinheiro para alguma entidade direcionada à comunidade judaica, ela afirma, em tom arrogante e magoado, revestido de lembranças amargas e de sofrimento, que ele faça o que quiser com o dinheiro, e que judeus nunca precisaram de auxílios como os que ele propõe.

Hanna é uma personagem densa. Talvez a mais complexa das personagens a que Kate Winslet emprestou seu talento. Por trás da ação monstruosa que a fez partícipe do extermínio dos mais de seis milhões de judeus, em campos nazistas, acontecimento histórico que não pode ser esquecido, e repetido, há uma mulher que traz um limite que a torna tão vulnerável quanto fragilizada.

Para manter seu segredo, ela perde o amor de sua vida, é condenada à prisão perpétua e é humilhada pela filha da judia que ela, no passado, quase exterminou. Hanna é uma personagem contida, independente e solitária. Vivencia, sem crises morais, um envolvimento afetivo-amoroso com um rapaz mais jovem – na cena do restaurante ela é confundida com a mãe dele. Ela traz em si, todavia, sentimentos de culpa que a tornam infeliz – a cena da igreja, em que ela observa crianças a cantar, remete-a ao crime cometido, por isto o choro incontido cuja motivação Michael desconhece.

Além disso, ela é uma personagem cujo caráter prático, racional, faz com que ela renuncie ao amor e à liberdade para que, desse modo, seja resguardado aquilo que mais a torna vulnerável. Seu segredo parece-lhe algo vergonhoso demais para que ela possa assumir para si, e para o mundo, sem que isto a destrua em sua dignidade.

Quanto ao trabalho no campo nazista, Hanna interpela um dos advogados que a acusa perguntando-lhe sobre o que ele teria feito se estivesse em seu lugar. Ela argumenta que havia uma vaga de guarda do campo nazista, que pleiteou a vaga e conseguiu o cargo tendo, obviamente, que cumprir ordens. Mais uma vez vem à tona a frase que anteriormente apontamos: “Não importa o que sentimos, mas o que fazemos”. Apoiada nisto, ela realiza os atos que a levam ao tribunal – não sem sentimento de culpa, como apreendemos de seu último gesto –, ela envia o dinheiro para a filha da sobrevivente do campo nazista (que ela reencontrara no tribunal) e comete suicídio (gesto simbólico de autopunição).

Esse filme instiga-nos a vários questionamentos: até que ponto alguém é capaz de guardar um segredo? Renunciar ao amor e a uma vida é coerente quando vivê-los implica na exposição de um segredo que nos humilha? Que vida alguém pode ter após destruir tantas outras vidas? Quem pode livrar-se da culpa, quando a existência aponta-nos para as consequências de nossas ações impensadas e realizadas no irremediável?

Michael, por sua vez, também é uma personagem complexa. Ele passa sua vida inteira preso às lembranças da mulher com quem ele descobriu as vicissitudes do amor. Em algumas cenas, percebemos sua incapacidade de permanecer na cama com uma mulher após relacionar-se sexualmente com esta. Sua primeira amante deixou nele lembranças intensas demais para que ele consiga retomar a vida sem recordar-se de que ela existiu.

A cena em que Michael e sua filha Júlia vão ao túmulo de Hanna, em 1995, ocasião em que ele passa a contar para ela quem era aquela mulher sobre quem ele nunca falou, parece-nos uma tentativa de libertar-se, também ele, da culpa de não tê-la absolvido, com seu testemunho, da condenação. Ou mesmo da culpa de ter dado continuidade à vida – mesmo marcado pelas lembranças do passado – sabendo que ela poderia estar livre se ele tivesse dito no tribunal aquilo que ela tanto quis ocultar.

Essa é uma história de amor, lealdade e, sobretudo, respeito. Mas é uma história amarga, que mostra o outro lado desse acontecimento tenebroso que foi o holocausto. Embora tenha sido visto o lado humano de Hanna, nem por isto ela foi isenta de cumprir penas pelos crimes hediondos que cometera. Hanna foi uma das poucas envolvidas com os crimes nazistas, dentre os oito mil trabalhadores que foram recrutados para tal empreendimento desumano, que foi condenada. Ela deve ter sentido medo, desejo de libertar-se, deve ter alimentado conflitos, no entanto suas ações eram motivadas por uma linha de raciocínio que a fez enfrentar a si mesma ante os medos e a motivou a realizar seu grande erro existencial: “Não importa o que sentimos, mas o que fazemos”.
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Cícero Émerson do Nascimento Cardoso: Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará; graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri; especialista em Língua Portuguesa, Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa; mestre em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba; membro do Núcleo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Regional do Cariri – NETLLI; membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Literatura e Sociedade Contemporânea - GELISC; membro do Grupo de estudos SÉTIMA de cinema. Autor do livro de contos Breve estudo sobre corações endurecidos (2011), Romanceiro do Norte Juazeiro (2014) e A revolta de Antonina. Publicou os folhetos de cordel A Beata Luzia vai à guerra e A artesã do chapéu (ou pequena biografia de Maria Raquel). Teve poema selecionado para o evento literário realizado pelo CCBNB “Abril para Leitura” em 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016. Tem texto publicado pela Revista de Literatura e Arte Boca Escancarada e teve soneto selecionado para antologia do Concurso Chave de Ouro de Sonetos - os Cinquenta Melhores, da Academia Jacarehyense de Letras. Desenvolve trabalhos vinculados à Literatura, Filosofia e Cinema.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 38, de dezembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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