ilustração de Reginaldo Farias
Um pouco sobre os Irmãos Aniceto e a ancestralidade cariri/kariri (por Pablo Assumpção):
“[...] Hoje, reconhecidos como patrimônio cultural do Ceará, os Aniceto e as outras bandas do Cariri nem sempre foram bem vistos. Revendo a história, descobre-se que a trajetória das bandas cabaçais no Crato é historicamente marcada por altos e baixos. No começo desse século [à época, século XX], só nessa cidade foram juntas mais de trinta para receber o bispo do Ceará, D. Manuel. Era o período áureo da cabaçal. Com o passar dos anos, elas foram reduzindo-se e refugiando-se unicamente nos sítios. Uma verdadeira luta se travou contra as zabumbas, consideradas como verdadeiras inimigas do progresso.
Assim, em nome da civilização que penetrava no vale, contra as velharias que prendiam a cidade ao passado, a música de couro precisava desaparecer. O forasteiro litorâneo não podia surpreender-se a tocar em instrumentos tão bisonhos e primitivos, em pleno centro citadino. do Crato, a cidade que a essa altura já tinha eletricidade, jornais, cinemas e colégios. Foi então que o prefeito – na época, José Alves de Figueiredo – proibiu a execução das bandas cabaçais em dias comuns, nas feiras, e a desfilar pelas ruas. Essa foi a época de decadência da zabumba, quando a tradição apresentava-se como a grande inimiga do progresso.
Não se sabe as consequências dessa proibição para a tradição das cabaçais, embora seja provável que isso pôde muito bem ter significado a extinção de um bom número delas. Mas o fato é que não significou o desaparecimento desta arte, tendo ela perdurado até os dias de hoje, quando, às vésperas do século XXI, ainda se tem oportunidade de assistir a representações da mais pura dissipação estética e popular. Esse é bem o caso da música de couro e performance da Cabaçal dos Irmãos Aniceto, grupo musical que melhor representa a permanência de elementos ancestrais cariris na cultura cearense.
[...] É perguntar a qualquer Aniceto vivo, hoje, e ouvir a mesma resposta: ‘essa bandinha vem de longe, ela já vem dos índios cariris; que os índios daqui do Crato eram assim muito alegres’. Há uma célebre frase entre eles, dita por Mestre Chico, Aniceto já falecido, que diz ser a banda cabaçal uma manifestação mais velha do que a própria invenção do Brasil: ‘A banda cabaçal vem desde a criação do mundo. Você já viu o retrato do Descobrimento do Brasil? Pois bem, pode reparar direito que lá tem uma banda de música dos índios tocando’.
E há sempre alguma verdade escondida por trás dos ditos e do imaginário popular. A cabaçal, tal como a aplaudimos hoje nos centros culturais, não existia antes do colonizador, mas é mesmo entre os índios que encontramos as matrizes culturais que justificam essa manifestação cênica e musical e o capital simbólico arrastado com ela. Foram os tapuias de língua travada os primeiros a rasgar no céu do Cariri cearense o canto místico da acauã, ave devoradora de cobras peçonhentas, entidade cujo canto trazia a lembrança de que os malignos seriam destruídos. Hoje, é Antônio da Silva, pifeiro e agricultor, quem grita no palco.
A região do Cariri inteira era povoada, antes da chegada de portugueses, africanos etc., por inúmeras tribos que, com outras tantas espalhadas pelo sertão nordestino, formavam a grande nação cariri. Etnia de idioma próprio, os cariris foram, constantemente, incluídos sem denominação especial no confuso grupo tapuia, compreendido pelo colonizador como o grupo indígena de língua travada, inimigos do tupi, que habitavam o litoral e falavam a língua real. [...]”
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No livro Irmãos Aniceto, de Pablo Assumpção. Edições Demócrito Rocha (Coleção Terra Bárbara), 2000.
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
Os Irmãos Aniceto e a ancestralidade Cariri em trecho de livro de Pablo Assumpção
domingo, 19 de abril de 2020
‘Ao locutor da Rádio Araripe, Elói Teles’, poema de Patativa do Assaré

Ao locutor da Rádio Araripe, Elói Teles
Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela caboca
De riso na boca zomba no sofrê.
Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.
Tem munta beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a própria vida,
É terra querida do meu coração.
Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.
Ceará valente que foi munto franco
Ao guerrêro branco Soare Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.
Sou dos verde mare da cô da esperança,
Que as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.
Ninguém me desmente, pois, é com certeza,
Quem qué vê beleza vem ao Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasí.
Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.
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Patativa do Assaré em Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino (Editora Vozes, 15 ed., 2008).
O radialista, escritor e folclorista Elói Teles de Morais nasceu em Crato, no dia 19 de abril de 1936, e faleceu no mesmo município, em 9 de outubro de 2000.
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Seu Elói recitando poesia de Luciano Carneiro no programa Coisas do Meu Sertão, na Rádio Educadora:
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terça-feira, 31 de março de 2020
Dona Ciça do Barro Cru em texto do livro ‘Cultura Insubmissa’, de Rosemberg Cariry e Oswald Barroso

Apresentamos texto publicado no livro Cultura Insubmissa (estudos e reportagens), de Rosemberg Cariry e Oswald Barroso (Fortaleza, Secretaria de Cultura e Desporto, 1982), sobre a artista Dona Ciça do Barro Cru, um dos grandes nomes da história do artesanato de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense. Obs.: optamos por reproduzir o texto ipsis litteris, repetindo a maneira como foi transcrita a fala da personagem em questão.
Dona Ciça - Mãe de Barro
A cerâmica lúdico-figurativa é uma das mais significativas expressões da arte popular do Nordeste. Se os brinquedos de barro eram comuns às tradições culturais dos povos europeus e nos foram legados pelos ibéricos, receberiam também a contribuição indígena que enriqueceria em muito a cerâmica nordestina em seus multiaspectos. No Ceará, principalmente no Cariri, a contribuição índia foi marcante, mas em outras regiões do Nordeste os povos negros transplantados deram também o seu importante legado cultural no desenvolvimento da cerâmica popular. Ofício de mulheres, as cunhãs, sensíveis e habilidosas no trato com o barro, modelavam, juntamente com os potes, panelas, etc., pequenas figuras antropomorfas e zoomorfas para as crianças brincarem. Os nossos artistas populares, na grande maioria caboclos, partindo de modelos herdados das tradições ibéricas e indígenas, desenvolveriam uma cerâmica tão rica e esteticamente cheia de significados culturais que se poderia compará-la à cerâmica asteca e andina, no seu estágio mais avançado.
No livro As Artes Plásticas no Brasil, Cecília Meireles fala sobre a cerâmica utilitária da Bahia: “Diante de certas peças cerâmicas (...), tão elegantes de perfil e tão ricas de decoração, pensa-se nos suntuosos modelos mexicanos e peruanos e tem-se a impressão de que a alta cerâmica do pacífico estendeu até o atlântico os derradeiros filamentos das suas raízes”. No Ceará, na cidade de Cascavel, nas regiões da serra da Ibiapaba e do Cariri, encontramos núcleos de intensa produção de cerâmica utilitária e lúdica. Destes núcleos, o mais importante é o do Cariri, onde os artistas populares passaram, assim como os artistas de Caruaru - Pernambuco, de figuras isoladas para complexos conjuntos de peças representando cenas cotidianas e manifestações folclóricas regionais. Em Juazeiro do Norte existe uma cerâmica de rara beleza, com formas bem delineadas, muito equilíbrio e intenso colorido. Nomes como Cícera Fonseca, Luíza dos Cachimbos, Carminha e Dona Ciça do Barro Cru são as expressões maiores de cerâmica lúdico-figurativa do Cariri. De Dona Ciça nos ocuparemos neste pequeno estudo, por sua importância artística de características diferenciadas.
A arte de Dona Ciça reflete a realidade e a cosmovisão populares. As cenas encontradas no cotidiano do povo simples são por ela plastificadas em formas bem elaboradas e detalhadas, com um colorido supra-real. Sua produção inclui peças individuais: aves, animais domésticos e fantásticos, pessoas em seus afazeres, santos e demônios etc. Sua cerâmica, no entanto, encontra maior expressividade nas obras de conjunto, onde reelabora, segundo a sua visão e sensibilidade estética, cenas coletivas de imensa complexidade. Exemplos disto são os conjuntos de peças que compõem os os “reisados”, “farinhadas”, “bandas de pife”, “enterros de anjos”, “procissões” etc. Na reelaboração do real, Dona Ciça não usa apenas o barro e as tintas como matérias-primas. Utiliza-se também de palitos, arames, sementes, algodão, fitas, retalhos de fazenda e penas (o uso de penas ficou-lhe como legado índio, onde deita suas origens).
Para melhor compreender esta grande artista, necessário se faz que mergulhemos na sua história. Fala Ciça: “Nasci no Sítio São José, Juazeiro, em março de 1915 (ano de tirana seca). Meu pai era de Garanhuns e se chamava Pedro Araújo, minha mãe era de Quipapá e se chamava Quitéria Maria da Conceição. Fui pra Santana do Cariri novinha, quando vim de lá pro Juazeiro tava com sete anos. Em 32 foi seca, muito aflagelado aí no Buriti, eu tirei a temporada pedindo esmola no Crato, mode sustentar pai e mãe. Ninguém tinha nada pra comer em casa, eu ia com uma irmãzinha, montada num jumento, com um jogo de caçuá. Neste tempo morreu umas irmãs novas que eu tinha. A gente cumia muita comida braba, coisa venenosa, só pudia ser. Depois eu fui vivê de vendê capim. Comecei a trabaiá no barro com 25 anos de idade já tava casada pela primeira vez com Luís Ferreira, que morreu de congestão. Quando eu casei já tinha Ciço, esse que é casado. Ciço foi um erro que eu dei, eu sô uma pessoa que só fala a verdade, nem que morra. Ficando viúva eu me casei com Manuel Costinho de Sena que morreu de saluço, sofrendo dezoito dia de saluço, dez anos depois de nóis casado. O outro, Cornelho, não morreu comigo, morreu lá com a famia dele. O danado vivia dizendo que tinha um probrema, sei que esse probrema num tava certo pra gente casado, mandei ele lá pra famia dele, tava separada dele nesse tempo. Adepois me casei com Manuel num sei o que de Mato, esse também mandei embora, morreu cum a famia dele, pra lá. Agora casei cum Jenuaro”. Assim é Ciça, com toda a sua riqueza existencial e expansiva sinceridade.
Vivendo pobremente, numa casinha de taipa no subúrbio de Juazeiro, Ciça subvive da sua arte e dos restos de legumes que cata nos dias de feira. Ela afirma: “o dinheiro que apuro não dá nem pra cumê, eu vou pra feira do Crato e de Barbaia e fico varrendo na feira do feijão, chego em casa e vô separá os caroço de feijão. Eu só varro na feira do Crato e de Barbaia, no Juazeiro eu nunca faço lá, eu nunca me acustumei. Sou conhecida lá, moro lá desde os sete anos, aí tenho vergonha de pedir esmola e varrê na feira de Juazeiro. Só como disso, eu também peço nas budegas e nos cafés, peço a um e a outro. Tiro um conto, dois conto, assim vou vivendo. Só o trabaio no barro num dá e roubá eu num vou. As muié nova pede, quanto mais eu qui já tô véia e duente. Agora eu quero falar pra eu miorá mais a vida. O trabaio do barro quando vou pegá, fico com as mão drumente, aquele drumiço nas mãos. Fico bastante duente, só quiria que arrumassem um negoço pra mim. Minha casa é muito pobrezinha, quero ajeitar e num posso, é muito apertadinha, só tem um vão, ainda essa sumana levei uma queda dentro de casa, num reguinho que tem dentro de casa, o esgoto passa por dentro de casa e eu num posso fazer, num tem tijolo, num tem nada. Jenuaro trabaia butando umas rocinhas de meio, mas num dá pra nada, não. Minha vida é muito precária. A gente leva os buneco pra feira e o povo num compra, só quer baratinho e num posso vender. Outra é que tem muita gente ignorante, a gente pede um preço ele ignora, querem de graça e eu num posso dar, material caro, dá muito trabaio, eu já trabaio a força, vivo sem paciência pra arte, tô véia”.

O trabalho com cerâmica envolve uma série de dificuldades. Ciça explica: “O barro eu vou buscar nas Cobras, num boto de carrada não, eu vou buscar na cabeça. É muito longe de minha casa, perto da Serra do Horto, quase meia légua. Tenho que comprar tinta, tinta de casa, tinta d'água, misturada com cola de madeira. Os pinceus eu faço de palito e algodão, só uso as mão e os palito. Teve um tempo que eu viajava, com o meu primeiro marido, fazendo boneco de barro, pra trocar por comida cum os minino e pra vender na feira. Viajava pra Cedro, pra Iguatu, andei até pela Paraíba... tempo bom. Eu faço de tudo na minha arte, faço reisado, cobra, muié fazendo renda, muié catando piolho, muié dando de mamar, banda de pife, padre confessando, João Tingó, Maria Fumaça, casamento, batizado, violeiro, operação, anjo, diabo, cangaceiro, santo, gato, capote, tenho tudo na minha cabeça, é tudo na minha maginação”. Interrogada por que não cozinhava seus bonecos, fala com simplicidade: “Num dá pra cunzinhar, minha arte é deferente, leva pena, leva cordão, leva simente, leva muita coisa. Se eu for cunzinhar queima tudo. E eu também num sei cunzinhar não, aquilo precisa outra preparação. Eu só sei fazê, butá no sol, pintá e pronto. Cada pessoa tem sua arte”.
Por não cozinhar em forno suas peças (daí o nome Dona Ciça do Barro Cru), elas são fragilíssimas, quebram-se ao menor impacto ou com o tempo se desfazem, voltando novamente à massa amorfa do barro bruto. Pessoas interessadas na comercialização da sua arte, ou mesmo pensando em conservá-las, tentaram convencer Ciça de queimar as suas peças. Já houve mesmo quem quisesse doar-lhe um forno. Ciça resiste, continua não cozinhando seus bonecos, deixa-os belos e frágeis, enfeitados com fitas, cordões e penas, destinados à breve existência, ao desaparecimento.
Assim como a sua arte, é a sua criadora, bela e frágil, na sua fascinante criatividade, que também desaparecerá, miseravelmente, catando legumes e pedindo esmolas nas feiras. Tanto é o amor que suas mãos maravilhosas transmitem aos seus “bichinhos de barro” que, ante a impossibilidade do sopro da vida, Ciça lhe cria, com toda liberdade de expressão existencial/estética, uma vida onírica, poética, fantasiosa, deitando raízes no seu cotidiano e no mundo que a cerca. Batiza suas criações com nomes engraçados, conversa com elas, canta canções de ninar... Cada boneco ou bichinho de barro criado por Ciça tem um passado, um presente e um futuro. Quebra-se a barreira da lógica formal, brilha o relacionamento mágico do homem com a natureza. Os bonequinhos parecem adquirir vibrações próprias, vibrações quase palpáveis para as pessoas sensíveis, vibrações que irradiam a beleza de Ciça – mãe de Barro, criança travessa com suas dezenas de anos escanchadas na cacunda. As suas “festas de casamento” ou, como ela gosta de dizer, “inauguração da minha arte” é um momento de rara beleza, onde o sonho e o real se irmanam. “Eu faço os bonecos, são quatro noivado, dois em pé pra se casá, dois sentado pra sair da mesa. Primeiro fica uma pessoa falando pelos boneco do mesmo jeito de uma pessoa que fala quando vai se casá, a pessoa diz as coisas com os noivados. Aparece um vinhozim e compro uma galinha. Depois do casamento sento os boneco na mesa e boto cumida pra eles, também pro padre, pro sacristão. Boto cumida e vinho pras visitas”.
Durante todo o ano Ciça se prepara, faz economias, mesmo tendo que passar fome mais do que já passa, para comprar uma galinha e um litro de vinho de jurubeba. No dia da festa, Ciça prepara a galinha, põe o vinho de jurubeba na mesinha de toalha branca feita de saco de açúcar e acende as velas. Um ritual sagrado/profano. Para a arte de Ciça e seu relacionamento com esta arte, vale a análise de Paul Ahyi, sobre a arte produzida pelos povos de tecnologias simples: “(...) dissocia e associa os elementos naturais segundo as suas próprias leis, é porque tenta eternizar e realçar, no ser vivo, o permanente e não o acidental, a essência e não a aparência, o constante e não o efêmero. Seu objetivo, de certo modo, é mostrar a realidade do ser vivo e não a sua imagem externa”.
A memória cultural nordestina guardará o nome desta artista do povo? Possivelmente sim, a sua arte não será de todo esquecida. Ficará a sua voz suave conversando com os seus “bonequinhos de barro”, ficarão os gestos das suas mãos calosas no duro ofício do barro, ficarão seus depoimentos de dor e esperança, ficará o seu sorriso forte, gravados na película do filme Dona Ciça do Barro Cru, realizado pelo cineasta cearense Jefferson de Albuquerque Jr., que denuncia a pobreza de Dona Ciça e resgata para o futuro a grandeza e a criatividade desta artista popular que faz da sua arte e da sua vida a expressão dos sonhos e das dores deste povo nordestinado.
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Texto originalmente publicado no Jornal O POVO - Fortaleza-CE – 16 de maio de 1982.
Fotos: Ricardo Tilkian.
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segunda-feira, 28 de maio de 2018
Kariri Iluminado: fotos de Augusto Pessoa na abertura da Festa de Santo Antônio de 2018, em Barbalha

Kariri Iluminado
É sempre assim. Ao raiar do sol, as primeiras bandas cabaçais começam a chegar à Igreja Matriz, caprichosamente ornamentada com bandeirolas e imagens dos três santos juninos. O destaque, no entanto, é mesmo do dono da festa, o casamenteiro sagrado do povo nordestino, Antônio!
Fotografar esse encontro da cultura popular é - para mim - exatamente o que ele É: um Ritual! Em nenhum outro recanto desse imenso Brasil é possível reunir tanta tradição em tão "pequeno" espaço. E não pensem vocês que cada grupo tem o seu tempo para se apresentar... é tudo junto e misturado, centímetro por centímetro, aqui e agora! Pífanos se misturam com o som agudo das espadas nos reisados e guerreiros, o seco som do maneiro pau faz dueto com as pernas de madeira e - aos gritos e apitos - Mateus com os rostos pintados de preto trazem luz e alegria à mais harmoniosa da confusões!
Mas isso, vejam só, é apenas o começo. Na zona rural, movidos à cachaça do vigário distribuída numa carroça e verdadeira devoção a Antônio, numa espécie de namoro Entre o profano e o sagrado, centenas de homens trazem - nos ombros - o tronco que servirá de mastro para a bandeira de "Toinho".
Esse ano o cortejo de abertura da festa teve ainda mais brilho com a participação dos grupos culturais de Juazeiro do Norte que se juntaram às belas e tradicionais manifestações de Barbalha num multicolorido abraço de autêntica tradição.
Na manhã desse domingo, 27 de maio, o Kariri estava especialmente iluminado!
Augusto Pessoa, Cariri, 2018.
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Augusto Pessoa é fotógrafo e jornalista.
Instagram: augustopessoa.mosaico
Site: augustopessoa1.wix.com/fotografia
Fotos da abertura da Festa de Santo Antônio, em Barbalha, no dia 27 de maio de 2018:









sábado, 6 de janeiro de 2018
As antigas Festas de Reis em Juazeiro do Norte, por Senhorzinho Ribeiro

Abaixo compartilhamos um texto do livro Juazeiro em corpo e alma, de Senhorzinho Ribeiro, publicado em 1992. O capítulo, intitulado “Festa de Reis em Juazeiro”, apresenta lembranças do autor relacionadas às antigas comemorações da Festa de Reis em Juazeiro do Norte, ainda no tempo do Padre Cícero Romão Batista.
Festa de Reis em Juazeiro
“A maior festa de Juazeiro, antigamente, acontecia no Dia de Reis. Na véspera, no local da hoje Praça Padre Cícero, colocavam bancas de jogo de toda espécie. Nessa época, era permitido se jogar durante as festas de fim de ano, como Dia de Reis, Natal, no Ano Novo, etc. Passada aquela fase de festa, não se jogava mais. Era proibido.
Durante a Festa de Reis, principalmente, comia-se muito arroz doce, canjica, bolo de milho, pé-de-moleque, bolo de batata, doce seco, etc. Eram comidas típicas. O povo amanhecia o dia nas ruas. O local das festas, que era um quadro muito grande, por isso chamavam de Quadro Grande, permanecia enfeitado de palha de palmeira, de pés de bananeira, formando uma espécie de ‘quinta’, rodeando o quadro.
No centro do quadro se fazia um trono, e nele se colocava uma menina loura de mais ou menos cinco anos de idade, ou seis mesmo, em traje de rainha, a fim de ser disputada pelos reis dos negros e dos caboclos. Eram dois reisados, os chamados ‘quilambos’, a dança antiga dos negros.
O juazeirense Cícero Boneca era o rei dos negros e Olímpio, seu irmão, era o rei dos caboclos. De espadas em punho, ambos disputavam a posse da rainha. Era uma contenda bonita. Geralmente durava o dia todo e entrava pela boquinha da noite. Quando acontecia da luta terminar cedo, eles tentavam vender a rainha às pessoas ricas e de destaque. Quem primeiro comprava a rainha era o Cel. Antônio Fernandes, um usineiro de Alagoas.
Antes de fixar residência aqui em Juazeiro, o Cel. Antônio Fernandes não era amigo do Padre Cícero. Não acreditava no Padre Cícero. Diziam que ele era contra o Padre Cícero. Mas depois que fixou residência definitiva no sobrado que foi de propriedade do Sr. José André, passou a ser um dos maiores devotos do Padre Cícero. Quando para aqui veio, já era casado. Com o falecimento da primeira mulher, casou-se pela segunda vez com uma moça de nome Sinhá. Do primeiro casamento teve mais de um filho, e do segundo somente um , de nome Antônio. O Cel. Antônio Fernandes construiu o próprio túmulo, em vida. Acha-se sepultado nos fundos da Igreja de Nossa Senhora do Socorro.
Depois da venda da rainha os reis saíam dançando pelas ruas, passavam pelas casas do povo que apreciava aquela brincadeira, e nisso, a brincadeira se estendia até a noite.
As lapinhas também eram muito animadas, principalmente as organizadas pelas Beatas Bichinha e Angélica, e também por Antônia Morena. As queimações destas lapinhas era uma verdadeira festa. Eram queimadas uma por uma até terminar.
Nesse tempo não tínhamos energia elétrica, mas os festejos eram comemorados à noite, à luz dos lampiões.
Como também não existiam ainda refrigerantes, as famílias se contentavam com o aluá de abacaxi fabricado por Pedro Coutinho e com o caldo de cana de seu Chaves, temperado com bicarbonato.
Uma família que morava na Rua Padre Cícero, juntava-se a um barbeiro de nome Manoel Passos, que morava na antiga Rua São João, hoje Alencar Peixoto, e durante as Festas de Reis, preparavam uma passeata composta de cidadãos vestidos de branco e formavam um ‘pé de dinheiro’, uma espécie de árvore de Natal, sem folha. No local das folhas eram colocadas notas bem novinhas de 10 mil-réis. Convidavam a Banda de Música e desciam em desfile, até a casa do Padre Cícero para fazer-lhe presente do ‘pé de dinheiro’, Quando lá chegavam, o Padre abençoava a todos e desejava-lhes um Ano-Novo de paz e de saúde.
Assim eram as Festas de Reis, Natal, etc., em Juazeiro do Norte. Eram bem diferentes de hoje. Quando das Festas de Reis de antigamente, não se trabalhava. Era dia santo. A roupa branca simbolizava a referida festa. Até pouco tempo atrás, existia uma festa de clube, que depois se tornou tradicional. Era a ‘Festa Branca’ do Treze, salvo engano, criação e organização do saudoso Mascote. Essa festa realizava-se aos dias seis de janeiro de cada ano, e só era permitido entrar no clube quem tivesse trajado de branco, tanto homem como mulher. Hoje só restam recordações de um passado que não volta mais.”
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Senhorzinho Ribeiro, no livro Juazeiro em Corpo e Alma (Gráfica Royal, 1992).
Outro texto do livro Juazeiro em Corpo e Alma, de Senhorzinho Ribeiro, no blog O Berro:
- Os primeiros cinemas de Juazeiro do Norte, por Senhorzinho Ribeiro
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
I Seminário Políticas Públicas para Mestres e Brincantes em Juazeiro

“O Seminário tem por objetivo debater as políticas públicas existentes para Mestres e Brincantes da Tradição Cultural da Região do Cariri, bem como pensar parcerias institucionais que viabilizem mais espaços para a apresentação e transmissão de seus saberes a partir das necessidades apontadas pelos integrantes dos grupos.
Compreendendo a Tradição Cultural enquanto patrimônio imaterial, fonte de identidade que carrega a sua própria história, constituindo, a partir da pluralidade de sua linguagem, o fundamento da vida comunitária, buscamos discutir propostas que garantam a manutenção desses grupos a partir da comunicação inter-geracional entre Mestres e brincantes que vêm surgindo em nossa região, valorizando as comunidades nas quais estão inseridos.
Neste sentido, convidamos a cada componente da mesa a socializar propostas institucionais voltadas para preservação, valorização e difusão dos saberes dos Mestres e Brincantes da Tradição Cultural da região do Cariri Cearense.” (sinopse da divulgação do evento)
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I Seminário Políticas Públicas para Mestres e Brincantes
De 04 a 06 de janeiro de 2017
Em Juazeiro do Norte-CE.
Programação:
Quarta-feira, 04 de janeiro de 2017:
17h: Mesa Redonda - Alemberg Quindins – Diretor da Fundação Casa Grande, Joziel Bernardo (SESC), Ricardo Pinto (Banco do Nordeste), Robson Almeida (Pró-Reitor PROCULT-UFCA), Mestre Stênio Diniz (xilógrafo).
Local: Teatro Patativa do Assaré (Sesc Juazeiro)
20h: Apresentação do Reisado São Luiz de Juazeiro do Norte
Local: Terreiro da Mestra Margarida (Sesc Juazeiro)
Quinta-feira, 05 de janeiro de 2017:
17h: Mesa Redonda - Renato Dantas (Territórios Criativos), Padre Cícero (Basílica Nossa Senhora das Dores), Mestre Expedito (Banda Cabaçal Padre Cícero), Mestra Marinês (Coco Frei Damião)
Local: Teatro Patativa do Assaré (Sesc Juazeiro);
19h: Show com Geraldo Junior e Letícia Persiles
Local: Teatro SESC Patativa do Assaré
Sexta-feira, 06 de janeiro de 2017:
16h: Cortejo cultural com grupos de Reisado de Juazeiro do Norte, com saída da Praça da Prefeitura em direção à Praça do Socorro (Juazeiro do Norte)
17h: Missa campal de Reis: Bênção dos Mestres e Brincantes da Tradição
Local: Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Juazeiro do Norte-CE)
17h30: Apresentação dos Grupos de Reisado e Lapinha
Local: Terreiro da Mestra Margarida (Sesc Juazeiro).
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