sexta-feira, 13 de abril de 2018

Agora é que são elas



por Virgínia Macedo

Eu não poderia começar o meu texto sem pelo menos lembrar que foi o Carrière que me mostrou como a mais recente das invenções alterou o espaço e criou uma linguagem própria. O cinema se inventa e se reinventa, torna o invisível visível e segundo Carrière: jamais caminhou sozinho.

Certa vez, conversando com amigos sobre coisas de cinema, falei de uma oficina de roteiro da qual eu tinha participado e surgiu a pergunta “Conheço a menina que ministrou, não é aquela bem bonita?”. A partir de uma rápida reflexão que o diálogo nos levou, percebemos quão invisibilizado é o trabalho de mulheres no cinema e na mídia e começamos todo um diálogo em cima disso: a mulher sempre vai ser lembrada pela beleza, pela roupa, por ser mulher de alguém - quase nunca pelo seu trabalho - e, dentro de um universo predominantemente masculino, muito menos. Vivemos em uma sociedade tão machista, que só é possível mostrar o que se é depois de muito subjugada pela ótica masculina e, embora essa imagem estereotipada seja hoje debatida e criticada, ela ainda não é vencida.

Depois de muito pensar sobre como seria o meu texto, lembrei de um caso que aconteceu com Anna Muylaert e que remete muito à ideia de que o cinema é feito principalmente por homens e para homens. Anna é uma premiada roteirista e diretora de cinema e televisão. Dirigiu alguns episódios de séries, criou vários roteiros e recentemente lançou o filme Mãe Só Há Uma que foi exibido no Festival de Berlim. Em 2015, dirigiu Que Horas Ela Volta?, longa premiado no Festival de Sundance, nos Estados Unidos e no Festival de Berlim, na Alemanha. O filme traz uma discussão sobre as relações de poder e as interações familiares. A história é protagonizada por três mulheres e não só nos mostra como vivemos nesse país como também traz as desigualdades hierárquicas da sociedade.

Em um debate promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, Anna foi desrespeitada por dois renomados cineastas pernambucanos. Eles entraram no debate, desrespeitaram a diretora, interrompendo suas falas e a dos organizadores. Anna descreveu várias situações parecidas que aconteceram no decorrer das suas viagens e exibições do filme.

A sociedade e, principalmente os homens, precisam aceitar o protagonismo feminino no cinema, na literatura, no teatro, não mais como personagens feitas por eles e para eles, mas como produtoras de conteúdo intelectual de qualidade e que reflete e mostra com mais representatividade e verdade o que somos. 
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Virgínia Macedo é estudante de cinema do Centro de Audiovisual de São Bernardo (CAV), em SP.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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