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quinta-feira, 23 de abril de 2020

Karimai e Zeca Baleiro: ‘capa por capa’



por Hudson Jorge

No ano 2000, a Região do Cariri recebeu a ilustre visita de um cantor e compositor emergente. Saindo do cenário da poesia e música marginal maranhense, Zeca Baleiro excursionava de forma meio tímida em uma turnê voz e violão, divulgando o seu segundo e recente álbum lançado: Vô Imbolá.

A equipe de “O Berro” resolveu que iria tentar uma entrevista com ele.

Depois de pensarmos em algumas possibilidades de como conseguir essa entrevista, Ythallo e eu rumamos para o escritório do produtor Jota Rodrigues, que era o contratante do espetáculo.

Após um momento de espera, conseguimos falar com ele e pedimos autorização para conseguir a entrevista. Ele disse que não tinha como autorizar e deu uma pista: “O voo dele tá previsto para chegar agora. Vão lá e tentem falar com ele!”. Simples assim… 
Saímos do escritório do Jota e coçamos nossos projetos de barba pensando se iríamos atrás disso. De repente, olhamos para o céu e vimos o avião embicando rumo ao pouso no Aeroporto de Juazeiro do Norte. Pegamos duas mototáxis e disparamos pra lá.

Um tanto aflitos e inexperientes, esperávamos no saguão. Não havia fãs e estávamos lá, nós dois, meio apreensivos.

Zeca entra no saguão e vai passando naturalmente, quando eu falei: “Zeca!”

Ele olhou para a gente, e acenou gentilmente com a mão. Fomos em frente, nos apresentamos e dissemos que tínhamos um “zine” e que gostaríamos de entrevistá-lo. Ele foi olhando assim meio que sem muita empolgação pra gente.

Por sorte, tínhamos os dois primeiros exemplares daquele ano conosco e os mostramos para um Zeca Baleiro pouco empolgado com a ideia. Ao ver, na segunda edição, estampada a manchete de uma entrevista com o artista plástico Luís Karimai, ele parou, arregalou os olhos e, por trás de um óculos semi escuros meio alaranjados, disse em voz alta com admiração: “Vocês entrevistaram Karimai?!?!?”. “Sim, entrevistamos...” e repetiu admirado: Vocês entrevistaram Karimai?!?!?. A gente começou a ficar meio com medo daquela reação. Então, ele disse: “Então, tá feito! Combinado! Vamos fazer a entrevista depois do show, no camarim!”... daí, o que se segue é que conseguimos, realmente, fazer a entrevista e, para isso foram necessárias outras tantas peripécias que dariam outras boas histórias.

Mas, o que ficou marcado daquele momento, foi ver um artista lá de tromba, como se diz no Ceará, já naquela época reverenciar o nome de um dos artistas plásticos mais expressivos do Cariri. Durante a entrevista, Zeca Baleiro citou ainda nomes como Abidoral Jamacaru e Cleivan Paiva, demonstrando sua apreciação pela arte caririense.

A obra e o nome de Luís Karimai já corriam o mundo e muitos de nós, ainda hoje, sequer temos a dimensão dessa expressividade toda.

Luís Karimai é pai de um de nossos amigos da época do ensino médio. Naquele tempo, para encontrá-lo, se a gente quisesse, bastava ir lá tomar um café, ou dar uma passada pela Associação de Amigos da Arte (Amar), ou encontrá-lo na rua caminhando ou participando de uma arrecadação de alimentos para pessoas carentes.

Essa capa da edição de O Berro “apenas” tem o nome do artista em uma das manchetes, mas, foi com ela que conseguimos a entrevista que saiu na edição seguinte.

Entrevista com Luís Karimai e Petrônio Alencar:
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terça-feira, 23 de setembro de 2014

II Encontro dos ex-alunos do IFCE (Juazeiro do Norte)



por Hudson Jorge

Parte I

Eu achei muito estranho o silêncio de Xico Fredson nos dois dias que antecederam o 2º encontro de ex-alunos da ETFCE/CEFET/IFCE (de Juazeiro do Norte). O bicho tinha feito tanto enxame choroso no Facebook nos últimos dois meses, no entanto, havia dois dias que calara o bico.

No dia do evento (20 de setembro de 2014), às 9h10, liguei para o celular dele. Só chamou. Liguei para o fixo. A pessoa que atende avisa que ele está dormindo. Insisto, dizendo dessa vez que era urgente. E de fato, era! O evento iria começar às 10h e o “cara de chibata” ainda tava dormindo.

Só ouvi quando a mãe dele, já conhecendo a peça, avisa para a pessoa que atendeu ao telefone: - Ele tá dormindo! Tu vai se meter à besta de acordá-lo?
- Mas, o rapaz disse que era urgente.
- Tá bom, tu quem sabe. Mas, bata na porta e saia correndo.

Dois minutos depois, Xico Fredson atende ao telefone com voz de ressaca: “Alô!”
- Ei meu fí! Acorda rapaz! Tu não vai não, é?
- Pra onde, ome?
- Como assim “pra onde”? Pro encontro de ex-alunos. Começa daqui a 50 minutos!
- Tô afim não, ó! To meio baqueado, tô com uma quase gripe, meio assim quase uma dor de garganta que afeta meu quadril. Acho que não vai dar dessa vez.

Não aguentei! Dei-lhe um racha! Daqueles rachas que um dono de armazém de grãos dá em chapeado sem razão alguma. Como seria possível, depois de todos aqueles apelos emotivos que mobilizaram dezenas de ex-alunos, Xico Fredson faltar àquele encontro? Sem noção mesmo!

- Acorda, cara de chibata! Até quando você vai ser assim!? Vá lavar esse rosto remelento, escove essa chapa e faça essa barba! Luís André vai passar por aí daqui a 30 minutos pra te levar.
- Mas, mas, mas...  (do outro lado da linha, dava perceber que ele tentava argumentar com beiços trêmulos!)
- Mas, nada! André chegará aí em 29 minutos.

Desliguei o telefone e fiquei me perguntando se, para a conservação do meu estado físico, deveria ter falado daquela forma com um cara de um 1,90m. Agora era tarde.


Parte II

Tá certo. Relembrar é viver, já dizia um ditado popular. Mas, relembrar os momentos vividos na ETFCE UnED Juazeiro do Norte, andando pelos seus corredores novamente, para mim é algo quase que inenarrável! Acho que só quem estudou lá, principalmente na década de 90 do século passado, talvez, saiba o que quero dizer.

Algumas coisas mudaram, mas, na essência, tudo continua a mesma coisa. (HAHAHA me lembrei agora da velha música: “A mesma praça, o mesmo banco...”).  O que mudou, mudou para melhor. O auditório, hoje em dia, parece uma nave interestelar. Não parece mais aquele velho galpão. Os laboratórios equipados! Sim, hoje em dia há recursos para a compra de diodos; as salas de aula agora são climatizadas, pois no tempo das chapinhas não se pode mais querer um ventilador tufão embaraçando cabelos lisos e encaracolados!

Ah sim! Velhos corredores! Quantas histórias os senhores nos contariam? Quantas angústias e alegrias juvenis têm aí gravados em suas memórias de concreto? Quantas?
Uma pequena parte dessas memórias foi relatada no horário da programação destinado para tal fim. Histórias alegres, histórias de superação; histórias de saudades; histórias de pessoas que já se foram, mas que deixaram suas marcas indeléveis em quem os conheceu: histórias de amigos! Sim, histórias de amigos.

Depois da recepção, do tour histórico e do momento revival, fomos agraciados com uma suculenta e deliciosa feijoada! Ainda tenho cá comigo que Reginaldo Farias não foi para esse evento por causa da carne de porco da feijoada! Perdeu, pleibói, perdeu mesmo!

Como ninguém sabia do paradeiro etílico de Ythallo Rodrigues, só nos restou mesmo ouvir de Barroso o relato fiel de quando o Gordim, tentando simular uma sobriedade, conseguiu esconder com perfeição um litro de Ypióca amarela num lugar entre a virilha e o umbigo! Ythallo tem o dom da mágica desde novinho, se tem.

Fomos brindados com uma belíssima apresentação da banda Dialogya, que tem no comando a ex-aluna e, segundo as próprias palavras dela, futura professora do então IFCE (ex-CEFET e sempre ETFCE), Adjanir Nascimento, relembrando os velhos tempos de MPBerro e Mostra Musical. Importante frisar: repertório inteiro de músicas autorais, cantado em bom português e com arranjos bem elaborados.

Como não podia deixar de ser, resgataram as velhas histórias de Aleide e a lenda do gerador. Só não conseguiram responder a velha pergunta: por onde andará Aleide? Por onde andará?

Agora, uma coisa me causou uma certa frustração: a feijoada não foi feita pelo Barroso! Foi encomendada a um bufê. Tava gostosa, mas não foi empregado ali o suor do Barrosão, e isso é uma pena, definitivamente.
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Alguns depoimentos do II Encontro de Egressos - ETFCE / CEFET  Juazeiro do Norte:

Prof. Barroso:


Hudson Jorge:


Prof. Barroso e Chico Júnior (Cagece):


Para ver outros vídeos do evento, acesse o canal Chico Júnior Show no Youtube.
Fotos: Chico Júnior e Tibério César.

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entrevista com Abidoral Jamacaru (edição 30 d'O Berro, ano 2000)

Arquivo Cariri # 18 | O Berro nas antas # 14


(Show no Dragão do Mar, Fortaleza. Foto de arquivo cedida por Abidoral Jamacaru)

Hoje, dia 21 de junho de 2012, quando o município do Crato completa 248 anos de emancipação política, resolvemos buscar no nosso arquivo uma entrevista com um ilustre filho cratense, o cantor e compositor Abidoral Jamacaru.

A entrevista aconteceu no ano 2000 e foi publicada na edição 30 da versão impressa d'O Berro (de novembro daquele ano). Àquela época, Abidoral Jamacaru havia lançado apenas o LP Avallon, em 1986 (em 2000 ainda não havia a versão em CD, lançada alguns anos depois), e o CD O Peixe, em 1998. E só viria a gravar outro trabalho em 2008, o CD Bárbara.

O bate-papo com Abidoral foi descontraído e durou horas, rendendo um vasto e rico material. E de tão extensa que foi a conversa, tivemos que fazer uma seleção de apenas alguns momentos. Confira.

por Hudson Jorge, Luís André Bezerra e Ythallo Rodrigues
participação de Cícero Oliveira (in memoriam)


O BERRO: As músicas de seu primeiro LP, Avallon (1986), foram bem mais executadas e divulgadas do que as músicas do CD O Peixe (1998). Qual a comparação que você faz entre as duas épocas?
ABIDORAL JAMACARU: É que antigamente a região era muito carente de alguém que a representasse, então um artista sair do Cariri e gravar no Sul era um motivo de orgulho para a região. E gravei no Sul naquela época, o que era dificílimo. As pessoas também já tinham criado a expectativa de quando eu gravaria o primeiro disco, porque fiquei bastante conhecido no período dos Festivais, isso fez com que as rádios tivessem aquela receptividade. Outra coisa que facilitou é que nas rádios daqui não existia tão forte a disseminação do jabá. Aí quando cheguei com meu trabalho O Peixe, depois de 12 anos, já não foi mais a mesma coisa. Mas aos poucos eu fui brigando, fui insistindo. O disco terminou aparecendo depois, mas não foi como na outra vez. As rádios comunitárias tiveram um papel importante na divulgação de O Peixe porque, embora as ainda não tenham vindo como a gente esperava, ainda são uma alternativa. Por exemplo, foi em uma rádio comunitária que fiz uma das entrevistas mais bonitas, com o Ciço Gnomo na Rádio Santa Quitéria. Por esse período também Chico César passou por aqui [no Cariri], falou de mim, depois chegou Zeca Baleiro e falou alguma coisa, a Cássia Eller quando veio para o Chama falou de mim. Então, o disco devagarzinho foi aparecendo e hoje ainda está rodando.

Você chegou a participar daquele [evento] Chama?
Eu fui até usado pelo Chama. Garantiram-me uma participação e me escolheram pra ser o presidente do júri. Eu trabalhando para o Chama o tempo todinho e não cobrei nada por isso. Perdi um show que tinha marcado para a Paraíba e deixei de marcar um em Fortaleza, em função desse daqui. E quando foi no dia eles cortaram meu show. Eu tive prejuízo nessa história toda. Não é que eles não me pagaram, até porque não cheguei a tocar, o problema é que deixei de fazer dois shows, três com o que seria aqui.

Voltando à questão entre Avallon e O Peixe: no que se refere a espaços para shows aqui no Cariri, qual a diferença entre as duas épocas?
A questão é que aqui tem uma cultura de se fazer show em bar que termina não sendo um show, mas sim uma música de entretenimento, porque você vai tocar músicas de pessoas conhecidas. E existem até os chavões: é muito difícil em qualquer bar não estar tocando Djavan. Teve um tempo que era só João Bosco, outro que era só Caetano Veloso. Então eu não vou sentar lá e cantar esse pessoal porque tenho uma obra a mostrar, tenho propostas. Posso até tocar um cara desses, porque vale a pena quando [a canção] é bem feita, bonita, mas não vou fazer todo um show em cima deles.

E na época do Avallon você se apresentava muito aqui?
Sempre tive muita dificuldade de fazer apresentações aqui no Cariri. É uma luta de muito tempo. Teve um tempo até que fui perseguido, pela questão política, no tempo da repressão. Não explicitamente, porque não havia nenhuma prova contra mim. Mas nesse período, inclusive, cheguei a ser preso. Eu estava tocando numa barraca na Exposição onde ficava a oposição, que naquele tempo era o MDB, que deu origem ao PMDB.

Quando foi isso mais ou menos?
Década de 70, acho que 76. Era Médici [na realidade, Médici foi presidente até 1974, em 1976 a presidência estava com Geisel], que jogava duro mesmo. Aí nesse período estava tocando na barraca informalmente, dando força a um cara que estava fazendo um trabalho de pesquisa sobre o Caldeirão. Então a polícia foi lá, bateu e prendeu todo mundo. Tiveram que me soltar logo, não tinham nenhuma prova contra mim. Mas, resultado: quando saí da cadeia nesse período sofri uma marginalização muito grande aqui no Crato, até os pais de alguns amigos os proibiam de andar aqui em casa, com medo dessa história todinha. Surgiu um boato que me prejudicou muito tempo, de que eu era um cara perigoso, usava drogas e que pervertia os jovens (risos). Foi tudo bolado pra criar uma imagem negativa em cima da minha pessoa, porque, de qualquer maneira, eu aparecia muito e naquele tempo não queriam ninguém que aparecesse e pensasse alguma coisa.

Aqui na época tinha núcleo do MDB?
Tinha um pessoal de resistência aqui. O MDB na verdade não era um partido, e sim um saco de alternativas. O PCzão e o PC do B existiam na clandestinidade, não podiam legitimamente concorrer à eleição. E qualquer pessoa que se manifestasse contra aquele regime, ainda que não fosse filiado a um desses partidos, era taxado como uma pessoa subversiva, de princípios religiosos duvidosos, de uma moral comprometida, porque antes de tudo não era um nacionalista. Tinha até aquele slogan: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

E comiam criancinhas. (risos)
E mais coisas: que a bandeira vermelha era a bandeira da guerra... Era tanta besteira, bobagem. Mas todas aquelas pessoas que não podiam se candidatar com suas ideologias próprias, entravam no MDB. E digo que era um saco de gatos. É tanto que dizem que Dom Paulo Evaristo, depois que houve a Anistia, escreveu um livro em que citou que a esquerda do Brasil só se unia na cadeia (risos). Então é em cima dessa afirmação que ainda hoje ela briga entre si. Quando ela está se juntando aí surge um partido mais radical e já nega tudo aquilo que os outros estão dizendo e rompe, é uma cisão. Mas tudo bem, o importante é que existam pessoas lutando e todas elas têm a intenção de que o país melhore. A ditadura tinha uma eficiência nas ações dela. E uma das eficiências foi a de apagar a memória do brasileiro. Todos foram anestesiados com festa e não sei o que mais lá.

Pão e circo...
Pão e circo, que é uma tática antiga. O filme O Gladiador já mostra bem essa transação. Houve isso, e ainda hoje eles tentam com essas vaquejadas (risos gerais). A Brahma bombardeia e quando você sai de uma vaquejada já estão anunciando outra. Que coisa terrível, né? E os vaqueiros agora são tudo filhinho de papai (risos), atrás de um prêmio que é um carro ou as coisas mais absurdas do mundo.

As pessoas passam toda a semana de terno e gravata e quando chegam no fim de semana colocam a bota e o chapéu de vaqueiro.
O pior é que não é chapéu de vaqueiro, é aquele chapéu de massa, copiando o americano. É a moda country. A coisa mais aberrante do mundo, mas tudo bem, no meio disso tudo tem pessoas como vocês [d'O Berro], que estão aí querendo sabatinar, né? (risos). E sempre tem essa moçada que segura a onda, isso é legal. Isso é o que nos dá a esperança de continuar, de batalhar e de perseverar com esse trabalho, procurando fazer o melhor possível cada vez mais.

Voltando à questão do show. Não existem bons espaços aqui para mostrar seu show? Tem um espaço agora super interessante que é o Navegarte, do Salatiel, que sempre teve boas ideias e vem trabalhando há um bom tempo com a cultura. O que está faltando para a região [do Cariri] melhorar nessa questão? Pois temos excelentes músicos.
O que Salatiel fez pela cultura, pelo menos aqui no Crato, foi o que todos os Secretários de Cultura que já estiveram por aqui não fizeram. Porque ele sempre fez um trabalho incondicional, bem feito, bem pensado e com honestidade. E com o Navegarte ele está procurando ainda criar uma estrutura para agir nesse aspecto. Ele vem agindo de certo modo, mas não é ainda como ele pretende. Ele pretende fazer um polo cultural lá, para que seja um espaço alternativo para todas aquelas pessoas que honestamente pretendem fazer uma arte, respeitando a estética e o conceito de construtivo. Então, ele abre esse espaço nesse sentido e eu acho muito importante.

Seria possível uma organização dos artistas do Cariri? Reunindo tanto a nova geração como os artistas que já batalham por espaço há algum tempo?
É muito difícil, mas é possível e seria uma boa saída, desde que ela tenha consciência, maturidade, porque tudo hoje funciona em grupo. Tem que funcionar dessa forma, porque o sistema imantado aí é muito forte, com tudo voltado para a questão do consumo daquelas pessoas que estão no ápice da pirâmide. E quem está concentrando essa renda domina todos os espaços e ela veicula o que quer, e a única saída seria essa união. Agora, até acontecer isso tem muita briga, pois é muito comum o jovem ainda não ter maturidade suficiente para entender a seriedade dessa reunião ou às vezes tem uns que se destacam com certo trabalho e o ego o desequilibra um pouco. Mas, por outro lado, o jovem tem aquela coisa do ímpeto, de acreditar mais, de lutar mais, entrar na ativa. E sempre no meio da turma tem um pessoal legal. É essa utopia saudável. Porque utopia é o lugar aonde não se chega, mas é lá que você objetiva e passando pelo caminho faz um monte de coisas.

Vemos a atuação de grupos isolados aqui na região e, muitas vezes, ao invés deles estarem unidos, ficam atacando uns aos outros. Como é que você vê essa separação?
Crítica ninguém evita, principalmente quando se está começando um trabalho e ele ainda não está amadurecido. Você pode ser até uma pessoa inteligente e ter ótimas idéias, mas você é vulnerável, porque você tem muito o que aprender, e muitas vezes o artista novo não aceita críticas. Eu mesmo não aceitava, reagia imediatamente, porque meu ego estava lá em cima. Quando comecei diziam que eu era inteligente, que eu era um artista, então meu ego subiu e, se alguém me criticasse, eu ficava aborrecido. Então, uma vez que nós artistas já somos carentes pela própria situação, terminamos na luta pela sobrevivência, um pisando em cima do ombro do outro para poder respirar. Isso acontece muito. A questão é com o tempo amadurecer e deixar isso de lado, porque na verdade está todo mundo no mesmo barco.

OLIVEIRA: Você acha que o som que fez no disco O Peixe é o mesmo que você fazia ou sempre fez?
Minha liberdade de criar eu prefiro não defini-la. Porque você acaba sendo um acúmulo de conhecimentos que vai adquirindo. Aí vai acrescentando no meio dessas coisas o estilo que você sempre sabia. E se você ficar se policiando por um estilo perde tudo isso. O meu trabalho talvez não tenha ficado envelhecido porque tive a liberdade de trabalhar como se fosse um trabalho atemporal. Com os pés no chão, mas não deixo de olhar pro céu, o espaço é infinito por aí.

OLIVEIRA: Estou perguntando isso para justamente fazer outra pergunta. Por exemplo, atualmente o que predomina são as fusões, fusão como as pessoas entendem hoje. Um exemplo: fazer um samba misturado com música eletrônica, misturado com rock, etc. Porque isso está “na crista da onda” e se não fizer “fica ultrapassado”.
Não existe essa cobrança de fazer isso, existe a questão de você se sentir bem sozinho. Quando parte do princípio da cobrança você passa a ser coagido e não é saudável.

OLIVEIRA: Já existiam aqueles cantos árabes, aí alguém vai e coloca uma batida eletrônica e explode no mundo todo...
Fundir ritmo com ritmo existe de duas formas. Existem os oportunistas e outros que pensam o seguinte: “eu tenho esse conhecimento dentro de mim, eu senti isso, e por que não vou me dar isso?”. Botar isso pra fora!. “Vomitar” no bom sentido. Por que estar me policiando? Eu não sou um purista. Não sou de fazer aquela música brasileira pura, eu gosto da irreverência do rock, da profundidade do jazz, da música erudita pelo seu manancial que hoje serve para todo mundo, que é você mexer com escala acromática...

Fala um pouco sobre o grupo Nessa Hora, que você tinha na década de 1970. Como era o som dele...
Nos anos 70 existiam uns festivais de música que revelaram muita gente boa do Cariri. Meu irmão, o Pachelly [Jamacaru], tem idade de ser meu filho (risos), mas ele só vivia no meu pé, aquela coisa de louco pelo trabalho. Peguei ele e mais dois amigos seus, na faixa de 13 ou 14 anos, e eu já com quase trinta, falei: “vamos formar um grupo diferente”. Mas Pachelly disse: “a gente não sabe nem tocar!”. Eu disse: “aprende!”. Aí eu ficava aqui dentro de casa na semana, com esses três meninos. E passamos quase um ano ensaiando. Nesse tempo eu estava com tanta raiva dessa história de todo mundo definir que “música boa era essa, música boa era aquela”, que combinei com os meninos de a gente não ouvir mais rádio, não ouvir mais disco de ninguém. E a gente descobriu som em tudo... A gente batia na porta e dizia: “A porta tem som”. Então, vamos aproveitar o som desta porta! Saímos fazendo experiência com tudo. A gente chamava o grupo Nessa Hora porque foi o grupo “nessa hora” que decidiu. Como terminamos esse trabalho, pintou um Festival, então entrei com esse grupo cheio de meninos e fomos cantar uma música chamada “Margem Virgem”. Pachelly com o pífano, que tinha aprendido com os Aniceto, mas também cheio de informação de Jethro Tull, era uma misturada danada. Vinha Aldízio e Paulinho misturando as percussões dos “reisados” com Djalma Correia, Naná Vasconcelos, etc. Tínhamos a liberdade trabalhar com o que era bom. Então entramos no festival com essa música “Margem Virgem”. Quando a gente tocou, a quadra ficou parada, todo mundo sem entender nada (risos). Uma letra hermética, avançadíssima, meio filosófica, com um som experimental, mas ao mesmo tempo gostoso, ritmado, porque tinha alguma coisa da música russa, foi uma salada danada, que causava um impacto, uma surpresa. E o resultado? Batemos o recorde do festival: ganhamos a melhor música, o melhor arranjo, o melhor intérprete, melhor letra. Até a gente se surpreendeu, porque a gente não esperava.

E os meninos aprenderam a tocar? (risos gerais)
Claro! Aldízio vive hoje tocando no Japão, não sei mais onde, ele é chamado de Aldízio Tapioca; Chico Carlo que, também chegou a tocar com a gente, está tocando com Almir Deodato nos Estados Unidos; Paulinho toca com um grupo de rock da pesada, em São Paulo; e Pachelly tem um trabalho do qual vocês já tomaram conhecimento. A não ser os cantores, um deles foi assassinado e o outro é sobrinho de um candidato a prefeito, e esse desandou mesmo (risos gerais).

Era bom ficarmos falando das coisas boas mas, de lá pra cá, e principalmente atualmente, o que é ruim incomoda bastante. Você não tem televisão em casa, é menos bombardeado com essas “más influências”, mas como é pra você saber que aquele espaço poderia ser seu? Pois lá o que tem é gente se passando por artista.
Não tenho mais a ilusão de que a boa música vá ocupar o cenário brasileiro, porque a minha opção foi de estar bem comigo. Então, num país em que o mercado fonográfico é considerado o sexto do mundo, se não me engano, e que todas as grandes gravadoras que estão aqui são multinacionais, nenhuma delas tem compromisso com a cultura, mas sim com o faturamento. Então não acredito, a não ser que a boa música venha a ser um modismo...

Que acaba tendo seu lado prejudicial...
Mas se vier deixa alguma coisa boa.

Já pensou Gugu ali na banheira apresentando Abidoral, Chico Buarque, Hermeto Pascoal, todos na banheira caçando sabonete? (risos gerais)
A gente ia imitar os índios, tem o nu puro (risos). Os índios fazem isso com a maior pureza. Eu iria lá cantar nu, sem maldade nenhuma (risos). Mas quanto à nudez, que coisa mais bonita era a nudez do índio, a pureza acima disso tudo, sem maldade.

O nome de seu CD, O Peixe, é o título de um poema de Patativa do Assaré. Você tinha quatro nomes pra escolher e sua intenção foi a de simplesmente homenagear o grande Poeta do Sertão?
Olha, aqui na região ele "já existe" há décadas, e de uns anos pra cá é que o descobriram e ele estourou no mundo inteiro. Mas eu já tinha conhecimento de Patativa desde criança, porque ele era cliente do armarinho de meu pai. E tive a felicidade de que esse armarinho tivesse uns clientes importantes, com quem eu convivia. Um era Luiz Gonzaga, o outro Patativa do Assaré, e Cego Oliveira, os [Irmãos] Aniceto...

Quando foi isso mais ou menos?
Meu pai foi comerciante de 1927 até o final da década de 60 e início de 70. Há muito tempo, então, conheço Patativa. Quando ele estourou apareceu muita gente fazendo parceria e, quando ele percebeu que tinha muita gente em cima de seu trabalho, fez um poema chamado “Cante lá que eu canto cá", chamando bem a atenção: "poeta lá da cidade cante suas coisas lá que eu canto minhas coisas aqui do sertão”. Eu tinha vontade de fazer parceria com ele e recuei, voltei atrás. Quando foi outro dia, li "O Peixe", aí se você percebe direitinho, a letra é bem elaborada e de certo modo meio erudita. Os primeiros versos dizem assim: "tendo por berço o lago cristalino / folga o peixe a nadar todo inocente / medo ou receio do porvir não sente / pois vive incauto do fatal destino / se na ponta de um fio longo e fino / a isca avista ferra-a inconsciente / ficando o pobre peixe, de repente / preso ao anzol do pescador ladino". Uma linguagem que vinha até a cidade. Eu disse: "aí eu posso cantar" e aproveitei, já que me chamaram para cantar numa dessas homenagens e a homenagem que achei foi a de musicar esse poema. Não estava nem pensando em gravar o disco ainda. Então, quando o disco apareceu, eu gravei e veio a questão do nome. Por que o nome O Peixe? Comecei a notar que havia uma série de fatores. Nós estamos terminando a Era de Peixes e entrando na Era de Aquários, e Aquário é aquele que dá comida aos peixes.

E a capa, retrata o fóssil?
A capa é também sobre os fósseis, que são nossas riquezas do conhecimento histórico, que dão uma importância muito grande à região do Cariri.

E que por sinal estão sendo roubados...
Pois é, estão sendo roubados. E todas essas coisas se somaram e vieram dizer que o nome do disco seria O Peixe.

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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Entrevista com Zeca Baleiro (publicada na edição 29 d'O Berro, no ano 2000)

O Berro nas antas # 13

Reproduzimos aqui uma entrevista que a equipe d'O Berro fez com Zeca Baleiro, no ano 2000, e que foi publicada na edição 29 da versão impressa do fanzine, em maio daquele ano.

Observação: por ter sido uma entrevista feita quase 12 anos atrás, naturalmente há algumas opiniões e situações que refletem apenas aquele contexto específico. Na parte que Zeca Baleiro menciona a banda Los Hermanos, por exemplo, lembremos que a conversa foi na época em que a banda carioca havia estourado nas rádios, exclusivamente pela execução maciça (e impregnante) da canção "Anna Júlia". Vamos à entrevista:
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Fim de show no Crato Tênis Clube, o relógio já marca quase 3 horas da manhã e Zeca Baleiro avisa que irá receber todas as pessoas que desejam falar com ele. Bastante atencioso com os fãs (isso já por volta das 4 horas da manhã), ele manda avisar à equipe d’O Berro: "trato é trato, a entrevista [previamente marcada] ainda está de pé". Depois de mais uma espera, finalmente acontece o bate-papo, não mais no Clube, e sim no Hotel Verde Vale (em Juazeiro do Norte), à beira de piscina, “tentando descansar”. O papo rolou até o nascer do sol.

O BERRO: Você já está se preparando para entrar em estúdio ?
ZECA BALEIRO: É, vou dar uma parada agora. Farei alguns shows no interior de São Paulo e no fim de junho mais alguns na Europa. Então, em junho estarei entrando em estúdio para fazer um novo disco.

No último disco [Vô imbolá, de 1999] a grande característica foi a influência eletrônica, fazendo até um contrapeso com a “música de raiz” nordestina, e você certa vez comentou que o próximo seria mais “violonístico”. Qual será a característica do próximo disco?
Este disco [que viria a ser o Líricas, lançado ainda no ano 2000] vai ser muito simples, semi-acústico, com uma sonoridade bem suave, contrastando com esse Vô imbolá, em que eu queria fazer uma coisa grandiosa e até ruidosa. Em um certo sentido acho que ele cumpriu seu papel. Agora ele já está meio esgotado: um ano fazendo cerca de 110 shows nesta turnê, que geralmente foram feitos com a banda, com uma alma, barulhenta, bem rock’n’roll. Então acho que é uma coisa natural eu querer fazer uma coisa mais introspectiva, mais baseado em canções, em baladas.

Qual é a preocupação de se valorizar o novo (a tecnologia, efeitos eletrônicos na música) sem esquecer as raízes?
Acho que essa é a grande ponte que a gente tem que fazer: entre tradição e modernidade. Você não pode abraçar a tecnologia como meio de expressão contemporânea e esquecer a tradição. De certa maneira, meu trabalho é muito calcado nas raízes da música brasileira, da cultura popular, mas usa eletrônica. A tecnologia pela tecnologia é vazia. Se usar, “olha como eu sou moderno”, mil recursos e tal, e daí?! É nada! Na verdade, a tecnologia é um meio e não um fim. A tecnologia deve estar a serviço de uma expressão, de um sentimento, de uma coisa maior.

Comente sobre sua amizade com Lobão, que está novamente na mídia, e sua participação no último CD dele.
Na verdade eu me considero um cara de muita sorte, pois desde que eu surgi no cenário nacional participei do Acústico da Gal Costa e depois disso já participei do disco do Lobão, do Martinho da Vila, do Songbook do Chico Buarque e mais recentemente do CD do Trio Nordestino, que é um trio histórico. Então, estas coisas para mim são um prêmio, uma recompensa. Fico muito feliz e me considero um cara privilegiado por poder me relacionar com estas pessoas que são referência para mim.

Você enviou uma letra para o Lenine. E aí, ele já musicou?
Como você sabe disso?
Andamos investigando... (risos)
Mandei a letra para ele, mas que eu saiba até agora ele não musicou. Fizemos um trabalho juntos: eu, Lenine, Chico César, Paulinho Moska e o Marcos Suzano, uns dois anos atrás, que foi o espetáculo “5 no palco”. O show andou por umas doze cidades do interior de São Paulo e foi fantástico. Tentamos fazer um disco depois, mas houve um problema com a gravadora do Lenine. Emperrou lá o processo, então não deu, mas virou um especial de fim de ano da TV Cultura.

Já que você citou a gravadora, há pouco tempo estava em evidência uma grande campanha contra a pirataria, que Lobão criticou bastante. Você participou de um bate-papo na revista Caros Amigos, onde isso foi discutido, o domínio das gravadoras, etc. Mas olhando seu CD, tem o selinho para denunciar a pirataria... Pergunto: quando a gravadora impõe, não tem muita negociação? O artista acaba limitado mesmo?
Esta é uma questão bem complexa. Aquela matéria da revista foi boa, mas nada elucida tanto, no Brasil principalmente, por não existir uma legislação atualizada. Quanto à pirataria, não dá para fingir que ela não é um problema. O Lobão tem um discurso diferente do meu. Faço parte de um selo que é filiado a uma gravadora, a Universal (a maior gravadora do país), e o Lobão está em um esquema totalmente independente. E o que ele está propondo é uma coisa rara, de vender disco [o álbum A vida é doce, de 1999] em bancas de revista a um preço acessível. A gente tem uma afinidade mas eu não assino em baixo de tudo que ele pensa e fala, e vice-versa. A relação com a gravadora tem que ser estratégica. Por que hoje eu, por exemplo, posso vir ao Crato tocar para um público? Porque tenho o suporte de uma gravadora. Então, não se pode só achincalhar a gravadora. É sempre uma relação difícil, porque a gravadora quer vender e o artista quer criar, mas acho que você deve se adaptar de uma certa maneira sem fugir dos seus princípios.

Mas há um prejuízo muito grande para o artista por causa da pirataria, ou apenas para a gravadora?
O artista sai prejudicado também, porque grande parte da renda de um artista são os royalties [recebimentos de direitos autorais], e quando alguém compra um disco pirata isso não é computado. Agora, nesse esquema de arrecadação de direitos autorais há muita corrupção. Mas eu acho que há outros problemas, o buraco é mais embaixo. Por exemplo, eu acho o preço do CD no Brasil caro. As gravadoras têm mil argumentos para dizerem que não, que o preço cobrado deve ser esse mesmo, mas eu acho vinte reais um valor muito alto. Mas o mercado tem uma lógica, uma lógica às vezes cruel e perversa, e eu sou apenas um artista.

Sempre há alguém tentando começar a carreira, no Cariri ou em qualquer lugar. Alguns têm que sair de sua terra para conquistar espaço, e você quando foi para São Paulo detestava tocar na noite, por quê? E quais são realmente as “temidas dificuldades do começo”?
Eu detestava porque sempre me considerei um autor e nunca gostei de reproduzir música dos outros, fazia isso por sobrevivência, e fiz pouco tempo porque não suportei. Foi interessante, “a noite é uma escola”, todo mundo fala isso. É uma escola para o músico, onde se aprende muita coisa, mas é um trabalho muito vicioso também: você fica naquela de tocar os sucessos de outros artistas. Quando você não tem um trabalho próprio isso é maravilhoso, mas quando você tem a intenção de ser um criador fica uma coisa meio chata.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

15 anos de O Berro: ativando a memória e postando no blog



Como diria o brega-star cearense Falcão (ou um dos seus heterônimos), "no começo, tudo é início"*. E O Berro um dia teve o seu começo, que consequentemente era, segundo a filosofia falconética, o início. Isso há exatos 15 anos: em outubro de 1996.

Com a atual atividade berrística — de atualizar este blog, desenvolver algumas atividades paralelas e, portanto, seguir com o trabalho ativo — não podemos "escapar ilesos" de data tão emblemática. Não nos resta outra alternativa senão relembrar (para alegria de uns e decepção de outros) alguns fatos, matérias, eventos, desenhos, aberrações (com e sem trocadilhos), marmotas, besteiras e outras coisas mais que fizeram parte dessa trajetória, que continua em construção.

Recorrendo mais uma vez à catilogência da filosofia de Falcão, podemos dizer que neste percurso de outubro de 1996 a outubro de 2011 "como tudo na vida, há coisas boas e ruins, sem falar nas mais ou menos". E só nos resta revirar a memória em postagens que aparecerão neste blog nos próximos dias, nas próximas semanas, etc.

Todos os amigos e leitores que acompanharam um pouco desse percurso também podem colaborar com histórias e causos que envolveram O Berro nestes 15 anos de muita azucrinação e, principalmente, muita amizade (sempre na companhia da arte: ouvindo muita música, realizando eventos, discutindo cinema, poesia, etc.). Basta enviar o depoimento para o e-mail oberro.net@gmail.com ou para o nosso perfil no Facebook.

A história deste blog e d'O Berro segue em frente, inclusive ao tentar relembrar coisas passadas. Mas sem deixar de mirar o presente e o futuro, pois Falcão justifica essa percepção no fato de que "aonde a gente for, a gente vai" e "o motivo é a causa principal".

Esperamos ter pelo menos um pouco dessa catilogência por 15 + 15 + 15 + 15 anos...

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* Citações de Falcão (e heterônimos) contidas em Leruaite: dog's au-au it's not nhac-nhac.

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domingo, 5 de junho de 2011

MPBerro no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 1998

Arquivo Cariri # 06
O Berro nas antas # 11

5 de junho é o Dia Mundial do Meio Ambiente. E nessa data, em 1998, O Berro organizou a primeira edição do MPBerro.

Hoje, 13 anos depois, reproduzimos uma matéria publicada no Jornal do Cariri no dia do evento, divulgando o show que seria realizado no final da tarde, no Auditório da Escola Técnica Federal do Ceará - UnED Cariri — que depois passou a ser CEFET e hoje é o IFCE. Confira a matéria publicada no Jornal do Cariri:

Jornal do Cariri, edição de 5 de junho de 1998:

MPBerro hoje na Escola Técnica

O jornal cultural O Berro foi criado pelos alunos da Escola Técnica Federal de Juazeiro, como forma de valorizar o artista e questionar a sociedade

Ainda dentro das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente, será realizado hoje, a partir das 16h, no Auditório da Escola Técnica Federal de Juazeiro do Norte, um show musical com participação de três bandas — duas de Juazeiro e uma de Barbalha. A promoção é do jornal O Berro, que realizará o show intitulado MPBerro, já que o jornal tem cunho cultural e ecológico. O ingresso custará apenas um quilo de alimento não perecível ou R$1,00. No caso de alguém levar mais de um quilo de alimento, passará a concorrer a vários brindes, como agendas, CDs, discos, entre outros. A renda do show será destinada aos favelados do sítio Boca das Cobras, em Juazeiro.

Um dos grupos musicais que participará da festa é o Tom da Hora, formado por James, Saulo, Vládia e Raquel, alunos da Escola Técnica, que interpretarão músicas de Tom Jobim, Caetano Veloso, Djavan, Marina, entre outros. Já o grupo Rádio Caos é de rock, também formado por alunos da Escola, que intepretarão músicas de Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs e Nirvana.

O último grupo a se apresentar será Os Peleja de Barbalha, cantando músicas de Caetano, Gil, Milton Nascimento e outros mestres da MPB.

Segundo Reginaldo Farias, coordenador do evento e do jornal O Berro, o trabalho tem como objetivo, além de angariar fundos para os favelados, valorizar os artistas, principalmente os da Escola Técnica Federal, já que o jornal é educativo e foi fundado pelos próprios alunos, em outubro de 97 [na verdade, foi em outubro de 1996], para defender os interesses da instituição, com o apoio dos dirigentes.
(5 de junho de 1998)

terça-feira, 24 de maio de 2011

TV em Juazeiro a serviço de quem?

Centenário de Juazeiro do Norte # 41
O Berro nas antas # 10

Recordo-me que, quando apresentei o texto que vem logo abaixo à equipe para a edição de nº 28 de O Berro, foi levantada entre nós uma discussão a respeito do papel da TVE Padre Cícero — abrindo espaço para que Luís André emitisse sua opinião rápida, rasteira e acertada sobre a atuação da TV juazeirense naqueles tempos, num artigo também reproduzido abaixo.

Passados todos esses anos, podemos hoje girar o botão de nossos receptores e encontrar dois canais de TV’s instalados em Juazeiro do Norte, transmitidos para praticamente todo o Cariri: a TV Verde Vale e a TV Verdes Mares Cariri. A TVE Padre Cícero não resistiu à pressão e acabou fechando e, recentemente, passou a realizar suas transmissões através da internet, no endereço www.tvpadrecicero.com.br.

Apesar dessas TVs terem em seu propósito interesses comerciais e políticos, dando o pitaco na programação, podemos ver a região melhor "assistida" do que há 11 anos. Mas, ainda assim, nos falta um pouco mais — como já faltava naqueles tempos.

Ainda falta nas TVs locais um espaço real para a valorização da cultura local. Quando falo cultura, não falo somente de manifestações artísticas. Falo, na verdade, de programas que realmente estimulem a valorização de quem somos e que façam com que enxerguemos o que as pessoas de fora (de outros estados e outros países) enxergam e valorizam no Cariri, no seu povo, na sua cultura, na sua história e na sua arte.

Precisamos de TV’s que resgatem o que fizemos no passado, e nos ajude a melhorar o que fazemos no presente e o que faremos no futuro.

Se for apenas para ficar tentando reproduzir o padrão das TVs do Sudeste, já nos bastam a Globo, o SBT e a Record, que diariamente nos bombardeiam com as coisas mais fúteis possíveis, querendo transformar toda uma nação em uma coisa que ela não é, nem nunca foi.


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Abaixo, os textos publicados na edição 28 d'O Berro
(junho de 2000):

TVE Pe CÍCERO

Benefícios X Inimigos

Por
Hudson Jorge

Pertencente à Fundação Gilberto Loyola de Alencar, a TVE Padre Cícero está no ar desde o dia 23 de março de 1999. Com pouco mais de um ano de existência, a emissora já conta com mais de 15 transmissões ao vivo, fato que merece destaque, visto que seus equipamentos ainda são simples (VHS), quando já vivemos a era digital.

Um dos benefícios que a TVE Pe. Cícero proporcionou foi a retransmissão da TVE Brasil, um canal que se destaca por promover a cultura e a educação. Contudo, o que lhe permite ter hoje uma boa audiência é a cobertura de eventos na região do Cariri.

Com seu projeto em Brasília desde o dia 20 de maio de 1999, a TVE Pe. Cícero espera por sua regularização junto ao ministério das comunicações. Esse Projeto deve demorar de 3 a 5 anos para ser aprovado. Por enquanto, a TV funciona devido a uma liminar da Justiça, que pode ser derrubada a qualquer momento. Atualmente, a emissora gera 10 empregos diretos, número que poderá triplicar com a sua regularização.

Enquanto isso, a emissora tem sido alvo de diversas ações contra o seu funcionamento. Segundo Roberto Bulhões, diretor da TVE Pe. Cícero, os interesses comerciais das empresas que dominam o mercado de comunicações são muito fortes, “além disso, vem a ACERT ‘pressionando’ a ANATEL que por sua vez ‘pressiona’ a Polícia Federal e se a emissora estiver ilegal, eles a fecham”.

Pensando nisso, está sendo realizada uma campanha de coleta de assinaturas em prol de sua permanência no ar, cuja meta é “atingir 100 mil assinaturas para que possamos levá-las ao ministro das comunicações demonstrando que a população da cidade deseja que a TVE Pe. Cícero permaneça no ar”, diz Bulhões.

Inimigos à Espreita

Podemos observar que TVE Pe. Cícero conquistou alguns inimigos, que argumentam que a emissora não possui qualidade em suas transmissões tampouco em sua programação. Mas, segundo Bulhões, estão por vir mudanças significativas, como aquisição de novos equipamentos e a elaboração de programas informativos, educativos, culturais e de entretenimento.


OPINIÃO

Por
Luís André Bezerra


Esperava eu que a TVE Pe. Cícero fosse um espaço para boas produções da região do Cariri, mas, infelizmente, ainda estou para ver isso. Vá lá que os equipamentos são modestos, e que cobrir eventos da “high society” tem importância para algumas pessoas, mas não entendi ainda o fato da TV situar-se numa região tão rica culturalmente e não se aproveitar disso, o que abrilhantaria, e muito, sua programação.

Também não a vejo como um espaço para discussões de melhorias da cidade de Juazeiro do Norte. Parece até que tudo está caminhando perfeitamente, coisa de primeiro mundo... Então, acredito que devemos lutar pela legalização da TVE Pe. Cícero, sim, urgentemente, mas também exigir que ela tenha novas propostas, que seja menos conservadora, que procure enxergar um pouco além da aparente mesmice da região.

Precisa-se olhar para os "porões", para os "artistas malditos", os artistas desvalorizados, para poder enxergar além do óbvio. E não são necessários muitos recursos para isso, basta vontade. Existem centenas de artistas juazeirenses que não têm oportunidade de divulgar sua arte e de ensinar isso, como uma forma de doar oxigênio para nossa cultura. E quanto ao óbvio, citado anteriormente, precisa-se lutar para que ele melhore. Um exemplo disso: exibir a romaria e não discutir o horrível tratamento dado aos romeiros em Juazeiro é um tanto hipócrita, é apenas aumentar a estatística de exploração dos mesmos. Para deixar as coisas inertes, já basta quem está no poder contra nós.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Juazeiro do Norte na contramão da história (parte II)

Centenário de Juazeiro do Norte # 35
O Berro nas antas # 09


Trazemos hoje mais um texto publicado na versão impressa de O Berro. O ano era 2000, a edição era a de nº 30 e o mês era novembro.

Nosso angustiado colaborador cita alguns problemas ambientais na cidade de Juazeiro do Norte — no caso, a ocupação irregular de calçadas e ruas no centro da cidade.

Há 11 anos, Gilson de Araújo Pereira dizia em seu texto que Juazeiro do Norte estava na contramão da história. Em 2011, vemos que algumas coisas nesse sentido melhoraram, como é o caso da Rua São Paulo — entre as ruas Santa Luzia e Alencar Peixoto. Mas recentemente pudemos acompanhar o episódio em que o Ministério Público determinou que se retirassem das calçadas churrasqueiras e mesas de bares e restaurantes — principalmente na rua São Francisco, em frente à Praça Padre Cícero.

Menos de dois dias depois da determinação, alguns donos de restaurantes se reuniram, segundo noticiaram alguns veículos da imprensa, e tomaram a decisão de que o "jeito" seria demitir alguns funcionários para minimizar as perdas. Diante de tal argumento, os orgãos fiscalizadores voltaram atrás e permitiram que as mesas, cadeiras e churrasqueiras continuassem a tomar ruas e calçadas.

Bom, aí me vem à cabeça: por que se pode voltar atrás dessa decisão e não se pode voltar atrás da que impediu que os verdureiros mantivessem suas barracas na rua São Paulo? Seria por que, em sua maioria, a categoria dos verdureiros tivesse menos pessoas influentes no seio da política e da sociedade juazeirense?
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Abaixo, o texto publicado na edição 30 'O Berro (novembro de 2000):

Contra a mão da história

Por Gílson de Araújo Pereira

No cotidiano da cidade de Juazeiro do Norte podemos notar situações bem peculiares dessa cidade, como, por exemplo, trafegar pelo meio da feira em frente ao mercado central na Rua São Paulo; é uma verdadeira aventura: os motoristas que se arriscam a fazer isso, principalmente em dia de sábado, se veem obrigados a desviar desde carroceiros mal humorados, que nunca se preocupam em dar passagem a pedestres desavisados que, por sua vez, não sabem que, antes de ser uma feira, ali é uma via pública. Os comerciantes não têm culpa, pois precisam ganhar o sustento das suas famílias. O poder público é que deveria agir, disciplinando outro local para a instalação dessa feira, pois, além de facilitar a vida de comerciantes, consumidores e motoristas, num espaço maior e mais organizado, possibilitaria o aumento do número de vendedores e a consequente criação de mais empregos para a nossa população.

Quem conhece outras cidades do porte de Juazeiro do Norte e consegue perceber a constante preocupação de seus governantes em facilitar o fluxo de carros no centro da cidade, fica a imaginar que em nossa cidade não existe essa preocupação, e o que é pior: comprovado pela dificuldade de se transitar no centro de Juazeiro, principalmente pela rua São Pedro; pela calçada não há espaço, pois ela é tomada, se não pelos camelôs, pelas mercadorias das próprias lojas. A alternativa é a rua que já seria estreita, mesmo se não fosse grande o número de carros estacionados.

Juazeiro do Norte parece estar na contramão da história, enquanto já existem cidades no Nordeste fazendo projeto de revitalização de seu centro, como é o caso de Campina Grande — onde a prefeitura está transferindo camelôs, criando espaços alternativos de acesso ao centro e até demolindo prédios para facilitar o tráfego. Em Juazeiro, alguns proprietários de bares fecham todo um quarteirão para fazerem suas festas, impedindo o fluxo normal de veículos naquela rua.

Quanta diferença e quanto atraso...
(novembro de 2000)

sábado, 14 de maio de 2011

Cordelistas Mauditos no dia da mentira (ano 2000)

Centenário de Juazeiro do Norte # 31
O Berro nas antas # 08

Hoje resgatamos mais uma matéria publicada em uma antiga edição d'O Berro.

Contextualizando o texto "resgatado": era ano 2000 e o país estava em meio às comemorações pelos 500 anos de descobrimento das terras brasileiras pelos portugueses.

Obviamente que, perante data tão simbólica, polêmicas não faltaram. E em Juazeiro do Norte, cidade que ainda iria completar 89 anos de fundação na época, a polêmica girou em torno de um grupo de cordelistas que propunha revolucionar a literatura de cordel, lançando novas formas e temáticas nos folhetos publicados pela Sociedade dos Cordelistas Mauditos (que há 11 anos anda com a mesma observação: é assim mesmo, com "u").

No dia do evento (01-04-2000), a equipe d'O Berro foi conferir. A nossa edição de abril daquele ano já estava praticamente fechada. Mas acabamos procurando um jeito de encaixar o registro daquele acontecimento. Ythallo Rodrigues fez um pequeno texto narrando o que se passara no SESC Juazeiro. Devido à falta de espaço na edição e à correria para enviar o jornal para a gráfica, as polêmicas em torno da "modernização" ou não da cultura dita "popular", que renderam acalorados debates, acabaram não tendo espaço no nosso texto. Mas valeu pelo registro rápido e rasteiro... enfim, O Berro estava lá!

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Abaixo, o texto publicado na edição 28 'O Berro (abril de 2000):

Agora são outros 500

por Ythallo Rodrigues

Era dia da mentira e verdadeiramente acontecia mais um evento cultural em Juazeiro do Norte. Foi no SESC o lançamento dos Cordéis da Sociedade dos Cordelistas Mauditos.

Houve, antes de tudo, uma palestra com o Prof. Fábio José, falando, num âmbito geral, da história literária desde suas origens, na Grécia antiga, até o modernismo e a libertação de padrões pré-estabelecidos. Foram palavras rápidas, mas bem esclarecedoras. Em seguida, a Profª. Cláudia Rejane colocou seu ponto de vista com relação à literatura popular e deixou uma pergunta bem interessante no ar: “será que realmente existe uma literatura popular?”. O poeta Abraão Batista também expôs sua opinião a respeito do cordel e suas raízes.

Logo após foram chamados os cordelistas mauditos: Daniel Batata, Camila Alenquer, Edianne Nobre, Fanka, Fernandes Nogueira, Hamurábi, Hélio Ferraz, Júnior Boca (Geraldo Júnior), Onofre Ribeiro, Orivaldo Batista, Salete Maria e Wilson Silman, sendo assim iniciado um debate com a participação de todos os presentes. O cordelista maudito Hamurábi fez um breve recital, seguido por uma encenação de Edianne Nobre e Orivaldo Batista, relacionada a cordéis que foram lançados.

O evento prosseguiu com apresentações musicais. Primeiramente, Camila Alenquer no violão fez dupla com Francisco Ferreira [Di Freitas] no violoncelo. O pessoal do hip-hop apresentou-se com bastante dignidade e não decepcionou. Ciço Gnomo, logo em seguida, com participação de Cleide Rodrigues, deu um clima de descontração ao evento; e Hélio Ferraz fez o encerramento, com uma pequena participação de Camila Alenquer.

O acontecimento promovido pela Sociedade dos Cordelistas Mauditos foi realmente de uma diversificação muito boa e mostrou: quando se quer, sempre se consegue. Não importa o meio artístico, e sim o empenho.
(abril de 2000)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

As antigas, as novas e as eternas poluições do Juazeiro

Centenário de Juazeiro do Norte # 29
O Berro nas antas # 07

Algumas coisas são costumeiras em Juazeiro do Norte: calçadas estreitas; calçadas ocupadas ilegalmente; a reclamação da população por ver as calçadas ocupadas; e a reclamação (de parte) da população quando algo é feito para combater esses "vícios" (mas que muitos parecem se acostumar e dizer "deixa assim mesmo").

Portanto, não deixa de causar discussão a operação do Ministério Público que, esta semana, começou uma operação para desobstruir calçadas ocupadas por comerciantes no centro de Juazeiro. Segundo o promotor José Carlos Félix da Silva, que está à frente da operação, todos foram comunicados sobre a operação há um ano e agora está apenas cumprindo a promessa de recolher o que os comerciantes não retiraram.

Mas esta nossa postagem sobre o Centenário quer apenas pegar carona nesse assunto atual para pescar um texto publicado pelo Berro há 11 anos, sobre o "Festival de Poluição de Juazeiro do Norte". Veremos no texto, assinado por Reginaldo Farias, que algumas coisas mudaram (para melhor, incrivelmente, como a retirada das placas luminosas no centro). E que outras coisas, infelizmente, continuam do mesmo jeito e outras, quem sabe, pioraram.

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Texto publicado originalmente na edição 28 d'O Berro (abril de 2000):

Juazeiro: poluição moral

por Reginaldo Farias

Juazeiro está entregue nas mãos do "Deus dará". Ao que parece, nossos órgãos de fiscalização não estão desempenhando bem suas funções. Mostra disso é a grande quantidade de poluentes em nossa cidade. Não me refiro a gases tóxicos lançados por carros, indústrias, etc., refiro-me à grande quantidade de sujeira visual, sonora e locomoção de nosso município.

Quem já andou pela principal rua do centro comercial juazeirense sabe do que estou falando. Como se já não bastasse o número crescente de consumidores andando pelas calçadas, os nossos lojistas infestam este espaço destinado aos pedestres com suas mercadorias, obrigando a estes ocuparem a rua. Considero até louvável a construção das rampas para deficientes, mas se o trânsito de pedestres pelas calçadas já é difícil, imaginem para os deficientes.

Mas Juazeiro continua crescendo e, pelo que parece, cresce também a ignorância dos responsáveis por nosso meio ambiente e por nosso comércio. É uma tortura sonora transitar na rua São Pedro. O que se ouve é uma competição entre lojas para ver quem é capaz de deixar o consumidor surdo. A cada dia as lojas investem em sistemas de sons que entopem o ouvido do consumidor com suas porcarias musicais.

Positivamente, temos a "Rádio Centro", que coloca nesta tumultuada rua uma boa programação musical e comercial num volume ambiente, inclusive bem aproveitada por uns poucos empresários deste centro.

Mas como não poderia faltar, contamos ainda com um agravante para a nossa visão: a sinalização de nossas lojas. Sinto-me um autêntico chinês andando por "aqueles" bairros cheios de lojinhas e de um número ainda maior de placas com letrinhas riscadas. Lembram? "Aqueles" dos filmes de aventura, onde geralmente aparecem uns carinhas jogando facas para todos os lados e voando por entre os prédios. E quando chega a noite tudo se transforma, como num passe de mágica. Saímos de um bairro chinês para uma Las Vegas maravilhosa, com seus incríveis painéis luminosos. Estas placas formam um complexo sistema de poluição visual, onde cada um dos "ignorantes" disputa pela maior capacidade de deixar-nos cegos.

Com certeza existe uma negligência por partes das pessoas responsáveis por este tipo de fiscalização. Mas os principais culpados são as pessoas que cometem tamanhos absurdos. Demonstram total falta de ética e respeito para com os seus clientes. Não há uma assessoria neste setor. Quem mora em Juazeiro do Norte já há algum tempo percebe a falta de criatividade de nossos empresários. Lembro-me da época dos letreiros em luz néon: bastou um fazer para em pouco tempo o néon virar uma epidemia. Depois foi a vez daquelas horríveis placas que giravam em nossas calçadas. Por incrível que pareça a moda pegou, mas dou graças por ter durado pouco. E agora estamos na era das placas luminosas, e estas não querem sumir facilmente, pois o dinheiro investido nelas não é de se jogar fora. Resta saber se o retorno é o esperado. Tenho minhas dúvidas...

Vemos que este não é um fato generalizado. Algumas lojas (principalmente as franqueadas e as de telecomunicações) realizam um belo trabalho onde suas decorações e sinalizações prezam pela simplicidade e o bom aproveitamento do espaço.

Estamos vivendo um momento de modificações, em que atitudes como preservação ambiental e o respeito à vida são virtudes procuradas por pessoas que enxergam adiante dos seus semelhantes. São pessoas preocupadas mais com o futuro do planeta do que só "juntar tesouros para o seu túmulo".

E mais...
É inadmissível que uma cidade como Juazeiro, com uma população com mais de 200 mil habitantes e uma população flutuante na ordem de milhões anuais, não tenha um aterro sanitário. E que o nosso lixo seja jogado a céu aberto, onde prejudica o nosso meio ambiente, tornando-se foco de origem de várias doenças.

Como se não bastasse, um dos lixões está localizado no perímetro urbano, caso do lixão localizado próximo ao CEFET [hoje IFET] e hotel Verdes Vales. Lixão que, aliás, tinha sido desativado e que agora volta à ativa sem nenhuma explicação.

Tristes são as expectativas nesse setor, onde os projetos são engavetados e obras estão inacabadas. O que aconteceu com o Parque Ecológico das Timbaúbas, um dos projetos que enriqueceriam o turismo, a cultura e o esporte de nossa região, mas que, infelizmente suas obras foram abandonadas e o local tornou-se uma área perigosa, onde vários crimes de mortes já foram registrados.
(abril de 2000)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Versos em Juazeiro; Juazeiro em versos

Centenário de Juazeiro do Norte # 09
O Berro nas antas # 06

Poema publicado na edição 27 d'O Berro, de março de 2000:

Juazeiro e os Carcarás

Os carcarás que pousam suave
nas ramagens de Juazeiro
admiram com olho seco
nossa carne humana.
Lânguida
Putrefa
Macia
Por entre as cercanias
do brejo.
Por ermos ventos do mundo
com forte cheiro
de infortúnio,
seu sorriso por diversas
vezes me feriu.
Mas eis-me aqui
com rosas que atiro
ao teu corpo.

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Orivaldo Batista

terça-feira, 12 de abril de 2011

Entrevista com Luis Karimai e Petrônio Alencar

O Berro nas antas # 05

Entrevista com Luis Karimai e Petrônio Alencar

Por Reginaldo Farias e Luís André Bezerra

Inauguramos o "Arquivo Cariri" com um momento de "O Berro nas antas". Trata-se de uma entrevista que fizemos com dois grandes artistas plásticos caririenses: o saudoso e inesquecível Luis Karimai e seu “discípulo”, parceiro e amigo, Petrônio Alencar.

Importante ressaltar que muitas das perguntas feitas estavam permeadas por um “jovem impulso” de querer uma arte transformadora da sociedade, no sentido “mais raso” da coisa. Hoje podemos ponderar muitas dessas questões. A nossa felicidade é que contamos com a sabedoria de Karimai e Petrônio, que deram uma aula de postura artística, de conhecimento estético e de consciência de linguagem, que é o mais importante nesse tipo de abordagem.

Reproduzimos abaixo o bate-papo publicado na edição 28 d’O Berro, em abril de 2000.(LAB)
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O Berro, edição 28, abril de 2000:

Batemos um papo com os artistas plásticos Luís Karimai e Petrônio Alencar. Falamos sobre a arte e os problemas por ela enfrentados na região do Cariri cearense.

Massaki (Luis) Karimai, 53, artista plástico há cerca de 23 anos, quando veio morar em Juazeiro do Norte. No momento está trabalhando em seu álbum; também está ilustrando o livro O Eco da Pedra, do poeta Clairton Oliveira, de Icó-CE; com Luís Carlos Salatiel colabora no NaveGarte, incluindo a abertura da galeria de arte José Normando Rodrigues.


Petrônio Sampaio de Alencar
, 33, nasceu e reside em Juazeiro. Há 13 anos trabalha profissionalmente com artes plásticas. Atualmente dá prioridade aos desenhos antigos que está retrabalhando. Também é o Diretor Financeiro da recém inaugurada Casa da Gravura.


O BERRO: Qual a necessidade que o povo tem de se alimentar de arte e qual a função desta? E qual o papel das artes plásticas nesse ramo? Por aparentar ser mais afastada do popular...
LUIS KARIMAI: A arte tem função de reflexão, de fazer com que elementos que não são claramente definidos pelo discurso formal possam ser entendidos pelo sentimento, e por intuições que são sentidas. Faz com que eclodam nas pessoas as sensações de harmonia, de reflexão, de meditação e, sobretudo, de provocar o que seja o belo, no sentido de fazer com que as pessoas se elevem no comportamento e no sentimento. Evidente que existem muitas artes que levam as pessoas ao prazer ou à alienação, ao discurso panfletário, doutrinário, como por exemplo nas artes plásticas na Rússia no período da Revolução e na instalação do regime Comunista. Quanto à arte plástica em geral, ela não é somente um apelo visual, pois leva ao entendimento de coisas que ficam dentro da jazida da alma dos indivíduos, suscita meditações no sentido de poder fazer com que o espectador vislumbre possibilidades que não tinha pensado ainda, então ela é uma abertura de posições, de entendimentos e de raciocínios.

PETRÔNIO ALENCAR:
O homem sente necessidade de arte desde a pré-história, quando pintava e desenhava nas cavernas a sombra de animais que eram abatidos em caças, e estes desenhos participavam de um ofício religioso. Durante muito tempo a arte teve seu papel religioso, papel político também, mas com os romanos ela passou a ter um caráter mais estético, apreciar a arte por si mesma, apreciar o belo.

KARIMAI: Tem uma declaração de Salvador Dalí muito interessante, ele diz que pintaria uns moluscos que, apesar de serem conhecidos pela ciência, mostraria um lado desconhecido que a ciência ainda não teria condições de perceber e este conhecimento novo de algo já conhecido seria através das relações de cores e de formas. A arte é uma forma de conhecimento de vanguarda.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O Berro nas antas # 04

Charge "O Brasil na era do silicone", de Petrônio Alencar.
Publicada na edição 29 d'O Berro, em maio de 2000.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Berro nas antas # 03

Entrevista com a banda Cabruêra
Publicada originalmente na edição 29 d'O Berro (maio de 2000)

Por Hudson Jorge e Ythallo Rodrigues
Fotos de Nivia Uchoa

Com duas passagens pela região do Cariri — a primeira delas em fevereiro deste ano e a segunda na Calourada Unificada da URCA —, a banda paraibana Cabruêra desenvolve um trabalho dando ênfase à “música regional”. Tendo como base o forró raiz e sua mistura com diversos ritmos, a banda vai aos poucos se destacando no cenário nacional.

Apesar das dificuldades de se trabalhar com arte, os resultados têm aparecido: foram considerados pela crítica a revelação do Festival Abril Pró-Rock (Recife, abril/2000), fato que rendeu uma matéria na revista Showbizz. Também estão com shows marcados no estado de São Paulo e foram convidados para um festival na Suíça, além de estarem com 80% do primeiro disco pronto.

Os cabras da Cabruêra (no ano 2000)*: Arthur Pessoa, Fred Guimarães, Orlando Freitas, Zé Guilherme e Alexandre Mota.

Curta um pouco da conversa que tivemos com a banda:

O Berro: Falem sobre a utilização e transformação da música nordestina...
Cabruêra: Essa ideia é antiga, surgiu na Semana de Arte Moderna de 22, quando Oswald de Andrade lançou o seu manifesto antropofágico, no qual ele enfatiza a antropofagia cultural do povo brasileiro, que pega as coisas vindas de fora e passa numa espécie de “liquidificador”, daí saindo uma “coisa nova”, apesar de não ser realmente nova. Atualmente um marco nessa nova musicalidade foi o Chico Science.

O Berro: A questão da manipulação cultural imposta pela mídia... Como vocês trabalham esse lado e tentam reverter o quadro?
Cabruêra: O que falta é democracia. O Brasil tem uma diversidade cultural imensa, mas há a falta de democracia. Muita coisa acaba ficando esquecida enquanto há privilégios para poucos. E as coisas são impostas mesmo. A luta é desigual, mas vamos fazendo nossa parte.

O Berro: Quais são basicamente as influências no “liquidificador” da Cabruêra?
Cabruêra: Mais importante que nossos gostos musicais são as nossas histórias como paraibanos. Coisas que estão na veia, pois crescemos numa cultura própria e singular. Somos de uma geração que escutou muito forró, desde Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino, até o que toca hoje em dia nas rádios, o que já é outra discussão. Também a nossa vivência no maior São João do mundo, em Campina Grande. Esse ambiente somado a outras influências trazidas por cada um acabam afunilando-se no que hoje é o grupo Cabruêra.

O Berro: E no que diz respeito à questão social do povo brasileiro, a musicalidade, a cultura...
Cabruêra: Esse problema é antigo. No início do século XX Adorno escreveu o texto “A regressão do ouvido”, no qual, ele preocupado com o destino da música, “senta o pau” na música popular, na época o jazz. Logicamente se ele ouvisse o que tocam hoje em dia, talvez estivesse correndo louco na rua. Para Adorno, música era Stravinsky e outros.

O Berro: E sobre a representatividade do trabalho de vocês...
Cabruêra: Hoje viver de música em nosso país é muito difícil, principalmente qua
ndo se faz algo diferente dos padrões. Mas a identidade mais forte com o nosso público, e que nele refletiu, é a releitura de nossa própria identidade como nordestinos. Acho que transmitimos um pouco da sensação de olhar para si próprio e refletir o que verdadeiramente está dentro de você. Essa identidade traz o resgate cultural, o fato de você se sentir bem com sua própria cultura e, no caso, com sua musicalidade, hoje em dia tão marginalizada.
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Cabruêra se apresentando no programa O+ da Band, no São João de Campina Grande, em junho de 2000:




*Atualmente a formação da Cabruêra é Arthur Pessoa (voz, violão e escaleta), Pablo Ramires (bateria), Edy Gonzaga (baixo) e Leo Marinho (guitarra)

Site da banda: www.cabruera.com.br

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Berro nas antas # 02

Ótica social
Relembramos uma charge originalmente publicada na 30ª edição d'O Berro, em novembro de 2000. Petrônio Alencar retratava a política social do então presidente, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC).