quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Luiz Gonzaga e 'o estouro do baião', por Jairo Severiano

Grifo nosso # 61



O estouro do baião

"Bem encaminhado na vida artística, há mais de quatro anos gravando valsas, polcas e chorinhos, na maioria de sua autoria, Luiz Gonzaga sentia em 1945 a necessidade de arranjar um bom parceiro, nordestino como ele, que o ajudasse a mostra ao Brasil ao Brasil a música de sua região: 'Eu me lembrava do Nordeste, eu queria cantar o Nordeste. E pensava que no dia em que encontrasse alguém capaz de escrever o que eu tinha na cabeça, aí é que me tornaria um verdadeiro cantor', afirmaria muito tempo depois à sua biógrafa Dominique Dreyfus.

Foi para isso que procurou Lauro Maia, um compositor cearense, recém-radicado no Rio, que supria boa parte do repertório dos Quatro Ases e Um Coringa. O que animava Gonzaga era que várias das músicas de Maia — como o xote 'Fa ran fun fan', o balanceio 'Eu vou até de manhã' e a ligeira 'A ribeira do Caxia' — tinham um autêntico sabor nordestino. Todavia, depois de ouvir a proposta de trabalho, o cearense confessou-se boêmio inveterado, avesso a compromissos, sendo, além disso, muito mais compositor do que letrista. Indicou-lhe, porém, seu cunhado Humberto Teixeira, cearense do Iguatu, poeta e compositor inspirado, com músicas gravadas, o elemento ideal para aquela empreitada.

Então, numa tarde de agosto de 1945, Luiz Gonzaga teve seu primeiro encontro com o futuro parceiro. É o próprio Teixeira quem descreve esse encontro, em depoimento prestado ao pesquisador Nirez, em 11 de dezembro de 1977: 'Um dia estou eu lá no escritório, na avenida Calógeras (centro do Rio), quando me procurou o Luiz Gonzaga, que conhecia de nome, mas era a primeira vez que o via. Ele começou contando a conversa com o Lauro e, em seguida, explicou-me a história de deflagrar a música do Norte nos grandes centros (na época, usava-se muto o termo Norte no lugar de Nordeste). Aí, ficamos conversando de quatro e meia à meia-noite. Eu fechei o escritório (de advocacia), como fazia quando tratava de música, e relembramos aqueles ritmos do Ceará, de Pernambuco, e naquele dia mesmo nós chegamos à conclusão de que a música a ser utilizada (no projeto) deveria ser o baião, pois era a que tinha a característica mais fácil, mais uniforme pra se lançar'.

(...) Dos encontros iniciais nasceram as primeiras composições da dupla, o xote 'No meu pé de serra' e 'Baião', uma espécie de canção-manifesto que apresentava ao público o gênero homônimo e convidava-o a dançã-lo: 'Eu vou mostra pra vocês/ como se dança o baião/ oi quem quiser aprender/ é favor prestar atenção...'. O curioso é que Gonzaga gravou 'No meu pé de serra' (em 27 de novembro de 1946), entregando o 'Baião' (que só gravaria três anos depois) aos Quatro Ases e Um Coringa, talvez por achar que a composição atingiria um público maior se cantada pelo popular conjunto. Ao que se sabe, esta seria a segunda vez em que se empregava a palavra 'baião' para designar o ritmo de uma canção na discografia brasileira. A primeira foi usada por João Pernambuco em sua composição 'Estrela d'alva', cantada em 1930 por Stefana de Macedo no disco Columbia nº 5157.

Em outubro de 1946, mês da chegada às lojas da gravação dos Quatro Ases e Um Coringa, teve início a Era do Baião, quando a música nordestina, devidamente amaciada para o público urbano, alcançaria um sucesso de proporções jamais imaginadas pelos deflagradores da onda, Gonzaga e Teixeira. Infelizmente, a conjunção dos talentos musical do primeiro e poético do segundo desfez-se em 1952, quando eles, já não se entendendo muito bem, passaram a pertencer a diferentes sociedades arrecadadoras de direitos autorais. Mesmo assim, rendeu 27 composições das mais expressivas, como os baiões 'Juazeiro' (1949); 'Baião de dois','Paraíba', 'Qui nem jiló', e 'Respeita Januário' (1950); as toadas 'Asa Branca' (1947), 'Légua tirana' (1949), 'Assum preto' e Estrada do Canindé' (1950); a polca 'Lorota boa' (1949); e o xote 'Mangaratiba', além dos citados 'Baião' e 'No meu pé de serra'. Feminina no século XIX, quando se tornou conhecida no Brasil, a denominação 'schottisch' passou para o masculino ao popularizar-se como um gênero musical rural, aportuguesando-se na forma 'xote'.

Com Zé Dantas, seu segundo melhor parceiro, como foi ressaltado, Luiz Gonzaga fez 46 composições, entre as quais clássicos como as toadas 'A volta da Asa Branca' (1950) e 'Vozes da seca' (1953), os xotes 'Cintura fina' (1950) e 'O xote das meninas' (1953), o baião 'Dança da moda' (1950) e o 'Forró de Mané Vito' (1949). Sertanejo cem por cento, embora tenha vivido vários anos no Rio de Janeiro, onde exerceu a profissão de médico obstetra, Zé Dantas era um apaixonado pela técnica nordestina, motivo único, praticamente, de sua obra.

(...) A Era do Baião durou, pode-se dizer, de 1946 a 1957, alcançando o auge no triênio 1949-1951. Nesse auge, Gonzaga fixou a banda ideal para acompanhá-lo, que se tornaria o conjunto padrão adotado pelos cultores do baião: acordeão, zabumba e triângulo. Na verdade, a ideia dessa formação ele descobrira em antigos grupos que ouvira tocar nos tempos de criança.

Ainda que dividindo , a partir de 1953, a atenção do público adepto da canção nordestina como o novo astro Jackson do Pandeir, Luiz Gonzaga continuou soberano pelo resto do período de evidência do baião, compondo, cantando e tocando pelo Brasil afora, em incessante atividade. Famoso e realizado, vendo coroado de êxito seu projeto artístico, com a música do Nordeste definitivamente incorporada à história da música brasileira."
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Jairo Severiano, no capítulo "O estouro do baião", de seu livro Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade (Editora 34).

Postagem neste 13 de dezembro de 2012, data do centenário do nascimento de Luiz Gonzaga.

Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira falando sobre "Asa Branca":


"Baião" (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira):

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