quarta-feira, 22 de abril de 2020

Uma crônica quase tão bela quanto o boné do meu avô



por Antonio Lima Júnior

Sempre achei que ser cronista é coisa de gente mais velha, que tenha experiência suficiente para extrair a poesia do cotidiano. Por isso me acostumei a relutar em escrever crônicas, mas o convite d'O Berro veio a calhar. Nesses dias de confinamento, pensei aqui ou ali sobre a possibilidade de escrever crônicas. Vamos ao experimento então.

Desde que comecei o isolamento, há mais de um mês, o pior dia certamente foi a última segunda (13 de abril), quando acordei, já tarde devido à intensa insônia que estou tendo esses dias, e fui noticiado da morte do músico Moraes Moreira, um dos integrantes dos Novos Baianos.

A música do Moraes Moreira sempre esteve presente na minha vida adulta (falo como se já fosse velho hein?). Ainda no movimento estudantil, as músicas “A menina dança” e “Mistério do planeta” dos Novos Baianos eram praticamente hinos dos encontros de estudantes de comunicação social.

Em 2016, quando voltei pra Fortaleza depois de concluir o curso de Jornalismo na UFCA, finalmente pude começar a curtir o carnaval valendo. Antes disso, o mesmo movimento estudantil de comunicação me fazia abrir mão de viajar no carnaval pra gastar a grana viajando para congressos que sempre caíam em datas próximas ao carnaval. Tudo bem, tudo tem seu tempo, né?

A partir daí, a carreira solo do Moraes Moreira virou trilha sonora oficial dos meus carnavais. O último, bem recente, ainda está muito fresco na minha memória, assim como o livro que li alguns anos atrás do próprio Moraes Moreira sobre a história do carnaval baiano e do saudoso trio elétrico de Dodô e Osmar.

A perda deste ídolo da música brasileira foi de grande tristeza para mim, ainda muito impactado com a morte do meu avô materno em dezembro, que não tinha um chinelo tão belo quanto o meu cabelo, mas que foi uma pessoa muito importante na minha vida, mesmo não aparentando tanto, já que nossa relação sempre foi muito de dar e pedir a bênção sem muito papo depois.

Desde 1979, quando a família da minha mãe se mudou do interior dos Inhamuns para a capital alencarina, meu avô tinha um bar-mercearia, vulgo bodega, aqui no famigerado bairro José Walter. Quando criança, comecei a andar lá para ver a criação de pebas que meu avô tinha num tambor. Depois comecei a ir para ganhar uns chicletes e bombons, depois para entregar o almoço e nos últimos meses ia aos domingos tomar cerveja. Talvez seja dali que surgiu o meu interesse pelos bares rústicos.

Estamos falando de muitos lutos aqui, não só pela minha vida recente, mas também pelo cenário que vivemos atualmente na geração quarentener. Entretanto, num dos banhos de sol que tomo confinado no meu quintal acimentado e ensolarado, vi uma planta brotar nas frestas de um tijolo. Sempre há de brotar vidas novas onde tudo parece estar morto.
____


Antonio Lima Júnior é jornalista formado pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Diretor da Associação Cearense de Imprensa (ACI), fã de cinema brasileiro e um marxista convicto e confesso.

.

Um comentário: