quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Mistérios oceânicos



por Amador Ribeiro Neto

Foi divulgada a relação dos livros semifinalistas do Prêmio Oceanos, o antigo Portugal Telecom.

A lista traz 18 títulos na categoria poesia. Alguns deles já tivemos a oportunidade de comentar nesta coluna. Por isto mesmo nos causa espécie que títulos tão fracos figurem entre os melhores do ano passado. É o caso de Ondas curtas, de Alcides Villaça. Observamos sobre este livro: “Em Ondas curtas o poeta erra a mão de ponta a ponta. Erra quando quer ser engraçadinho. E só consegue ser ingênuo numa linguagem de clichês adolescentes”. Em outro momento da coluna: “O experimentalismo de linguagem nunca esteve entre as metas de Villaça. Já o coloquial, ele nunca atingiu com a leveza de um Bandeira, que imita descaradamente”. Enfim, um livro pífio. Não se entende como esteja entre os finalistas do Oceanos.

Outro livro estranho da lista é Homem visto em contraluz, de Marcus Vinicius Quiroga (Goiânia: Kelps, 2014), que recebeu menção honrosa no prêmio Pizarro Drummond, da União Brasileira dos Escritores do Rio de Janeiro. A poesia de Quiroga é dominada pelo maneirismo aos moldes de “fazer poesia bonitinha, agradável, plácida”. Ele vale-se de recursos classicizantes, tanto na forma como nos temas. Consegue ser palatável aos que adoram a mesmice mumificada. É extremamente desagradável nas soluções forçadas que se impõem a partir de um modelo de poesia anacrônico. É fraco, frágil, pleno do déja-vu. Não dá pra entender qual o motivo de figurar entre os semifinalistas.

A poesia neomarginal continua com todo gás. Vende a mais não poder. Seus poetas participam de festas e festivais literários. Promovem movimentadas noites de autógrafos. Concedem entrevistas. Promovem oficinas de criação poética. E até fazem palestras. Mesmo não escrevendo nada que tenha valor literário. Mesmo falando apenas abobrinhas. Mas a moda do momento é esta poesia palatável, adocicada, feita de notações ingênuas sobre a realidade e os sentimentos pessoais.

Laura Liuzzi com Desalinho (São Paulo: Cosac Naify, 2014) é uma das mais novas representantes desta corrente tipo “nada tenho a dizer e nada escrevo que valha a pena”. Seu livro é um alinhavado de versos produzidos ao sopro do momento. O coloquial deve ser a meta da poetisa. Mas ela não consegue realizá-lo a contento. Fica no estágio do prosaico. Suas observações sobre a vida, as pessoas, os sentimentos e a literatura irritam o leitor minimamente exigente com qualidade estética da poesia. Claro que em seus poemas, como na maioria dos poemas deste continente de boçalidades, há entradas sociológicas, psicológicas, históricas… e até de autoajuda. Mas volta a velha pergunta que não quer calar: o que é que a poesia tem a ver com isto?

Sônia Barros com Fios (Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura) é outro caso que desafia o bom senso: por que diabos consta da relação do prêmio Oceanos? O livro é uma mixórdia do empenho de construir “poesia dita profunda”, pra nos valermos da ironia cabralina, misturada com a displicência irresponsável da poesia neomarginal. Enfim: é um caos absurdo. Deve enganar apenas os bobos de plantão, impressionáveis pelos recursos técnicos da poesia canônica associada a recursos técnicos da poesia modernista. Resumo da ópera: a poetisa tenta engrupir o leitor com falsa erudição. Não cola. Não dá.

Querer falar de Luci Collin (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014) é outro título dentro da linha “poesia se faz com negligência formal”. Ela bem que tenta, mas predomina o modelo de poesia feita pra agradar todo mundo do mundo todo. Ou seja: poesia sem identidade. Claro que seu livro é palatável aos devoradores de plantão. Mas, aos que digerem serena e tranquilamente, deliciando-se com os diferentes sabores e texturas, ele é um prato estragado. Ela quer falar. Mas não fala nada, em termos de poesia.

Na próxima semana continuo comentando, no geral, os finalistas Oceanos. Mais à frente retomo comentários a cada livro. Como fiz no ano passado. 
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 25 de setembro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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