domingo, 18 de outubro de 2015

Marty McFly está chegando...



por Alan Samuel

No próximo dia 21 de outubro, uma quarta-feira, surgirá numa das avenidas aéreas sobre a cidade de Hill Valley, Califórnia, um carro voador de modelo antigo, mas com traços futuristas, um DeLorean DMC-12, adaptado com, além dos circuitos voadores, um reator de energia caseiro que usa lixo em vez de plutônio para gerar energia elétrica e o Capacitor de Fluxo, dispositivo inventado pelo “Doc” Emmett Brown na segunda metade do século XX e que torna possível a viagem no tempo!

Dentro desse insólito veículo estarão o próprio “Doc” Brown (Christopher Lloyd), acompanhado de seu amigo Marty McFly (Michael J. Fox) e da namorada deste, Jennifer (Elisabeth Shue). A missão: evitar um evento que pode destruir a família que Marty e Jennifer ainda vão construir! A priori, soa muito estranho a ideia de corrigir um erro que ainda não foi cometido, mas essa é a premissa de De Volta para o Futuro – parte II (Back to the Future Part II, 1989); mais tarde o espectador perceberá que esse foi apenas um artifício para a trama principal do filme e, além de perdoar os roteiristas, ainda ficará feliz pelo vislumbre do futuro que pôde assistir, afinal, a curiosidade e/ou a expectativa gerada por todo tipo de previsão, é quase universal.

Entretanto, para além das curiosidades acerca de quais previsões concretizaram-se, quais continuam sonhos e quais são simplesmente estapafúrdias, que o espectador já pôde perceber por conta própria (já que estamos quase chegando a outubro de 2015!), esse texto propõe uma visita à trilogia enquanto obra de arte e não enquanto oráculo; por exemplo: o que torna De Volta para o Futuro uma obra tão especial, fascinante e, por que não dizer, atemporal? Ou, colocando de outra forma, por que um filme-família dos anos 80 acabou ganhando um lugar de destaque no panteão das grandes obras irretocáveis do cinema mesmo com os furos de roteiro e erros de continuidade clássicos? Como assim os pais não se lembram dele? Cadê o secador, “Darth Vader”?

Dentre tantos filmes, de ficção científica ou não, que abordam o tema das viagens no tempo, De Volta para o Futuro se destaca por tornar as coisas menos quânticas. Apesar dos conceitos de “paradoxo temporal” e “continuum do espaço/tempo” estarem presentes nos diálogos, as explicações do “Doc” Brown ao simplório McFly (e, por extensão, ao público) são muito claras e objetivas e, além disso, estão sempre temperadas pelos olhos esbugalhados e outras expressões teatrais do cientista maluco (ponto para Christopher Lloyd!). A cumplicidade entre os personagens principais também é verossímil e o laço de amizade que cresce entre eles ao longo da trilogia acaba sendo o mote das missões, aventuras e perigos que a dupla enfrenta (em especial na parte III); mais uma vez mérito dos atores, afinal, o que seria da dupla Marty McFly e “Doc” Brown sem a química, carisma e presença cênica de Michael J. Fox e Christopher Lloyd? E o que dizer da liberdade poética mais charmosa da franquia – Lea Thompson, a atriz que dá vida a mãe de Marty, como sua tataravó na parte III – sem a qual a famosa cena “Mamãe, é você?” perderia sua força?

Vale lembrar também que, de todas as máquinas do tempo do cinema, o DeLorean é, sem dúvida, a mais marcante, aliás, o DeLorean/Máquina do tempo é também um dos carros mais icônicos do cinema, lado a lado com o Cadillac Miller-Meteor dos Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 1984) e o  Batmóvel desenhado por Anton Furst para o filme de Tim Burton (Batman, 1989).

Quanto aos enredos: 1) em De Volta para o Futuro (Back to the Future, 1985), o jovem Marty McFly viaja acidentalmente para o ano de 1955 e conhece seus pais ainda com a mesma idade que ele; 2) na segunda parte da trilogia, Marty e “Doc” precisam voltar a 1955 para resolver um problema que começou em 2015! Confuso? “Doc” explica; 3) em De Volta para o Futuro – parte III (Back to the Future Part III, 1990) temos um faroeste/ficção-científica /romance / aventura/... com direito a cowboys contra índios, saloon, enforcamento, bandidos rápidos no gatilho, resgate de donzelas em perigo, duelo ao amanhecer e sequestro de um trem, além de uma homenagem a Taxi Driver, de Martin Scorsese (1976), é ver para crer...

Tudo isso faz da trilogia De Volta para o Futuro uma obra extraordinária e inigualável ao ponto dos próprios fãs repudiarem qualquer menção a um remake, reboot ou mesmo uma sequência, fazendo eco ao diretor e co-roteirista, Robert Zemeckis, que afirma que esse absurdo só terá uma chance de acontecer depois que ele e Bob Gale (o outro roteirista) tenham morrido, uma vez que são eles que têm a palavra final quanto a projetos futuros da franquia. Para enfatizar sua posição, Zemeckis compara sua obra prima à de Orson Welles, afirmando que refilmar De Volta para o Futuro seria o mesmo que refilmar Cidadão Kane! Desconsiderando a ausência de modéstia do diretor da trilogia, acredito que é possível dar razão a ele.

A viagem no tempo é instantânea; para os tripulantes do DeLorean, os saltos temporais de várias décadas – de 1955 para 1985 no primeiro filme, de 1985 para 2015 na segunda parte da trilogia e de 1885 para 1985 na parte final – não levaram tempo algum. Essa é a mesma impressão que tenho hoje ao rever essa trilogia que, mesmo após 30 anos, continua impressionantemente instigante e nem um pouco datada (com o perdão do trocadilho).
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Alan Samuel é graduado em psicologia e pós-graduando em Gestalt Terapia. Natural da região do Araripe, no sertão pernambucano, reside no Cariri desde 2010, onde, além das formações, tem realizado estudos socioantropológicos e culturais sobre política e perversão. Compõe o grupo de estudos “Sétima” desde fevereiro de 2015.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 24, de setembro de 2015), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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