domingo, 4 de outubro de 2015

“Ela teimou e enfrentou o mundo se rodopiando...”



por Elandia Duarte

Em tempos de uma pesquisa em que se veicula que o tipo de roupa utilizada pela mulher provoca a animalidade dos homens, sinto-me extremamente feliz por dar vida ao texto que aqui segue. Principalmente por ter sido este texto motivo de tanta inquietação e choro, pois me fez sentir impotente diante da não inspiração. Deixo aqui então meu agradecimento direto a todas as mulheres que se manifestaram esses dias diante da tal pesquisa. Esse texto é pra vocês, é pra nós!

Dois clássicos do cinema, duas atrizes fabulosas que, em tempos e momentos históricos diferenciados, dão vida a duas personagens marcantes que carregam a mesma marca: são mulheres que reprimem durante toda a trama sua liberdade, na tentativa de enquadrar-se nos padrões e sentirem-se menos fora das normas sociais.

Falo aqui da bela Brigitte Bardot no clássico E Deus criou a mulher, e do brasileiro e premiado Lavoura Arcaica, que conta com a belíssima atuação da, não menos bela, Simone Spoladore. Ambos os filmes nos prendem em todo o tempo no seu desenrolar, pelas imagens, roteiro, atuações fortes e marcantes de todo o elenco. Mas é nas cenas finais de ambos que esse pretenso texto focará.

O corpo, espaço de tantos desejos inconfessos e reprimidos, que pulsa e lateja, que grita pedindo vida, exigindo expansão! É este corpo rebelde e senhor de si que salta aos olhos do espectador encarnado na dança de Juliette (Bardot) e Ana (Spoladore) e num frenesi que só as pessoas que são cotidianamente reprimidas por serem excluídas e por terem a sua sexualidade escondida por imposição social, poderiam sentir e vivenciar.

A dança de Juliette e Ana, mais que um ato de sensualidade, é um ato de rebeldia. É o momento em que as personagens, uma delas a Ana, de Lavoura Arcaica, sem fala nenhuma durante as quase três horas de filme, traz à tona toda a carga dramática dos que são marcados e impedidos de sentirem por completo seu corpo e suas possibilidades.

No momento histórico em que nós, mulheres, somos levadas a ouvir que nossas vestimentas podem provocar estupro, vemos diante de nós a negação do nosso direito de sermos senhoras e donas de nós mesmas. Parece-me que os dois filmes aqui abordados nos mostram uma grande lição: dancemos! Dancemos mais e mais. À revelia de todos e de tudo! Que nosso corpo nos seja, nos permita viver e experienciar todas as formas de sentimentos e sensações que quisermos e que isso seja nós que decidamos como, quando e com quem!

Que nossos corpos, assim como os das duas personagens, dancem freneticamente e se mostrem e assim se afirmem, se empoderem e sejam! Nessa sociedade que tanto nos nega e nos reprime, sigamos o conselho do Arnaldo Antunes: “façamos nossa dor dançar”. Dancemos, meninas! Dancemos. 
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Elandia Duarte possui graduação em pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (2008) e Especialização em Arte/Educação pela mesma Instituição. É professora, integrante do Grupo de estudos de Cinema Sétima e colaboradora na revista do grupo que carrega o mesmo nome. Compõe juntamente com mais quatro artistas o Coletivo Diadorins, e por fim, mas não menos importante é poeta e vez ou outra arrisca amadoramente no oficio de atriz.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 22, de julho de 2015), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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