sexta-feira, 23 de maio de 2014

A loja engoliu a rua: o cinema de centro sumiu



por Elvis Pinheiro

Os cinemas de rua se acabaram. Mas o que ou quem acabou com estes cinemas? Foi a TV, o videocassete e os multiplexes de shopping? O cinema de rua é tal e qual a praça pública, a calçada, o coreto, os mercados populares: é o espaço do povo, do cidadão comum. Em épocas de valorização do consumo e do consumidor, tudo que é público é destruído e deteriorado pela força do privado, do particular. É o espaço do shopping que é valorizado por ser mais seguro, mais limpo, com ruas largas e fáceis de trafegar, clima ameno e suas praças de eventos e de alimentação. As salas de cinema são apenas mais um dos atrativos de um Shopping Center e entram na mesma esfera primordial de consumo.

A morte dos cinemas de rua vem de muito longe e começa quando se mata a sociedade que prioriza o coletivo e o consumo inteligente. Quando os filmes são transformados em produto, as salas de cinema de rua começam a morrer. Quando se investe em tecnologias que priorizam a visualidade particular e individual das imagens, a existência de espaços de exibição com 800 lugares perde todo o sentido.

Houve uma troca de verbos e substantivos. Hoje as pessoas buscam "ver filmes" e não buscam "ir ao cinema"; são coisas diferentes. Mesmo no espaço do Multiplex, acontece algo diferente com o Cinema. Ele se transforma apenas em mercadoria. Estas salas estão comprometidas primordialmente com os Grandes Estúdios hollywoodianos e, portanto, não são o espaço da diversidade cinematográfica mundial. O público se torna refém e vítima de uma pasteurização da imagem que pode ser o tempo todo consumida com pipoca e refrigerante e intercalada com sons e imagens de celulares e tablets.

Os cinemas de rua são bodegas competindo com supermercados multinacionais. Não possuem condições para atualizar a tecnologia dos novos tempos. Transformam-se em Igrejas, estacionamentos, bancos, lojas de departamentos. Testemunhar o seu declínio e fim é sofrer com a existência de uma sociedade com menos ideais de liberdade e mais afim do que seja aparente, superficial e efêmero.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

Foto: Verônica Leite.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (editorial da edição 11, de 20 de novembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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