sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Cristina Buarque: este nome dá samba



por Amador Ribeiro Neto

Cristina Buarque é uma grande sambista, dona de uma voz singular, daquelas bem do morro, ao estilo de dona Zica e das pastoras da Portela. Mas é tão singular que só posso compará-la a Clementina de Jesus. As duas são completamente diferentes. Mas, na diferença, cada uma é uma grande e particularíssima intérprete.

Clementina tem a voz dos negros, cantando desde a África. É uma deusa do samba. Mas poderia ter sido uma deusa do blues. Ou do jazz. Ela canta e o mundo silencia ao redor. Estático. Extático.

Cristina Buarque tem a mesma, como diria Noel Rosa, “massa de sangue”. É uma voz que cala fundo no coração da gente. Ela canta e os pelos de nosso braço crispam-se. O coração pulsa em disritmia, todo samba. A voz fica embargada. Dá vontade de gritar pro mundo inteiro ouvir. Dá vontade de proclamar: “esta mulher, esta voz, atentem para isto. Parem a vida e venham ouvi-la! Não há nada melhor a se fazer do que ouvi-la sem cessar. Pra sempre, Cristina!”.

Ela gravou dois discos somente com músicas do Noel Rosa: Sem tostão... a crise não é boato..., junto do cavaquinista Henrique Cazes. Noel, até então, era patrimônio da grande Araci de Almeida. Araci continua ótima cantando Noel. Mas Cristina é um gênio interpretando um dos nomes mais fortes de nossa música popular.

Ela gravou um disco só com canções de Wilson Batista: Ganha-se pouco, mas é divertido. E aprendemos com ela que Wilson é maior do que pensávamos. Ou ela faz Wilson ser melhor do que é? É que Cristina Buarque transmuda-se todinha para o samba que interpreta. E, sem dúvida, se transforma em coautora do que canta.

Ela gravou com o grupo “Terreiro Grande”, e provou que São Paulo é terra de samba sim senhor. Nem só de Adoniran Barbosa, Germano Batista e Geraldo Filme vive o samba paulista.

Ela gravou dois discos com o grupo “Samba de Fato”. Ambos só com composições de Mauro Duarte, dono de um samba informal de primeira linha. É ouvir pra gostar. Não tem escapatória pra ninguém. Nem pros ruins da cabeça e doentes do pé.

Ela gravou com a carioquíssima “Banda Glória”. Um disco cheio de suingue e muitos metais. Dançante todo. Apaixonantemente lindo e sedutor. Assim é ela. Assim é que ela faz. E ficamos todos reféns de sua delicada e arrebatadora voz de morro. 
____

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Cristina Buarque no Programa Samba na Gamboa (de Diogo Nogueira)
"O samba que eu lhe Fiz" (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro):

Nenhum comentário:

Postar um comentário