quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Escritos ao sol



por Amador Ribeiro Neto

Adriano Espínola (Fortaleza, 1952), radicado no Rio de Janeiro, é professor de literatura brasileira, tendo lecionado na Universidade Federal do Ceará, na Université Stendhal-Grenoble III e na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ensaísta, é autor de livros sobre Gregório de Matos e Sousândrade. Em poesia publicou Fala favela (1981), O lote clandestino (1982), Trapézio (1985), Táxi (1986), Beira-sol (1997) e Praia provisória (2006). Escritos ao sol (Rio de Janeiro: Record, 2015) reúne alguns de seus melhores poemas. Trata-se de excelente antologia de um dos nossos mais expressivos poetas.

A poesia de Adriano Espínola cativa o leitor pelo alto poder de síntese imagética. E pela construção inesperada das imagens. Tudo numa linguagem marcada por alta densidade poética. Que agrada a todos aqueles que buscam na poesia a somatória de elaboração + emoção. Dono de admirável dicção poética, seus poemas tocam o leitor pela limpidez das ideias e da musicalidade. Que formam o fundo da cena, para as imagens destacarem-se em close.

Escritos ao sol abre-se com “Fera”, poema extraído do livro Praia provisória (2006). Cito-o na íntegra, para que o leitor perceba, de imediato, o quilate desta poesia: “Feito um cão solto, / súbito o sol / salta a janela / adentro do quarto. // Inquieto, morde / os punhos da rede, / derruba a sombra / do retrato, // lambe o pé sujo / lá da parede, / fuça a amarela / mancha do espelho, // late: luz! luz! – / depois se enfia, / fiel, no velho / par de chinela. // (Como a cidade / lá fora, fera, / na alva coleira / do novo dia)”.

O cão já fora usado por João Cabral como metáfora do rio em O cão sem plumas. Agora, Adriano Espínola usa-o como metáfora do sol, numa construção poética que tira o máximo proveito do enjambement. Ou seja: uma construção que explora o movimento do sol, mimetizado pelos do cão, na continuidade sintática, rítmica e semântica de um verso, para o seguinte. Tal recurso imprime ao poema uma visualidade cinematográfica que reforça o lirismo solar do poeta. Em Beira-sol (1997), o próprio cão é tema de poema homônimo. E tem cor: é negro. Entre outros movimentos, “rebate com a capa aveludada / o branco abraço do sol”. Nada transcendente. Tudo muito concreto. Exato.

Sim, estamos diante de um poeta que opta pela luz da forte claridade. Talvez por isto, sua linguagem seja tão despojada. E expressiva. Em sua poesia, a construção poética é tão engenhosamente construída, que o leitor, levado pela emoção dos belos versos, não sente a tão costumeira cisão entre o que se diz e o modo como é dito. O poeta sabe engendrar sua poesia com tal naturalidade, que é como se o poema lhe fosse entregue como dádiva. Sem mediação alguma. Esta sensação de gratuidade, no entanto, esconde um árduo trabalho com a palavra.

Adriano Espínola é professor de literatura. E elegeu, como corpus de suas pesquisas, dois dos mais célebres poetas de nosso país: Gregório e Sousândrade. Como nos lembra Pound, conhece-se a grandeza de um crítico pela qualidade de suas escolhas. Aqui podemos dizer: conhece-se a magnitude de um poeta pelo desempenho de sua linguagem. Que é a continuidade do universo de vivências historicizadas pelo poeta.

Táxi (1986), um longo e tocante poema que tematiza a cidade e o amor, num poema discursivo, coloquial que também se vale de recursos vanguardistas. Foi traduzido para o inglês pelo também professor e poeta Charles A. Perrone.

Trapézio (1985) nos apresenta haicais de um poeta que sabe tirar proveito de diferentes modalidades da poesia. E aqui a concisão, que esta forma poética exige, cai como uma luva ao modo conciso do poeta.

Adriano Espínola ocupa lugar privilegiado na cena contemporânea de nossa poesia.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 07 de agosto de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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