sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Beata Maria de Araújo por Raimundo Araújo, no livro 'Mulheres de Juazeiro'



#Arquivo Cariri

Neste 17 de janeiro de 2014, data do centenário de morte da Beata Maria de Araújo, reproduzimos um texto do escritor Raimundo Araújo, no seu livro Mulheres de Juazeiro (Gráfica e Editora Royal, 2004). Junto ao texto, o escritor anexou um soneto de Ivan Magalhães, em homenagem à Beata, e uma crônica que o próprio Raimundo Araújo escreveu à época dos 76 anos de falecimento de Maria de Araújo.
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Maria de Araújo

Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo — Nasceu no dia 23 de maio de 1863 (data polêmica, mas, talvez, a verdadeira) na então povoação do Joaseiro, na atual Rua da Conceição, nas imediações do prédio dos Correios e Telégrafos.

Era filha legítima de Antônio da Silva e Ana Josefa do Sacramento. Foi batizada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha, no Crato, pelo Padre Manoel Joaquim Ayres do Nascimento. Foram seus padrinhos de batismo seus avós maternos Antônio Ferreira e Antônia de Tal.

Consoante seus biógrafos, Maria de Araújo era mestiça, tinha os cabelos quase crespos, estatura média, olhos quase negros e suaves na expressão; lábios um pouco grossos, nariz pequeno e pescoço bem proporcionado.

Era muito doente, tanto assim, que foi acometida de meningite infantil (espasmo); sofria de ataques de epilepsia, contudo, levava uma vida de jejum, oração e trabalho humilde. Não sabia ler (Joana d'Arc também não) e vivia de lavar roupa e engomar, e de vender doce e bolo.

Órfã de pai e mãe, foi morar na casa do Padre Cícero, onde viveu a maior parte de sua vida, ou seja, até à condenação dos fatos ditos miraculosos ou portentosos, dos quais havia sido a protagonista.

Viveu pobremente, passou privações tremendas e foi muito humilhada. Entrementes, é a beata mais famosa do Juazeiro, não obstante ser membro de uma família humilde. Graças tão somente à sua humildade, às suas virtudes, e ao seu exemplar comportamento de uma grande religiosa que foi.

Faleceu em Juazeiro do Norte, no dia 17 de janeiro de 1914 e foi sepultada na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro desta cidade.

Em 22 de outubro de 1930, o Vigário Mons. José Alves de Lima, por ordem do Mons. Vicente Sóter de Alencar, então Vigário Capitular do Crato, violou seu túmulo e retirou o corpo daquele local, com a justificativa de ser um lugar sagrado e ela, na ótica do mencionado sacerdote, era impura. É o que se depreende.

Até o momento não termos a menor ideia onde encontram-se os restos mortais da pranteada beata.

São parentes próximos da Beata Maria de Araújo: Ananias Araújo (comerciante), Antônio Araújo, ex-vereador (falecido), José Araújo (falecido), José Araújo Sobrinho (falecido), Santana Araújo Soares (falecida), Luiz Soares Couto (médico), Antônio Edênio Araújo Silva (engenheiro civil), Raimundo Araújo (escritor), Chagas Araújo (professor), Joana Araújo (farmacêutica), Heliana Araújo (professora) e outros.

Em sua homenagem foram escritos os seguintes livros: Maria de Araújo, a Beata dos Milagres, de autoria do Prof. Daniel Walker; Maria de Araújo, a Beata do Juazeiro e Maria do Juazeiro, a Beata do Milagre, ambos da lavra da Profa. Maria do Carmo Pagan Forti; e, ainda, As Beatas do Padre Cícero, de autoria da Profa. Renata Marinho Paz. Com seu nome existem uma rua e um edifício localizado no Bairro das Timbaúbas, onde outrora funcionou o Posto de Atendimento à Criança e ao Adolescente. E, recentemente, a "Casa-Abrigo Beata Maria de Araújo".

A vida da Beata Maria de Araújo foi uma verdadeira imolação a Deus e ao próximo, pois durante da Guerra de 14, adoeceu gravemente e, segundo a tradição escrita, ofereceu ela sua vida pela salvação do povo de Joaseiro que se achava sob o cerco das Forças do Governo do Estado, representado pelo Coronel Marcos Franco Rabelo.

Maria de Araújo foi de uma grandeza amazônica, pois em vez de rebelar-se contra as autoridades da Igreja, consagrou-se de corpo e alma ao Filho de Deus, convicta de que, mais cedo ou mais tarde, seria fatalmente exaltada.

Era uma mística na acepção do termo, haja vista a nobreza de seus sentimentos, a dignidade de sua existência e o sistema teológico de suas palavras que se evidenciaram nos textos dos famosos Inquéritos do Joaseiro, inclusive na sua própria vida.

Hoje está sendo lembrada pelos seus parentes, devotos e admiradores. Amanhã, quem sabe, elevada às honras dos altares, pois ninguém teve uma vida tão santa quando Maria de Araújo.

Depois do Padre Cícero, Maria de Araújo é a pessoa mais importante do contexto histórico-religioso da cidade de Juazeiro do Norte.

Fez ela com que multidões incalculáveis viessem à nossa cidade, fundada pelo milagre do qual ela mesma foi a protagonista.

Viva, sofreu bastante, pois foi torturada e inclusa na Casa de Caridade do Crato e considerada embusteira, mentirosa, fraudadora  e demoníaca. E depois de morta, mais ainda, porquanto a devoção a sua pessoa foi interdita, suas relíquias foram queimadas e seus devotos ameaçados de excomunhão. E queimados e recolhidos foram os santinhos, as imagens e medalhas com sua efígie.

Por onze anos esteve exilada de sua cidade e de sua gente. Quando olhe permitiram voltar, trabalhou e viveu praticamente no anonimato, até à sua gloriosa morte.

Apesar de tudo, "Maria de Araújo foi uma figura importante e fundamental no imaginário nordestino e na Questão de Juazeiro", como o disse o escritor Gilmar de Carvalho. E o Padre Cícero, por seu turno, afirmava categoricamente: "a vida dessa criatura é uma maravilha da graça de Deus".
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O juazeirense e poeta Ivan Magalhães, teu ardoroso devoto, Maria, serve-se deste espaço para te exaltar, com este soneto de cunho pura e simplesmente polêmico, intitulado "Maria de Araújo". Ei-lo:


"Maria de Araújo" (Ivan Magalhães)

Humilde, junto à grade da capela,
Onde é servida a comunhão diária,
Maria aguarda o que já se revela,
Uma ocorrência como que lendária.

O arguto Cura, de feição singela,
Que vem servir a comunhão diária,
Num quase transe, atordoado gela,
Vendo aquela cena extraordinária.

O sangue quente, como um gorgolar
De líquido em constante ebulição,
Da boca aflora, emana sem cessar

E vai fluindo rubro, em profusão,
Fazendo a nívea hóstia transmudar
Num grande e avermelhado coração!
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A crônica abaixo, remata esta biografia de Maria de Araújo, a Beata do Juazeiro, a mais polêmica das nossas beatas. Ei-la:


76 anos sem Maria de Araújo

Faz hoje 76 anos que a minha prima partiu desta vida para a eternidade. O corpo da Beata Maria de Araújo foi trajado no hábito da Ordem Terceira de São Francisco, depositado e trancado à chave num caixão de cedro e sepultado num túmulo ao lado direito da porta de entrada da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no dia 18 de janeiro de 1914 [Maria de Araújo faleceu no dia anterior, 17 de janeiro de 1914], acompanhado de grande multidão de pessoas, entre as quais se destacavam o Padre Cícero e grandes vultos políticos do Estado, que se achavam refugiados em Juazeiro.

Em 22 de outubro de 1930 - 16 anos depois - abriram o túmulo onde ela estava sepultada, e verificaram que seus restos mortais não se encontravam mais na sepultura onde fora enterrada, pois violaram-na abruptamente, sem proceder autorização legal e sem conhecimento, sequer, do zelador do cemitério, na época, sr. Ildebrando Oliveira.

Tão logo o Padre Cícero tomou conhecimento da infausta notícia, imediatamente mandou chamar os Srs. José Geraldo da Cruz (Interventor Municipal) e João Cândido Fontes, para assistirem a exumação e recolherem os restos mortais da beata noutro jazigo contíguo à histórica Capela do Socorro.

Sem perda de tempo, Zé Geraldo e o fotógrafo foram até o local, mas em lá chegando, se depararam com o sepulcro aberto. Consoante informação que lhes foi prestada pelo coveiro do cemitério, a violação do túmulo foi tão brutal, que só encontraram restos de panos e a madeira do caixão.

Examinaram o ataúde, a tumba, e também os escombros atirados para fora, onde recolheram apenas uns escapulários de determinadas irmandades, o cordão de São Francisco, e um pedaço do crânio com cabelos.

Para perpetuar a ocorrência, estas notas foram escritas e transcritas no Cartório do então 2º Tabelião Público de Juazeiro, cidadão Luiz Teófilo Machado, e o original devidamente assinado pelas testemunhas oculares do tétrico acontecimento, os Srs. José Geraldo da Cruz, João Cândido Fontes e Ildebrando Oliveira, cujas firmas foram reconhecidas com mais duas testemunhas, Pelúsio Correia de Macedo e José Ferreira de Menezes, que nada revelaram muito embora soubessem dos fatos, inclusive de suas minudências.

Sabe-se, contudo, que graças à grandiosa colaboração do Presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, Vereador Aguinaldo Carlos de Souza, logo mais, ou seja, às 17:00 horas, no cemitério de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, será colocada no túmulo da Beata Maria de Araújo, uma placa de bronze, pelos 76 anos de seu transporte da Terra para o Céu.

Homenagem, diga-se de passagem, das mais justas àquela que em vida foi sadicamente discriminada, vilipendiada, menosprezada, subestimada, oprimida, injustiçada, excluída e humilhada, tão-somente porque se notabilizara como a protagonista dos Milagres do Juazeiro.
(17/01/1990)
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Raimundo Araújo, no livro Mulheres de Juazeiro (Gráfica e Editora Royal, 2004).

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