sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

'Pérola Negra', disco de Luiz Melodia, na Discoteca Básica da Revista ShowBizz

Do papel # 25

Hoje compartilhamos um texto de Luís Antônio Giron, da seção Discoteca Básica da Revista ShowBizz, antiga Bizz (edição 136, novembro de 1997), sobre o clássico álbum Pérola Negra, de Luiz Melodia, lançado em 1973. Para ampliar a página da revista, clique na imagem.


Discoteca Básica 
Pérola Negra - Luiz Melodia

Algumas vidas se revelam como nota de rodapé, a sombra, o apêndice de um único gesto da juventude. Por mais que um artista queira se subtrair do estigma, este se impõe contra a vontade do criador, como letra marcada a ferro.

Aos 46 anos de idade, o compositor e cantor carioca Luiz Melodia tenta esquecer em que ano estamos — exatamente como nos versos de "Pérola Negra", a faixa-título do seu primeiro LP, de 1973. Houvesse ele abandonado a carreira para virar contrabandista na África, como o poeta Arthur Rimbaud (outro maldito pelos feitos juvenis), ainda assim seria lembrado por causa de Pérola Negra. Estacou ali, aos 23 anos, num ano que todo mundo já esqueceu, salvo ele.

Melodia extraiu material do Estácio, bairro-berço do samba clássico, cuja forma foi fixada em 1931 pelos bambas do local, como Ismael Silva, Bide, Balaco e Brancura. Seu pai, o violonista Osvaldo Melodia, frequentava a roda de bambas, e o influenciou. O auxílio do pandeiro foi luxuoso. Mas Luiz não se via como pagodeiro. O blues e o pop tropicalista lhe eram também fundamentais. O Rimbaud do morro estreou aos 15 anos, num grupo de baile. Compunha sambas acartolados e rocks lisérgicos.

Pouco antes de os poetas Torquato Neto e Waly Salomão descobrirem suas músicas numa visita ao morro de São Carlos (hábito desenvolvido pelo artista plástico Hélio Oiticica), Melodia pensou em parar, em trocar a música pelo serviço de garçom numa academia de ginástica. Waly, então, levou uma fita com "Pérola Negra" para Gal Costa. Ela gravou a música e passou a atuar como divulgadora do seu trabalho. Contratado pelo empresário Guilherme Araújo, ele terminou por ser convidado para gravar um disco pela Philips.

Pérola Negra traz dez faixas arranjadas pelo violonista Pedrinho Albuquerque. Um solo de flauta de Canhoto, acompanhado por seu regional, dá a largada à eternidade de Melodia, no samba "Estácio, Eu e Você" inspirado em Cartola. A segunda faixa já é um blues, "Vale Quanto Pesa", em instrumentação acústica. O destaque é o refrão dos metais, enquanto Melodia canta "Ai de mim, de nós dois", Rildo Hora preludia com a gaita o samba-canção "Estácio, Holly Estácio", peça fundamental do desbunde setentista: "Trago não traço / Faço não caço / E o amor da morena maldita / Domingo no espaço". Versos assim vincaram uma geração.

O rockão "Pra Aquietar" — em estilo Dededrim (inseticida) traçado pela guitarra do soul man carioca Hyldon — conserva em formol um passeio suburbano à calorenta Ilha de Paquetá. "Abundantemente Morte", "Pérola Negra" e "Magrelinha" são blues interligados pelo cordão de amor e morte. Dificilmente superada, essa trilogia de canções forma o tesouro nacional do oxímoro — das frases que se contradizem ("Baby te amo! Nem sei se te amo") para definir uma situação existencial. A verdade é que a sombra sobrevém na obra do compositor a partir das três faixas seguintes. "Farrapo Humano", "Objeto H" e "Forró de Janeiro" já adentram pela rota da variação sobre os primeiros temas.

Pérola Negra é ápice e lápide estética. Ouvimos hoje o Melodia desse disco, ainda que ele cante outros e melhores blues. Todos os seus atos são e serão regidos pelo LP. Não tem por que se lamentar da reprodução do mesmo modelo. O grande artista é sempre resultado de uma cena originária.
Luís Antônio Giron

Performance:
Ano de lançamento: 1973
Direção de Produção: Guilherme Araújo
Direção de Estúdio: Sérgio M. de Carvalho
Arranjos: Perinho Albuquerque e Arthur Verocai
Direção Musical: Perinho Albuquerque
Faixas: "Estácio, Eu e Você", "Vale Quanto Pesa", "Estácio, Holly Estácio", "Pra Aquietar", "Abundantemente Morte", "Pérola Negra", "Magrelinha", "Farrapo Humano", "Objeto H", "Forró de Janeiro"
Músicos: Regional de Canhoto; Perinho Albuquerque (violão e guitarra); Anotnio Perna (piano); Hyldon (guitarra); Rubão Sabino (baixo).

Pérola Negra foi lançado pela Philips/PolyGram. Há alguns anos, a faixa-título ganhou destaque ao virar trilha de um comercial de calça jeans. Outro grupo que viajou na música de Luiz Melodia foi o Barão Vermelho, que regravou o blues "Vale Quanto Pesa". Pérola Negra foi relançado este ano [1996] em CD.
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"O Morro e o Asfalto no mesmo disco. Luiz Melodia mostra em suas composições que já sabia muito da vida naqueles tempos. Do Estácio para o mundo, um Canário Universal." (Guto Goffi, Barão Vermelho)

"Estácio, Holly Estácio" (Luiz Melodia):

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