Foi nos idos dos anos 1990 que tive o meu primeiro contato com a banda Legião Urbana e, consequentemente, com o Rock. Uma amiga, Myllena Gadelha, tinha escrito em seu caderno uma coisa que sempre me chamava à atenção quando eu a lia. Aquilo me encantava pela simplicidade das palavras e, ao mesmo tempo, pela força que aquelas frases transmitiam quando lidas em voz baixa — como fazem os que querem internalizar as coisas belas e as que têm o poder de arrebatar.
Fiquei impressionado e resolvi então perguntar se ela tinha escrito aquilo — até então não nos conhecíamos direito, mas apenas como colegas de sala em um primeiro dia de aula, como se fosse num país de idioma estranho. Respondeu que não tinha escrito aquilo, mas que tinha retirado de uma música de uma banda que até então me era completamente estranha: Legião Urbana. O disco era Que País é Esse?, e a música, "Angra dos Reis". A partir daí selamos uma amizade que dura até hoje, e que durará por muito tempo, until the end of the world.
Ouvir a Legião passou a fazer parte de um ritual em que amigos se reuniam na casa de outros amigos para ouvir as músicas da banda e conversar, senão confessar, e se indagar: como era possível aquela música parecer tanto com o que estávamos vivendo, sentindo? Quem já escutou as músicas "Quase sem querer", "Índios", "Tempo perdido", "Sete cidades", "Eu era um lobisomem juvenil", "Se fiquei esperando o meu amor passar", "Quando o sol bater na janela do seu quarto", entre outras tantas, entenderá o que é isso.
Era difícil ouvir algumas daquelas músicas e não se identificar com a letra, provavelmente por ela falar de coisas tão subjetivas como os anseios, as paixões, as angústias, as críticas sociais. Essa identificação vinha, certamente, do fato de a banda conseguir transformar em poesia e música aquilo que tanto inquieta a juventude em suas varias nuances. Aquela foi uma fase boa, um momento bom, que durou o tempo que estava programado para durar, e o pouco mais que pudemos prolongar.
Ouvir as canções da banda, assistir ou ler as entrevistas dos seus integrantes, principalmente quando a entrevista era dada por Renato Russo, era como um convite para um passeio pela história da música. Posso dizer que através deles conheci nomes como Janis Joplin, Neil Young, Beatles, Bob Dylan, Joni Mitchel, Joan Baez, Rolling Stones, Led Zeppelin, Jesus and Mary Chain, P.I.L, The Smiths, Bauhaus, Joy Division, Sisters of Marcy, entre outras bandas.
Ouvir a Legião é ir um pouco além da música e cair na literatura também. Através dessa porta que abri, conheci A montanha mágica e Thomas Mann, Fernando Pessoa, Drummond, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Arthur Rimbaud.
Sempre procurei não apenas ouvir a música, mas também procurar conhecer as referências, ouvir as dicas sutis que eram dadas em entrevistas ou mesmo nos shows. Ouvi há muito tempo uma versão da música "Ainda é Cedo" e, antes de começar a letra da música, Renato Russo cantou um trecho de uma música em inglês, que depois de muito pesquisar com amigos, fiquei sabendo que o seu nome era “Stairway to Heaven”, e que quem a cantava era uma banda chamada Led Zeppelin. E como gostei muito, peguei-a como referência e desde então virei fã. Foi assim com "Gimme Shelter", dos Rolling Stones; "Jealous Guy" e "Stand by me", do John Lennon; "On the way home", de Neil Young; "Mercedes Benz", com Janis Joplin; "Light my fire", The Doors; Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Eliseth Cardoso, Torquato Neto, Rita Lee, entre outras fontes de boa música. Era como seguir uma trilha deixada através das músicas e entrevistas.
Em seus discos havia uma frase escrita em latim, "Urbana Legio Omnia Vincit", grosso modo, "A Legião Urbana tudo vence", que sempre me chamou a atenção, principalmente depois do dia 11 de outubro de 1996, quando morreu Renato Manfredini Junior — ou para nós, fãs, Renato Russo —, que ao lado de Cazuza foi um dos grandes poetas dos anos 80. Frase que nunca saiu da minha cabeça, que assim como outra frase em forma de conselho: Força, sempre; em alguns momentos me fascinava mais que algumas das letras da banda. E ficava a pergunta: por que escrevia isso?
Estamos lembrando 15 anos sem a presença de Renato Russo, sem a expectativa por um novo disco, uma nova canção que falasse de coisas que não entendíamos como ele conseguia escrever e descrever tão bem, mas que agradecíamos por aquilo.
Há alguns dias, enquanto esperava ônibus próximo a uma escola, coincidentemente no horário de saída dos alunos, ouvi uma turminha cantando "Quase sem querer", "Eduardo e Mônica", "Será"... Nessa tarde, propositadamente perdi o ônibus e voltei pra casa a pé, e muito feliz.
Então entendi o significado de "A Legião Urbana tudo vence". Renato Russo morreu, a banda acabou, mas a Urbana Legio venceu. Uma forma simplória de definir o trabalho da banda é chamá-lo de atemporal, que é o que se pode dizer daquilo que não tem época, que transita no tempo sem pertencer a presente, passado ou futuro, e foi dessa maneira que tanto a Legião Urbana quanto Renato Russo conseguiram se manter vivos. Pelo menos enquanto o rito que perpetua o mito continuar a se renovar — através de gestos como os dos garotos na pracinha em frente à escola, através de pessoas que sintam e se identifiquem com as letras, com as temáticas abordadas, com a forma livre da poesia escrita e, principalmente, enquanto houver pessoas que cantem — a Legião Urbana não acabará.
Urbana Legio Omnia Vincit
Xico Fredson!
Clip de "Angra dos reis" (Que país é esse?, 1987):
Bons tempos aqueles!!!
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