terça-feira, 15 de abril de 2014

A alma de Almodóvar



por Cícero Émerson do Nascimento Cardoso

Sobre Pedro Almodóvar sabemos que foi um dos mais premiados diretores da história do cinema, que é um dos diretores mais notáveis da Espanha e é de uma evidente versatilidade – para comprovar isso basta dizer que ele é ator, diretor, roteirista, produtor e compositor.

Nascido em 24 de setembro (em que ano mesmo: 1949 ou 1951?), em Calzada de Calatrava, Espanha, aos oito anos estudou em escola cuja educação era rigidamente religiosa. Foi durante esse período que começou a ir ao cinema com frequência.  

Mudou-se para Madri aos dezesseis anos com o objetivo de estudar cinema e realizar filmes – foi morar sozinho sem qualquer auxílio financeiro da família. Impossibilitado de estudar cinema, e com dificuldades financeiras que o impediam de realizar seu objetivo, realizou diversos trabalhos até que, ao tornar-se funcionário de uma companhia telefônica, comprou sua primeira câmera.  

Durante os horários em que estava livre do trabalho, Almodóvar escreveu para revistas alternativas, participou de um grupo de teatro independente e integrou uma banda de rock. Tendo realizado mais de dez filmes de curta-metragem, após um ano de muita dedicação ao seu projeto cinematográfico, finalmente seu longa-metragem é filmado e estreia num período da Espanha em que a Democracia desfazia as atrocidades do governo ditatorial de Francisco Franco. Em 1980, portanto, Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão, filme que foi custeado praticamente pelos amigos, dá início a uma crescente produção cinematográfica que colocou Almodóvar no rol de diretores do gabarito de Carlos Saura e Luis Buñuel.

Almodóvar realizou, em 1982, o filme Labirinto de paixões e, na sequência, realizou: Maus hábitos (1983), O que eu fiz para merecer isto? (1984), Matador (1986), A lei do desejo (1987) e, no ano seguinte, o filme que o lançou internacionalmente: Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988).

O filme A lei do desejo foi realizado na própria produtora de Almodóvar: a produtora El Deseo. No ano de 1988, com o filme Mulheres à beira de um ataque de nervos, Almodóvar conseguiu realizar um dos maiores sucessos de bilheteria no ano de 1989 nos Estados Unidos e o filme espanhol de maior sucesso da história do cinema espanhol – esse filme foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Em seguida vieram os filmes: Ata-me (1990), De salto alto (1991), Kika (1993) e A flor do meu segredo (1995). Segundo críticos, Almodóvar alcançou sua maturidade artística ao realizar os filmes: Carne trêmula (1997), Tudo sobre minha mãe (1999), Fale com ela (2002), Má educação (2004), Volver (2006), Abraços partidos (2009), A pele que habito (2011) e Amantes passageiros (2013).

Com o filme Tudo sobre minha mãe, Almodóvar conseguiu realizar um dos seus melhores trabalhos, o que lhe rendeu diversos prêmios, dentre eles: Oscar de melhor filme estrangeiro, Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, Palma de Ouro de melhor diretor, César de melhor filme estrangeiro e BAFTA de melhor filme estrangeiro. Foi sua consagração no circuito comercial internacional. 

Repetiu imenso sucesso com seu filme Fale com ela, pelo qual recebeu mais um Oscar de melhor filme estrangeiro e um de melhor roteiro original; além disso, recebeu o Globo de ouro de melhor filme estrangeiro e o BAFTA de melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original.

Dentre as temáticas discutidas por Almodóvar, podemos destacar: constante metalinguagem cinematográfica, discussões amplas sobre sexualidade, identidade de gênero, feminilidade, perversões sexuais, passionalidade amorosa, crítica à religiosidade, desestrutura familiar e morte.

Uma idiossincrasia de Almodóvar é a frequência com que ele trabalha com alguns atores e atrizes em seus filmes. A parceria com atrizes sempre foi mais frequente em decorrência da constante discussão em torno de temáticas femininas. Suas grandes parceiras foram: Carmem Maura, Victoria Abril, Marisa Paredes, Rossy de Palma, Chus Lampreave e Penélope Cruz. Dentre os homens, destaca-se o ator Antonio Banderas.  

Dentre as peculiaridades da obra do cineasta, podemos enfatizar o excesso de cores que torna – com raras exceções – seus cenários supostas telas vibrantes que parecem dar o tom necessário para os dramas humanos que ele costuma retratar; as tramas em que ele imerge suas personagens costumam ser movimentadas, tensas e, por vezes, caóticas, mas do caos ele extrai os valores da alma humana com suas fragilidades, anseios e subterfúgios ante os vazios da vida; a música utilizada por ele acompanha o intenso universo de personagens que tentam se sobressair às amarras socioculturais impregnadas por falsos moralismos e visões obsoletas.

Exagerado em suas explanações? Repetitivo em relação a certas temáticas recorrentes em sua obra? Ou um gênio da arte cinematográfica no sentido mais valorativo do termo que, por ser experimentalista, não se rende ao óbvio? Parece mais coerente considerarmos esta última ideia, porque em Almodóvar, a ousadia, a criatividade e a construção de personagens – sobretudo porque ele enfatiza o universo feminino – nada convencionais torna sua obra uma das mais inovadoras e, consequentemente, belas do cinema universal.
____

Cícero Émerson do Nascimento Cardoso: Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará; graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri; especialista em Língua Portuguesa, Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa; membro do Núcleo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Regional do Cariri – NETLLI. Autor do livro de contos Breve estudo sobre corações endurecidos (2011) e dos folhetos A Beata Luzia vai à guerra e A artesã do chapéu (ou pequena biografia de Maria Raquel). Teve poema selecionado para o evento literário realizado pelo CCBNB “Abril para Leitura” em 2012 e 2013, e desenvolve trabalhos acadêmicos vinculados à Literatura, Filosofia e Educação.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 09, de 06 de novembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário