quinta-feira, 20 de março de 2014

'História da guerra de Juazeiro em 1914', cordel de João de Cristo Rei



Embalado pra viagem # 101

Cordel História da guerra de Juazeiro em 1914
Autor: João de Cristo Rei
Cordel (re)publicado pela Coleção Centenário - Cordéis Clássicos
Xilogravura da capa da reedição (Editora IMEPH, 2012): José Lourenço
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Vou descrever a batalha
Da guerra de Juazeiro,
Para se vê entre a luta
De metralha e Fuzileiro
O poder de meu Padrinho
A vitória do romeiro.

Antes de travarem a luta
Meu Padrinho disse assim:
— O governo do Estado
Se revoltou contra mim,
Para tomar Juazeiro
Prender tudo e me dar fim

Mas ele está enganado
Aqui não entra ninguém
Juazeiro é todo meu
E da mãe de Deus também
Parte aqui na minha terra
O cão, não teve e nem tem.

Não tenho medo de homem
Por mais que seja graúdo,
Acima de mim só Deus
Homem rico e casacudo
Querendo me dominar
Se derrota e perde tudo.

E disse ao Doutor Floro
Vamos cavar os valados
Que Franco Rabelo vem
Com seus batalhões armados
E nós não temos trincheiras
Para enfrentar os malvados.

Então Doutor Floro urgente
Juntou o povo romeiro
E começou trabalhando
No cerco de Juazeiro
Tanto no terreno baixo
Como no despenhadeiro.

Homem, mulher e menino
Com seu ferrinho na mão
Para cavar os valados
Chegavam de prontidão
Antes que a tropa inimiga
Encostasse o batalhão.

Enquanto o povo no campo
Lutava sem ter apelo
Organizando as trincheiras
Esperando o desmantelo
No Crato já se encontrava
O batalhão do Rabelo.

Quando o Doutor Floro souber
Que a tropa tinha chegado,
Disse a meu Padrinho Cícero
Nosso reforço é tomado
A tropa já está no Crato
E nós não temos valados.

Lhe responde meu Padrinho
Não temos a quem temer,
Nossa senhora os prendeu,
E só vão aparecer
Quando eu fizer os valados
Eles veem para morrer.

Enquanto a tropa no Crato
Se encontrava em reboliço
Os romeiros nas trincheiras,
Cavavam barro maciço
Com sete dias entregaram,
A meu Padrinho o serviço.

Então meu Padrinho disse:
— Entrem nas trincheiras agora
Que os nossos inimigos
Vão chegar sem ter demora
Porém só atirem neles
Quando eu mandar sair fora.

Previnam seus armamentos
E vão tomar posição
Aguardando as minhas ordens
Esperando o batalhão
Quando for tempo eu aviso
Do combate a invasão.

Com esta ordem os romeiros
Para os valados Marcharam
Esperando os batalhões
Que sem demora chegaram
Ruflando tambor de guerra
Pras trincheiras avançaram.

Quando bradaram as cornetas
E marcharam em direção
Do povo de meu Padrinho
Ele disse a guarnição:
— Saiam foram das trincheiras
Atirem no batalhão.

Nisso os romeiros saíram
Para fora das trincheiras,
E rolando pelo chão
Deram a descarga primeira,
Derrubaram o batalhão
E conquistaram a bandeira.

Meu padrinho vendo isto
Disse aos seus nessa hora:
— Recebam uma benção minha,
Outra de Nossa Senhora
E vão tomar o quartel
Da tropa inimiga agora.

Nesse mesmo instante o povo
Sem temer ao desacato
Cada um tomou seu rumo
Pela estrada e no mato
Uns pra tomar Juazeiro
Outros pra tomar o Crato.

O Crato já se encontrava
Sem os habitantes dele
Embora que não tivesse
Nada com esse e aquele
Se afastaram do perigo
Antes de caírem nele.

Então o povo romeiro
Que seguiu na retaguarda
Para atacar o quartel
E conquistar sua armada
Tomaram conta de Crato
As quatro da madrugada.

Entraram pelas muradas
Furando as casas por dentro
E assim todos em paz
Sem morte sem ferimento
Se apossaram do quartel
E tomaram o armamento.

Enquanto a tropa lutava
Para tomar Juazeiro
O batalhão que se achava
No campo sem paradeiro
Ou fugia ou se entregava
Para o pastor do romeiro.

Os homens que a meu Padrinho
Se entregavam arrependidos
Ele dizia: — Não roubem
Nem maltratem os oprimidos
Que eu garanto vocês
Nem morrer, nem ser ferido.

Deram um combate tão grande
Nas fronteiras dos Macacos,
Que durou vinte e três horas
Lá por dentro dos buracos
Dessa vez os homens fortes
Ficaram medrosos, fracos.

Armaram contra os romeiros
Um canhão grande demais
Porém quando detonaram
O estampido voraz,
A peça rodou o pé
Deu o tiro para trás.

Noventa e cinco por cento
Dessa vez se liquidaram
Os que ficaram com vida
Ao Rabelo então mandaram
Pedir novos batalhões
Que sem demora chegaram.

Quando suspenderam a luta
Meu Padrinho saiu fora
E disse: — Daquele fogo
Vocês escaparam agora,
Foi coberto com o manto
Da Virgem Nossa Senhora.

E continuou dizendo:
— A luta vai para a frente
As tropas vem com vontade
De tomar nosso ambiente,
E é desta vez que vai
Morrer aqui muita gente.

Mas quem fizer meu mandado
Ver dinheiro e não roubar
Ver cachaça e não beber,
Ver mulher e respeitar,
Dentro da luta sangrenta
Tem Deus para lhe ajudar.

Quando ele disse assim
Chegou pela retaguarda,
Um protetor lhe dizendo:
— Baixa Dantas foi tomada,
Pelas tropas do Governo
As duas da madrugada.

Nisso meu Padrinho disse:
— Juntem-se meu povo agora,
Vão retomar Baixa Dantas
E depois vão sem demora,
A capital Fortaleza
Botar o governo fora.

Então os romeiros foram
Seguindo o ponto de vista,
Lutar no campo da morte
Contra a fração rabelista.
Em dois combates perderam
Nos três ganharam a conquista.

Meu Padrinho nesse dia
Viu um portador chegar
E lhe disse: — Meu Padrinho
Eu vim aqui lhe avisar
Que Jota da Penha vem
Sua cabeça tirar.

Lhe respondeu meu padrinho:
— Volte para lhe dizer
Que junte lá sua tropa
E venha para morrer
Ele não sabe eu quem sou
Mas agora vai saber.

Dizendo assim mandou logo
Os romeiros lhe encontrar
E eles foram em seguida
Com o valentão brigar
Nesse encontro dia e meio
Se viu o fogo estalar.

Quando o valentão se viu
No cerco da desventura
Gritou: — Romeiros se rendam
Que minha parada é dura,
Eu sou o Jota da Penha
Homem que bala não fura.

Os romeiros lhe disseram:
— Vamos ver se fura ou não!
Deram nele uma descarga
Deixaram morto no chão,
E foram pra Fortaleza
Para findarem a questão.

Chegaram à capital
Deixaram o reforço atrás,
E foram com os graúdos
Das camadas sociais,
Botaram o governo fora
Terminaram a guerra em paz.

Então meu Padrinho disse:
— A guerra acabou-se agora,
Mas dessa grande batalha
Quem nos tirou para fora,
Não foi o poder humano
Foi Deus e Nossa Senhora. 

FIM
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