quinta-feira, 25 de junho de 2015

Onze mil virgens



por Amador Ribeiro Neto

Wilmar Silva de Andrade (Rio Parnaíba-MG, 1975) é poeta, ensaísta e ativista literário. Organizador do projeto de pesquisa Portuguesia que reuniu em livro mais de uma  centena de poetas de Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Brasil. Curador do Encontro Internacional de Leitura, Vivência e Memória da Poesia – Terças Poéticas e do Café com Poesia, que acontecem em Belo Horizonte. Diretor, roteirista e apresentador do programa de rádio Tropofonia, da UFMG. Criador e ecoperformer do projeto “Poesia biossonora”, apresentado internacionalmente. Autor de vários livros. Foi publicado em espanhol, francês, inglês, italiano, alemão, finlandês e húngaro.

Li Eu te amo (Belo Horizonte: Anome Livros, 2013), livro de poesia, e levei um susto. Como pode alguém com vivência literária tão dinâmica escrever versos ingênuos e pseudovanguardistas como “Tamtaz vezes / Sozinho experei por você / Experei por você / Quando esperei por nimguém / Mas experei por você / Quando experei por nada no trevo k // Tamtaz vvês vvês / Algoassim experei por você”. Para concluir: “Afinal, enfim, você me nasceu, // Arco-íris”. De fato, decepcionante.

Insisti. Sempre o mesmo do mesmo. Até chegar ao poema final: “E se uma folha cai / O outono aflora eu te amo // Eu afloro eu te amo / Assim como afloram // O inverno eu te amo / A primavera eu te amo”. Aqui interrompo as citações do poema. Destaco que o nome do livro é escrito em fonte cursiva. Sobre um coração retalhado por linhas geométricas preenchidas por várias cores. Bem, é um livro de declaração de amor do poeta à sua mulher. Deve cumprir um papel na vida íntima do casal. Nada mais.

Onze mil virgens (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014) não aborda a tragédia da lenda católica a que o título se refere. Não se atém ao amor platônico ou ao declaradamente redundante e excessivo, como no livro anterior. Aqui há um outro poeta. Que se vale do erotismo em múltiplas variedades. Do singelo campestre aos provocativos deuses mitológicos. Sim, há poemas desiguais. Vários. Mas vale destacar que, entre meandros e dissimulações, o poeta desenha a sinuosidade do erótico. Num jogo de formas, linhas, cores, perfumes, sabores, imagens e melodias.

O poema que abre o livro decepciona ao nos remeter de imediato ao universo temático de Donizete Galvão e à dicção rítmica de Drummond. Mesmo querendo reler o poema de abertura como uma metáfora do erotismo que se configura nos outros poemas, não há como negar seu caráter marcadamente saudosista e bucólico. É bobo.

O poema “Dríade” desde o título resgata a natureza intrínseca à mitologia das ninfas. Mas a linguagem é de um classicismo anacrônico. Se quer resgatar a lírica grega, engana-se nos preciosismos de uma poesia escrita com mão pesada: “sêmen vindo da alma celestial / é o teu ser misturado de sonho / e os devaneios por tua espera / lembram o arco íris da manhã” e por aí afora.

Felizmente, ao longo do livro há bons poemas. Um acerto encontramos em “Agregado”: “não somente para guardar / fumo e palhas do milharal / na algibeira com emendas / eu aprendi // um grilo verde / e fugi // fui carpir a roça / e sorvi o orvalho matinal”. O orvalho da manhã enquanto explosão do gozo. Já esboçado no “falus” das imagens do farfalhar das palhas do milharal e do fumo. Versos sugestivos. Sem dúvida.

Outro belo verso: “teu corpo é insânia de mim”. A imagem oblíqua do som seduz na escala de todas as vogais: “a”, “e”, “i”, “o” e “[u]”.

De Eu te amo para Onze mil virgens temos um poeta que titubeia, mas segue. Wilmar Silva de Andrade dá boas passadas. Vamos aguardar.
____

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 19 de junho de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário