
Cito as sábias palavras de James Amado, estudioso do Boca do Inferno: "Do alto do seu 'roko', a sagrada gameleira em Opô Afonjá, Gregório de Matos, pequeno orixá baiano observa, sorridente, suas próprias travessuras de Exu cavalgando o menino Caetano Veloso". Esta faixa-maravilha se encontra no disco Transa, para muitos, um dos mais belos e instigantes deste compositor-intérprete de belos e instigantes discos.
Gregório é poesia-cabeça-coração. O velho baiano barroco não perdoou nadinha: corroeu ideologias governamental e religiosa numa obra satírico-erótica. Foi um sábio: bebeu na sabedoria imortal de Quevedo e Góngora. Misturou cultismo (complexidade formal) com conceptismo (sutileza dos conceitos) em textos imortais. Varreu, com seu lirismo amoroso e religioso, o racionalismo renascentista. Produziu jogos de ideias e de formas capazes de emocionar até um cupinzeiro. Contra sua obra não há argumento que se sustente. Para Tristão de Athayde, Gregório continua "até hoje inigualado em seu gênero erótico-místico".

Caetano traz para a MPB a sofisticação de letra e música. Compõe como quem pensa e sente a canção num único mo(vi)mento. Vale-se das construções barrocas atualizando-as na estética que ficou conhecida como Neobarroco. Ou seja, o Barroco reciclado segundo a história sócio-político-estético-cultural da contemporaneidade. Por isto mesmo identificamos elementos barrocos em suas obras. Em todo caso, é bom senso não afirmar o barroquismo ipis litteris de Caetano. Vamos com calma com os dois baianos. São manos baianos. Mas não são farinha do mesmo saco não. Que isto fique bem claro. Para o bem de cada um deles. E da poesia brasileira — livresca ou cancioneira.
Texto revisto e atualizado em 06/08/2012. Publicado originalmente no jornal A União, de João Pessoa-PB, em 23/10/2007, p. 20.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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