sábado, 13 de junho de 2015
Uma breve explanação sobre Western
por Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
Segundo Vugman (2006)*, o Western é “considerado o gênero cinematográfico norte-americano por excelência”. De fato, o cinema norte-americano produziu para o mundo obras grandiosas deste gênero que alcançou mais do que o mero status de produto mercadológico, tornou-se um mito.
O grande roubo do trem (1903), de Edwin Porter, é considerado o pioneiro do Western e já apresenta algumas características que seriam determinantes para o gênero. Diretores como David W. Griffith, Thomas H. Ince, William S. Hart, John Ford, James Cruze, Tom Mix, dentre outros, deram suas contribuições para a construção de obras cinematográficas que foram, com a “evolução” do gênero, aperfeiçoadas tanto na qualidade técnica, quanto nas constantes inovações de estilos e temas empreendidas por estes.
Um dos temas recorrentes nas obras de Griffith e Ince – a oposição simbólica do bem contra o mal, representada sempre pela ligação do herói com o sagrado e dos vilões com o profano – tornou-se uma das principais características do Western. Seguem-se a estas características: a reinvenção do Velho Oeste, fundindo diferentes épocas e regiões dos Estados Unidos em um mesmo espaço peculiar e submetido a uma mítica atemporalidade; o realismo dos cenários; as movimentadas cenas em que o herói – sempre com seu estimado cavalo – envolve-se em perseguições ou enfrentamentos que exigem dele coragem e agilidade; a figura da mulher pura e singela, capaz de redimir o herói de uma vida de violência; o saloon como palco profícuo para os vilões; as paisagens desérticas e áridas que reforçavam a austeridade da vida das personagens; a recorrente indumentária – roupa com acessórios produzidos em couro, esporas nos sapatos, chapéu e lenço no pescoço – que caracterizava o herói, dentre outras.
Para além desta discussão inicial de cunho mais teórico, considero pertinente dizer que o primeiro filme de Western que eu assisti foi O homem que matou o facínora (1962), de John Ford. Este filme me causou forte impacto pela qualidade do enredo, abordagem de certos temas e caracterização das personagens.
Um dos muitos filmes em que John Ford fez parceria com John Wayne, O homem que matou o facínora é uma adaptação de um conto escrito por Dorothy M. Johnson e discorre sobre um senador que volta à cidade de Shinbone, para o funeral de um velho amigo. O senador conversa com um jornalista explicando-se sobre o porquê de estar naquele funeral e, a partir disso, a história, como um fluxo, começa a ser relatada.
O senador trata-se de Ransom Stoddard (James Stewart) – advogado idealista – e o morto trata-se de Tom Doniphon (John Wayne) – um pistoleiro. Embora amigos, na juventude eles envolveram-se num conflito amoroso porque ambos se apaixonaram pela mesma mulher: Hallie (Vera Miles).
Enquanto o triângulo amoroso se estabelecia, a cidade sofria as ameaças do facínora Liberty Valance (Lee Marvin), vilão que só temia Doniphon e que espancara e roubara Stoddart, a quem reencontrou e provocou com veemência.
Quando Stoddard se vê de todo acossado por Liberty Valance, este decide desafiar o vilão e propõe um duelo, embora não tivesse habilidade no manejo de armas. Durante o duelo, Stoddard, que seria presa fácil para o facínora, consegue sair vencedor. Acontece que ele ganhou a fama, porém quem de fato havia assassinado Liberty Valance fora Doniphon.
Um filme de fluxos de consciência de uma personagem inserida num enredo que se desenvolve entre flashbacks, O homem que matou o facínora tende a exprimir com ironia e inteligência aspectos políticos e sociais que surgem no irremediável. Stoddard revive, no retorno à terra de sua juventude, lembranças por vezes amargas, embora saudosistas e repletas de um sentimento de excessiva gratidão.
Uma das personagens que mais me chamam atenção, e que protagoniza uma das imagens mais comoventes de companheirismo e amizade no cinema, é a personagem Pompey (Woody Strode). Pompey, que durante toda a trama mostra-se um amigo fiel de Doniphon, está ao lado do caixão, sem necessariamente estar aprisionado pelos grilhões da mera subserviência, porque a ocasião já não o incitava a isto, velando o amigo. Por algum motivo que ainda não sei explicar, sempre que vejo menções a este filme, me vem à memória exatamente esta personagem que, do meu ponto de vista, é uma das mais bem delineadas desta obra.
Enfim, tanto se poderia dizer a respeito deste filme dirigido por um dos maiores nomes do Western, mas voltando a tratar do gênero, o que parece pertinente dizer, para finalizar esta breve explanação, é que este não parece ter arrefecido, pois, como se pode constatar, inúmeras produções atuais recorrem aos elementos que ele apresentou ao mundo e vários dos seus filmes, como O homem que matou o facínora, por exemplo, são mais que atuais e merecem ser vistos e revistos por serem de uma qualidade técnica irrefutável e por apresentarem personagens marcantes que compõem o imaginário que o Western construiu.
Afinal de contas, parafraseando a fala de uma das personagens de O homem que matou o facínora: isto é o Western, senhores e senhoras, um mito, e que deve ser publicado.
* VUGMAN, Fernando Simão. «Western». In: MASCARELLLO, Fernando. História do cinema mundial. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. (Coleção Campo Imagético).
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Cícero Émerson do Nascimento Cardoso: Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará; graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri; especialista em Língua Portuguesa, Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa; mestrando em Literatura Comparada pela Universidade Federal da Paraíba; membro do Núcleo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Regional do Cariri – NETLLI do Grupo de Estudos e Pesquisa em Literatura e Sociedade Contemporânea - GELISC. Autor do livro de contos Breve estudo sobre corações endurecidos (2011) e Romanceiro do Norte Juazeiro (2014) e dos folhetos A Beata Luzia vai à guerra e A artesã do chapéu (ou pequena biografia de Maria Raquel). Teve poema selecionado para o evento literário realizado pelo CCBNB “Abril para Leitura” em 2012, 2013, 2014 e 2015. Tem texto publicado pela Revista de Literatura e Arte Boca Escancarada, e desenvolve trabalhos acadêmicos vinculados à Literatura e Filosofia.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 19, de outubro de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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