quinta-feira, 11 de junho de 2015
O abismo do sátiro
por Amador Ribeiro Neto
Ricardo Correia (Rio de Janeiro, 1966) é membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da União Brasileira de Escritores. Publicou O colecionador de vulvas (contos). O abismo do sátiro (Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2014) é sua estreia como poeta.
Alejandro Zambra, o premiado romancista chileno, costuma dizer: “Se você tem uma ideia, diga; se não pode explicá-la, escreva”. Ricardo Correia parece não ter ideia. Não pode explicá-la. E não sabe escrever.
No poema “Ou não” o poeta anuncia: “Quando gastam palavras / com argumentações inúteis / em assuntos que só fariam me desgastar, / torno-me avarento de palavras”. Ou seja, ele parece prezar a palavra. Mas é pura ilusão. Os versos que começaram mal seguem piores: “E não sou suficientemente falso / para parecer interessado, / e falar de coisas que não me interessam, / só quando escrevo poemas / sobre coisas que não me interessam”. Como se não fora suficiente, prossegue: “Mas sou eu mesmo, / como se tivesse gripado, / fanhoso, / então a voz sai diferente, / mas sou eu mesmo / em certo momento”.
E assim, depois deste baque confessional redundante, lança-se na metalinguagem, como se fora uma tábua de salvação: “Mudo a cada instante, / mas sempre procuro parar / de escrever um poema / antes de discordar do que escrevi, / como terminar de escrever / e ter a sensação / que algo ficou para trás da porta”. Talvez por ter consciência de que deu com os burros n’água, justifica-se: “Meus poemas são todos diferentes / do que parecem dizer”. Não são. Se fossem, o poeta deixaria o próprio leitor chegar a esta conclusão. Como fazem Glauco Mattoso, Frederico Barbosa, Flávio Castro, Alberto Lins Caldas e Alexandre Guarnieri, por exemplo.
Mas Ricardo Correia não se contenta em publicar seu livro. Sente a necessidade de dizer que os poemas foram escritos entre os 16 e 26 anos de idade. E para dizer isto ele redige um texto cujo título é a citação latina de um salmo bíblico: “Abyssus abyssum invocat”. Em tradução livre: “Abismo chama abismo”. É bem sintomático: o poeta anuncia sua derrocada logo depois do prefácio amigo e parcial da grande poeta Olga Savary. É um livro que se apresenta cheio de dificuldades. Uma delas, dizer que aguardou 21 anos para ser publicado. Se a maioridade dos anos não ajudou em nada, pergunto: publicar por quê? Pra quê?
O poeta, depois de discorrer sobre a figura mitológica do sátiro enquanto “sexualidade depravada, bestial”, que “mitologicamente descreve essa corda estendida sobre o abismo”, diz: “olho para os poemas e ofereço-os a todos os leitores, como uma tentativa de reincorporar, aos 47 anos, a força que teve em mim durante uma contraditoriamente eterna juventude!”. Ora, isto parece acerto de contas com o passado. Não é literatura. É matéria para diário íntimo, psicanálise ou coisa afim.
Há um “eu” adolescente divagando pelas páginas deste livro de um homem maduro. No poema “Como?”, desde o título pouco significativo, diz: “Não estou triste, / e isso não é motivo / para estar alegre: / estou simplesmente eu / / Estou eu / pois vejo e me sinto. / As pessoas sentem algo, / porque estão sempre se incomodando. / Elas se incomodam comigo, / que sou eu”. Parece poesia de guardanapo de bar em festinha de jovenzinhos. O poeta precisa abandonar os pensamentos clichês. Precisa entregar-se ao domínio da linguagem da poesia. Ao mundo de sons e significados na construção do inusual, do inusitado, do desautomatizado. Ser neorromântico é retrô. E careta.
Adentre nosso tempo, Ricardo Correia. E escreva um livro de poesia contemporânea. Pra valer. Você deve isto aos leitores.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 05 de junho de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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