quinta-feira, 18 de junho de 2015
até nenhum lugar
por Amador Ribeiro Neto
Ademir Assunção (Araraquara-SP, 1961) é poeta, contista, romancista, músico e jornalista. Gravou os CDs Rebelião na Zona Fantasma (2005) e Viralatas de Córdoba (2013). Tem poemas publicados nos Estados Unidos, México, Argentina, entre outros. Integra importantes antologias nacionais. Como letrista, assina canções com Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Madan, Patrícia Amaral, Titane, Mona Gadelha e banda Nhocuné Soul. Ao lado de Rodrigo Garcia Lopes e Marcos Losnak edita a revista literária Coyote. Em poesia publicou: LSD Nô (1994, reeditado em 2014), Zona Branca (2001, segunda edição em 2006), A musa chapada (2008, em parceria com Antonio Vicente Seraphim Pietroforte), A voz do ventríloquo (2012, Prêmio Jabuti), Tempo instável na tarde dos anjos desolados (2011), O Caio e o Cuio (2013, infantil que comentamos nesta coluna). Pig Brother e até nenhum lugar (2015, ambos pela Patuá) foram lançados esta semana em São Paulo.
Ao ler até nenhum lugar o leitor é tomado por uma sensação muito próxima do mundo zen: ele sente-se sublime. Mais que isto: sente-se inspirado. E como já observou Paul Valéry, a grande sacada de um poeta não é ele ser inspirado, mas fazer o leitor sentir-se como tal. Intento que Ademir Assunção consegue com a simplicidade e a beleza de uma flor de lótus.
Seus poemas são flashes da vida cotidiana, observações de sentimentos trazidos pela memória ou provocados por alguma cena presente. A praia, uma borboleta, o sentimento do amor – tudo é matéria livre, leve e solta para tercetos (na quase maioria) deste poeta que também sabe ser arrojado nos temas e expansivo no verbo, como em “A musa chapada” ou no recém-lançado Pig Brother. No entanto, em “até nenhum lugar” surge-nos contido. Reservado. Como a dizer: eu faço o que quero, quando quero, do jeito que quero. E sorte do leitor: ele sempre faz grande poesia.
Eis um livro feito da matéria mais sutil do cotidiano. Nada de nonsense. Nenhuma cena demolidora. Nada de delírios, nem dilaceramentos. Nenhuma tragédia. Nenhuma comédia. Muita vida. Toda a vida com seu leque de abrangências em aberto, vibrando ventos, brisas, neblinas.
Um livro feito de filigranas finamente entrelaçadas umas nas outras. Peças de minuciosa e diminuta ourivesaria. Versando poesia sobre o mais corriqueiro cotidiano. Tudo luz, música, silêncio, marujar de águas.
Cada poema une-se ao seguinte numa sequência natural como – valho-me de imagens presentes no livro – a água em cascata. O reflexo do sol no mar. A lua expulsando a escuridão da casa. O céu sertanejo, pleno de claridade estonteante.
Ademir Assunção escreve sobre o “déjà vu” do mundo. Mas sob uma outra ótica: a que o revela por dentro, desde as entranhas. Revelação que se processa pela pauta da música. Afinal, ela é a força motriz deste livro. Cada poema apresenta-se como uma canção na dança das palavras entre sentir e fazer sentir – entre sentido e fazer sentido. Som na caixa. As sonoridades dissipam-se entre versos sustenidos nas claves deste livro.
É o caso de poemas como “manhã / fria / de outono // o sol / dissolve / o orvalho // nas asas / da borboleta”. Ou este: “neblina na montanha / até a bananeira / inclina as folhas // e se abandona”. Mais este: “aos poucos / vamos ficando / loucos // aos loucos / nada de muito / pouco”. Assim é Ademir Assunção: força magistral de mínimas mímicas de som, imagem e mil sentidos. Um poeta que lemos com emoção: da mais delineada à mais informe. Sempre ligados imantados ao seu universo mega poético.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 12 de junho de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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