quinta-feira, 4 de junho de 2015
Experiências extraordinárias
por Amador Ribeiro Neto
Rodrigo Garcia Lopes (Londrina, 1965) é poeta, romancista, jornalista, compositor e tradutor de Whitman, Rimbaud, Laura Riding, entre outros. Autor dos livros de poesia: Solarium (1994), Polivox (2001), Nômada (2004), Visibilia (2005), Estúdio realidade (2013). Experiências extraordinárias (Londrina: Kan, 2014) é seu mais recente livro.
No ano passado tivemos a oportunidade de comentar aqui Estúdio realidade. Concluímos a coluna assim: “Sobram: prosaísmos e clicherias. RGL está devendo-nos um livro de poesia”.
Pois o livro esperado chegou. Não vou dizer que tenha sido uma surpresa. Eu já conhecia, e até me habituara à qualidade da poesia de Rodrigo Garcia Lopes. A decepção foi o livro lançado anteriormente.
Agora o poeta volta à conhecida forma e dá-nos uma poesia cravada no melhor trabalho de linguagem. Ele está tão bem que até poema de cunho filosófico ele faz. Com admirável desenvoltura. Poesia e filosofia, sabemos, dificilmente se entendem. Poemas que se dão no campo prioritário das ideias, poucas vezes não sucumbem ao didatismo, ao panfletarismo ou à persuasão.
RGL sabe safar-se destas armadilhas. As partes um e quatro, que abrem e encerram seu livro, são um exemplo deste acerto. Cito “Império dos segundos”: “Se eu fosse parar pra saber / o sabor deste instante / não iria jamais perceber / do que é feito o durante, // a carne de cada segundo, / minuto de cada poente / de que é feito este mundo, / sangue, esperma, poeira, // não ia jamais me lembrar / de trama da tarde, museu / onde moram as velhas horas, / nem o duro rosto deste outro // outono, matéria, mistério / nem a memória, esse mármore / em fluxo, rugido em estéreo / de uma incessante cachoeira”.
Nas quadras octossilábicas o poema insere uma reflexão heráclito-pessoana através de versos ritmicamente bem estruturados. Poesia, filosofia e música unidas.
A parte dois é formada por haicais absolutamente encantadores. A mão certeira capta flashes do cotidiano em mínimas pinceladas de palavras. Aqui, o poeta recupera haicais de Satori Uso, poeta nipo-brasileiro (1925-1985) e heterônimo do poeta londrinense. Atentemos para este ramalhete de pequenas ações cotidianas: “haicais, bitucas, recados / o acaso em cada bolso / do casaco”. Ou esta macro reflexão num tiquinho de imagens: “nem dentro, nem fora / neste canto do jardim / sou uma sombra de mim”. A palavra “canto” funciona com substantivo e verbo. Como verbo, reverbera-se musicalmente em “SOMbra”. O par dentro-e-fora reflete a imagem que se espelha no som. Música, imagem e palavra: fina poesia.
Na terceira parte diálogos são travados com autores como Horácio, Poe, Graciliano Ramos, entre outros. Cito “Poetílica eliterária” com a observação “depois de Drummond”: “O poeta do momento / cutuca com vara curta / o poeta em tempo integral. // Enquanto isso o poeta fofo / assassina mais um poema”. E agora “Homo literatus” com a observação “depois de Oswald”: “No mundo literário / A prova dos nove / Não é nenhuma alegria / E vem com um receituário: / Não fala que promove”.
Nos dois casos o poeta faz uso feliz da paródia. No primeiro, enquanto “canto paralelo”, na mesma ótica do poema do Drummond. No segundo, enquanto zombaria, a partir do repertório antropofágico-oswaldiano.
Salve Rodrigo Garcia Lopes e a volta de sua extraordinária poesia. Experiências extraordinárias é um grande livro.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 29 de maio de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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