quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Poesia exilada
por Amador Ribeiro Neto
Alexandre Marino (Passos-MG, 1956) é poeta, jornalista e publicitário. Autor de Os operários da palavra (1979), Todas as tempestades (1981), O delírio dos búzios (1999), Arqueolhar (2005), Poemas por amor (2007) e Exília (São Paulo: Dobra Editorial, 2013).
Sua poesia, feita a partir de imagens do cotidiano e do fino ato de perscrutar a psique humana sabe colher, em imagens e melodia, o frescor e o tédio da vida. Mantendo, que fique claro, estreito diálogo com a dicção drummondiana.
Dizer que Alexandre Marino dialoga com Drummond é afirmar que ele sabe eleger o grande poeta como mestre. Com ele manter uma relação de proximidade e, ao mesmo tempo, em vários poemas, criar o lugar de sua própria poesia. Tal constatação fica expressa, no geral, ao longo das cinco partes que compõem o volume.
Ao lado do amor, da solidão, do desconforto, da inquietude, do incômodo, do desamparo e da morte, a cidade é a grande marca da poesia de Alexandre Marino. Em “Cenário ao fim da tarde” o poema diz: “A silhueta redesenha o horizonte, / onde a cidade se faz, se refaz, se perde”. E mais adiante: “Nu e imóvel, única vida palpável / no esqueleto da cidade, / seu corpo contraria / o pulsar das ruas a distância, / o vento a soprar folhas de possíveis palmeiras, / e começa a dançar a este ritmo, / aliado ao de meu coração ansioso”. Os versos bonitos e certeiros apontam para a cena amorosa incrustada no universo urbano. Pode parecer pouco. Não é. Os versos são bonitos. E a cidade é a grande ausente da poesia brasileira contemporânea.
“Paisagem invisível” toma a cadência rítmico-repetitiva drummondiana associada a um olhar terno sobre a figura da mãe: “Minha mãe e seu olhar diáfano. / Minha mãe e suas penumbras, / a guiar-lhe os passos trôpegos. / Minha mãe e as histórias perdidas / nas erosões de seu rosto”. Mesmo tomando como corpus o cotidiano, percebe-se na poesia de Alexandre Marino um acento classicizante. E nisto ele se distancia de Drummond.
Este procedimento leva-o a não acertar a mão em alguns poemas do livro. Em “Náufragos” as imagens surradas desgastam o que poderia ser um poema sensível. Não é. Cito-o inteiramente: “Náufrago em si mesmo, o homem / lança mensagens em garrafas. // Mas o mar só devolve o silêncio / à solidão de seu corpo. // Sem um porto onde se salvar / toma de outra garrafa / e nela constrói um navio. // Só lhe falta, agora, o destino”. O poema soa artificial. Pretensamente belo. Por isso erra.
A mesma busca por uma poesia bem feitinha aparece nas aliterações forjadas de “Laboratório”: “O cego insone / ouve o ressoar do rio / sob o silêncio dos ventos / e inventa um verso / invisível”.
A seguir, o poema vai abordar o aleijado, o matemático, o poeta para, ao final, concluir: “Mas a razão, / volátil e fugaz, / volta ao estado de pedra. / O homem das cavernas / retoma a busca / da fórmula perdida”. Mesmo sem conhecer as peripécias das estrofes sequentes, o leitor deve ter percebido que Alexandre Marino, nestes casos, desliza para o lugar comum. E busca dourar a pílula com artimanhas tiradas da cartola. Não funciona. Ele precisa rever esta mão pesada no talho da forma.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 06 de fevereiro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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