quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Poesia distinta
por Amador Ribeiro Neto
Alberto Bresciani (Rio de Janeiro, 1961) é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Publicou Incompleto movimento (Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2011), até o momento seu único livro de poesias. Integra a antologia Hiperconexões: realidade expandida (Patuá, 2014).
A poesia de Alberto Bresciani tem um dos pés na busca do coloquial e outro na tradição clássica. Ora acerta, ora não. Ele parece almejar uma descontração da linguagem, mas tolhe-a com construções que lembram a poesia canônica bem comportada. Aquela poesia que nos remete aos neoclássicos, aos parnasianos e até – parece paradoxo – aos simbolistas.
Há um clima de dissabor nas relações humanas retratadas. Mas este dissabor é sugerido por um erotismo devidamente camuflado. O recorte de objetos descritos revela grande precisão. Há uma tomada corajosa da morte enquanto partícipe do mais reles sentimento ou ação diárias.
A dor na poesia de Alberto Bresciani corta fundo sem ser piegas. O poeta não é romântico nem neorromântico. Não lhe interessa a emoção exacerbada nem o mundo dos sonhos edênicos. Ele se atém à realidade. E o corpo humano é um de seus objetos eleitos. Cito a primeira parte do poema “Desencontros”: “No relance – sem tempo / de ver cor ou gesto – / o gosto do corpo / que acorre à pele // abrangente, meu sempre”.
Todavia, por vezes esta poesia, que se faz corpo no e pelo cotidiano, esbarra no etéreo, no devaneio, no inefável. Talvez seja a busca pela erudição. Talvez, a força do hábito de reverberar uma poesia canonizada por formas hoje em desuso. Em tempo: nada impede que um poeta porte-se como clássico. Mas que seu classicismo seja reciclado à luz das conquistas da poesia moderna. Como em Maria Lucia Dal Farra e Chico Lopes, por exemplo.
Em Incompleto movimento há muitas metáforas que não dizem o que almejam, tal o grau de sugestão que encerram. Consideremos o poema “Fantasia”, que cito na íntegra: “Um corpo despido / do esquecimento // arranha e se aninha / na espessura da lenda // que secreto acendo / no fundo das horas”. Cabe ao poeta expressar o conhecido fugindo da norma corriqueira. Certo. Mas o desvio não pode conter um grau de abstração que impeça a compreensão do leitor. Este precisa possuir meios de perceber a curva da linguagem, sem perder o referente do qual distancia-se.
Noutro extremo, ao aventurar-se pelo coloquial, o poeta, algumas vezes, resvala para o simplismo da poesia neomarginal: “Quando chegou / estava de saída // já não era cedo / para querer // era tarde / para o desejo”. Ou em: “Minhas asas / estão sangrando / mas há espaço / para o nosso voo”.
Há versos bem construídos como “Sobre a mesa / o movimento da faca / altera as faces do ar”. Ou o poema “Antídoto”: “Entre datas / que me escrevem // (interlúdio / sem som) // ainda venha / esse corpo // e me ame / em chama // até o fim / da última noite // Depois, ausência / nenhuma dentro do vão // o silêncio assentido / todo e só meu”.
Alberto Bresciani tem o que dizer. E sabe, na maior parte das vezes, como fazê-lo. Que o tempo seja seu aliado na seleção mais rigorosa do que produz.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 20 de fevereiro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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