quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Poesia de viagens e alumbramento



por Amador Ribeiro Neto

Marco Lucchesi (Rio de Janeiro, 1963) é poeta, professor da UFRJ, romancista, ensaísta, tradutor, crítico literário, organizador de antologias, editor de revistas literárias. Foi contemplado com o Prêmio Alceu Amoroso Lima pelo conjunto da obra poética, o Prêmio Marin Sorescu, da Romênia, o Prêmio Ministero dei Beni Culturali, da Itália, e o Jabuti. Esteve entre os finalistas do Prêmio São Paulo e do Portugal Telecom.

Publicou, entre outros, os livros de poesia: Bizâncio (1997), Poemas reunidos (2000), Sphera (2003), Meridiano celeste & bestiário (2006). Clio (São Paulo: Biblioteca Azul, 2014) é sua obra mais recente, prefaciada por Alfredo Bosi.

Nas anotações ao fim do volume o poeta observa acerca do extenso poema “Clio”: “Deve ser lido sem interrupção”. Ainda bem que lemos sua instrução ao término da leitura do livro. Que foi lido, da primeira à última página, ininterruptamente. Os poemas, embora escritos entre 2007 e 2014, possuem unidade em absoluto estado de encanto, alumbramento, epifania. Uma poesia de viagens. E revelações.

Lê-se Clio em estado de inspiração. O leitor sente-se inspirado. Tal como queria Valéry. A singularidade das imagens, o ritmo dos versos e a diagramação na página em branco, entre outros recursos, enredam o leitor numa empreitada de múltiplos gozos. A poesia à flor da pele. A poesia à flor da mente. O intelecto premiado pela sensibilidade de formas que informam e seduzem. Ideias em parceria com a imaginação.

A História funde-se com a história. As navegações são selvas selvagens das Índias metaforizadas em radares de GPS. O lirismo camoniano mescla-se ao pessoano, não sem antes visitar a lírica de Dante. A magia emerge pelos poros dos vocábulos. E deslinda mistérios e belezas. Tudo flui. Não há suspensão, vagareza ou impassibilidade. Clio é inegavelmente cativante, magnético, dominador.

Na mitologia grega, Clio é a deusa da história e, ao mesmo tempo, da inventividade. Ela é dona dos fatos e das artes criativas. Por isto a epígrafe do livro: “A história é a poesia em escala mais ampla” (Jacob Burchhardt, historiador e filósofo).

Os poemas de Marco Lucchesi, via de regra, exploram à vera a espacialização dos versos na página. Assim, limito-me aqui a citar dois poemas que não fazem uso de tais recursos. “Muitas” aborda as bestas que geram pesadelos. O poema tem, na sua feitura concisa, a densidade do belo: “nos meus domínios / insones // a gente / é pouca / e as alimárias / muitas”.

“Confissão” vale-se de Pessoa revisitado por Gil Vicente: “Sou da pátria de fronteira / rei de Portugal e Algures. // Um monarca desigual / sem arautos nem bandeira. // Réu de Algarves Portugal / rei de Algures e Nenhures”.

O poema “Clio”, o mais extenso do livro, mergulha nas águas da memória do sebastianismo dialogando com Mensagem, de Fernando Pessoa. Aqui, o deslocamento das espacializações dos versos materializa e iconiza o movimento das viagens marítimas e oníricas de um eu-lírico em eterna busca.

Resumo da ópera: Clio é um dos mais sublimes livros de poesia dos últimos anos.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 13 de fevereiro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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