por Elvis Pinheiro
Para um evento que se propõe exibir filmes durante 21 dias consecutivos, gratuitamente e em dois municípios, os desafios são imensos e a dificuldade aparece em cada mínimo detalhe. Neste meu relatório público tratarei de alguns pontos apenas.
A primeira dificuldade: A MEMÓRIA. Em janeiro de 2014 não havia mais tantos interessados em discutir política e sociedade quanto existiam em junho do ano anterior, época das famosas manifestações que ilustraram os álbuns de milhares de facebookianos. E de um ano para o outro a própria existência da MOSTRA 21 se perde. Apenas 10% do público são de espectadores de mostras passadas. Toda edição, portanto, é de conquista de novos apreciadores de cinema. Pelo tamanho do evento, pelas instituições envolvidas e por sua importância natural, claro, temos bastante visibilidade midiática. A imprensa cumpre um papel belíssimo que ajuda a tornar conhecidas e «lembradas» as sessões que estão acontecendo.
Pela primeira vez, depois da criação do Grupo de Estudos de Cinema, foi feito um convite formal para que os participantes do grupo se envolvessem com a MOSTRA 21. Quem era espectador nas mostras anteriores continuou sendo, quem nunca foi, continuou a não ir e ainda aconteceu o fato daqueles que puderam ir apenas aos filmes que já gostavam, porque já conheciam. E este é um ponto delicado: se não conseguimos conquistar o apoio dos membros de um grupo que estuda cinema para um evento, que talvez seja o maior do estado em duração e número de filmes, como tornar importante o Cinema para quem já está desacostumado ou nunca deu importância em ir ao Cinema?
E tem mais: o Cinema, como as outras linguagens da Arte, possui a face do mero entretenimento, da mera decoração, e a outra face, mais preocupada com forma e conteúdo, com criação e autoria. Permitir que o público tenha acesso ao maior número de imagens possível é a função primordial de Cineclubes, Grupos de Estudo de Cinema, Festivais e Salas Exibidoras de Centros Culturais e demais instituições de fomento à cultura. Sem isso, seremos vítimas da homogeneização, do monopólio, do poder de distribuição e logística das imagens produzidas por um único país, de uma única indústria e sempre o que há de mais recente, como se não houvesse passado, como se não houvesse a necessidade da memória.
Esperamos todos ansiosos (e essa ansiedade é maravilhosa de se ver), a abertura das salas de cinema do Shopping [nota: o texto foi publicado em abril de 2014, atualmente as salas do Cariri Garden Shopping estão abertas]. E eu acrescento que em breve serão abertos outros grandes centros de compra e, obrigatoriamente, todos eles possuirão salas de cinema. O que significa que daqui a, no máximo, cinco anos, teremos um complexo exibidor de pelo menos dez salas. Se hoje choramos por uma, imaginarmos isso é quase uma quimera e eu me atrevo a conjecturar que estou sendo um tanto quanto pessimista em relação ao tempo e à quantidade de locais de exibição no futuro.
Acontece que mesmo quando tudo isso se der, a importância dos festivais, dos cineclubes, dos grupos de estudo e das salas alternativas de cinema será ainda mais crucial, porque todos os grupos sociais continuarão precisando ter acesso à variedade cinematográfica existente no mundo. Hoje as salas de cinema que existem no Cariri são alternativas e há quem diga que são «obrigativas», porque não existem outras, e eu digo: elas são alternativas hoje e serão sempre, porque elas são uma oportunidade real e constante de se conhecerem diretores, filmes, estilos de cinema de vários países, de várias épocas, de variados formatos e com as mais ousadas propostas ideológicas e, porque não dizer, políticas. Nunca uma sala que exiba filmes de arte, mesmo que se pague caro pelo ingresso, deixará de ser uma sala alternativa de cinema.
Acrescento que apenas em espaços alternativos o espectador é conflitado a se pensar enquanto agente, enquanto crítico, numa perspectiva menos passiva e mais ativa da experiência cinematográfica. Apenas nestes espaços quem vê o filme é, formalmente, levado a repensar sua postura enquanto espectador e descobre como deve se comportar numa sala de exibição para poder ajudar a construir o filme. Ele descobre que o filme não está pronto quando sai das mãos do diretor e de que ele só se torna Cinema quando é exibido publicamente e o seu olhar é envolvido dentro do processo. Sem o espectador não há Sistema, e o Cinema, consequentemente, não existe.
A MOSTRA 21 de 2014 teve média de público de 100 espectadores por sessão, o que significa dizer que a mostra foi um sucesso. A festa que organizamos em sua homenagem, e esta sim, com o apoio forte e visceral de todo o grupo de estudos, a FESTEXCESSO, foi um estrondo: felicitações para público e crítica. Continuarmos vigilantes e atuantes, no entanto, é indispensável. Vale ressaltar também que houve exibições no turno da tarde em uma mostra de cinema político brasileiro com filmes do diretor Leon Hirszman e ainda uma mostra de filmes turcos. Pelo horário vespertino, tivemos problemas em conseguir maiores plateias para estas exibições, mas o que melhor aprendi em mais de dez anos mediando cinema no Cariri é de que não importa a quantidade do público, o que importa é que exista a projeção.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 17, de 09 de abril de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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