por Amador Ribeiro Neto
O livro de Alice Sant’Anna é um mergulho raso nas águas do surrealismo. A imagem, sem pé nem cabeça, do rabo da baleia que cruza e se afunda nas tábuas corridas da sala de estar, dá o tom do desastre que o leitor encontrará daqui até o final do volume. Nada de novo acontecerá. Parcos versos chegam a ser poéticos. Mesmo assim, isoladamente.
Não há um único poema bem realizado em todo o livro. A poetisa até se esforça para atingir a meta. Mexe na virgulação dos versos de modo a criar um modo de expressão diferente do habitual. Mas não consegue fugir do corriqueiro. Logo na leitura do terceiro poema o leitor já conhece seus artificialismos.
A tentativa de surpreender com o surrealismo é igualmente infeliz. O desvio das imagens e significados não tem um referencial como apoio. Resultado: há saturação do surreal pelo surreal.
Sem ao menos um campo de relações para o leitor estabelecer referências, e situar poeticamente o desvio, os “poemas” desmancham-se nas tristes páginas deste livro.
Vejamos: “a enorme bola branca / entrou manchando toda / a sala de branco / de luz do inverno / que não esquenta, mas se não / sentíssemos nada não usaríamos casacos / pois a luz já convenceria do calor”. E prossegue: “tem dias que a arrumadeira / por descuido deixa a porta do banheiro aberta / quando vai tratar de outra coisa / em outro canto, a porta aberta / permite que eu entre no banheiro antigo / a que os visitantes não têm acesso / pois a porta fica sempre fechada”.
O prosaísmo de Alice Sant’Anna é de tal forma rasteiro que se seus textos não fossem grafados em forma de versos poderiam ser tomados como minicontos. Igualmente lamentáveis. Mas minicontos. Como em “veio, mas esqueceu as calças / o micro-vestido que deixa / as coxas quase inteiras nuas, a sueca / entrou na sala / mal o professor abre a pasta, / tira os óculos escuros e o ipod / bonjour, ela diz / aquele sorriso às nove e três / por pouco não perde a chamada / senta ao lado do americano / que afasta a cadeira atento às pernas / o professor retribui o sorriso / e começa mais um dia: a chamada / em ordem alfabética / pelo sobrenome / não acerta nunca o nome da chinesa / que virou clara para simplificar / ele diz algo incompreensível / e levanta a cabeça esperando aprovação / no que a chinesa corrige: / pode me chamar de clara”.
A prosa pode ser poética: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, etc. Há poemas em prosa: Baudelaire, Fernando Pessoa (Bernardo Soares), etc. E há a prosa propriamente dita. O que Alice Sant’Anna faz é um prosaísmo destituído de qualquer tom poético. Não há maturidade, talento, nem mestria poética em seu livro.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 11 de julho de 2014, p. 7.
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