quinta-feira, 31 de julho de 2014

Poesia e silêncio



por Amador Ribeiro Neto

Chico Lopes nasceu em 1952. Em 2012 recebeu o Jabuti pelo elogiado romance O estranho no corredor. Já, Caderno provinciano (São Paulo: Editora Patuá, 2013), é seu primeiro livro de poesia. Até então só publicara prosa.

A poesia de Chico Lopes oscila entre o modernismo pessoano e o classicismo de Dante e Camões. Ele sabe ser moderno e eterno, como apregoava Drummond. Mas, ao contrário do poema do poeta mineiro, as duas qualidades não se opõem em Chico. Antes: convivem harmonicamente.

Isto é admirável. E também é o resultado de quem faz poesia tendo lido os grandes poetas, canônicos ou contemporâneos. Chico Lopes domina a poesia com habilidade, leveza e maestria. Tem consciência do que é a linguagem poética: mescla de conhecimento teórico, leitura de poesia e emoção.

As inflexões filosóficas de Pessoa ressoam em seu livro, bem como a dicção lírica de Dante e Camões. A poesia de Chico Lopes sabe inserir-se no tempo da reflexão. Ela é um pensar sobre a vida e a linguagem. Ao mesmo tempo que é a expressão franca dos sentimentos de um “eu”.

Ela é música, mesmo na busca do silêncio. Música que entranha-se na memória, no raciocínio, nos sentimentos, na natureza, na linguagem. É o que constatamos ao ler o poema emblemático que abre o livro: “O poço”: “Torpor da memória, / olhos de água estagnada. / Nada se move, nada. / Queria não ser o que sei, / dobrar a curva do jardim, / nunca mais saber de mim. / Mas inda algum sino se alarma, / cumpre escrever, mergulhar / no poço onde nada se salva. / Alguém me ouvirá o gemido? / Não, não farei ruído / exceto o de pedregulho / absorvido por água”.

A recusa ao barulho, ao ruído, ao ritmo e à melodia estão também presentes em “O areal”: “Que os outros não me ouçam, / que o próprio som me seja / involuntário, fácil, como o rio / de que emergi sem nunca ter pedido / a bem de um mundo escuro e gratuito”.

O rio-tempo heraclitiano é uma dominante da poesia deste paulista de Novo Horizonte. E as águas fluviais transbordam filosofia. Sem comprometer a poesia. Antes: revitalizando-a. Procedimento feliz como em Mário Faustino, por exemplo.

Em “Água”, a atmosfera de degeneração e desolamento animiza o tempo num riocorrente de emoções à flor da pele: “Uma lua baça e algumas pedras negras, / a ponte corroída, silêncio de afogados. / Tenho medo do rio. O rio é uma pessoa, / repleta de intenções, olhos parados”.

Caderno provinciano carrega no título uma grande zombaria. Arrisco dizer que beira o irônico. Nada há, no livro, do primarismo de um caderno. Sequer há do provincianismo. Existe, isto sim, um embate entre memória, tempo, geografia, silêncio e escrita. Numa admirável conversa com grandes poemas e poetas.

Sem dúvida, mais um grande lançamento da editora Patuá, que tem aberto espaço à nova poesia, entre outras publicações. O livro faz jus a ser finalista do Telecom 2014.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 25 de julho de 2014, p. 7.

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