por Amador Ribeiro Neto
Saudada por Chacal na primeira orelha do volume, ficamos assustados com a convicção, sem argumentos, do autor de Belvedere: “A Bruna me maravilha. E pronto”.
Uma convicção cega? Ou dogmática? Quem sabe, doutrinária? De qualquer forma o leitor sai da orelha vazio de informação. Cai no livro.
E lê: “mamãe posso comer / essa pipoca? // não pode minha filha / é macumba / macumba não pode comer // e o guaraná pode / ah mãe deixa”.
Outro, intitulado “a senhorinha vaca”. Diz: “fazes inveja / a tudo que rasteja // sobretudo // às minhoquinhas // tão atormentadas / pela fibra ótica // bebê, cágado, o passado / não é veloz // estivesse ainda / em moda o engenho // serias útil / eras minha”.
Esta poeta não entende nada de história? Era do engenho no século XXI? Ou ela quer fazer piada com a vaca, já que a chama de “senhorinha vaca”? Para alguns pode ser engraçado. A mim soa como um texto anacrônico, escrito por alguém desinformado. E sem talento. Chinfrim é a palavra que me ocorre para qualificar este texto. E o anterior.
E o seguinte, feito com o mesmo abuso barato da anáfora. Prática herdada de Angélica Freitas? Cito Bruna Beber: “quanto falta pra gente se ver hoje / quanto falta pra gente se ver logo / quanto falta pra gente se ver todo dia / quanto falta pra gente se ver pra sempre / quanto falta pra gente se ver dia sim dia não / quanto falta pra gente se ver às vezes / quanto falta pra gente se ver cada vez menos / quanto falta pra gente não querer se ver / quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais / quanto falta pra gente se ver e fingir que não se viu / quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer / quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu”.
De fato, uma reflexão filosófica em tom poético pra poeta marginal, ou neomarginal algum botar defeito. Antes: proclamar vivas, tal como faz Chacal.
Se poesia é a quebra na rotina, um desvio da norma, um imprevisto que alumbra, Bruna Beber está anos luz distante do poético. Mas se poesia é a inalterabilidade institucionalizada, sem um mínimo de zelo pela linguagem, sem um mínimo de informação estética e ética, sem um mínimo de nada... Então a poetisa está com tudo.
É certamente por isto que Chacal proclama que os quatro volumes de Bruna Beber fazem “volume na minha estante de autores consagrados”. Está claro: o criador tem de beber, digo, lamber sua cria. Faz parte do bom senso do ego autoinflado. Do ego exclusivista que só sabe ver a si próprio. Ou a tudo que seja espelho. A tudo que o reflita.
Pra que saber a que grau chegou a poesia pós Cabral? Basta ter-se uma vaga ideia do que foi o Modernismo. E saber usar uns recursos mancos dos manuais de versificação poética.
Uma anáfora aqui. Outra ali também. Mais outra. Alguns poemas feitos com versos dísticos. Pois bem: de dois em dois a poetisa enche o papo.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 27 de junho de 2014, p. 7.
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