quinta-feira, 20 de outubro de 2016

E ela não volta mais?



por Maria Deyvianne dos Anjos

Elena (2012) é um documentário brasileiro dirigido por Petra Costa que relata de forma emocionante e sensível a vida da sua irmã, esta que dá nome ao filme. A história é narrada na voz da própria Petra e intercalada entre fragmentos de um diário, declarações, cartas e vídeos caseiros antigos da sua família, muitos filmados por Elena. Indescritível o modo como a diretora, que também foi roteirista junto com Carolina Ziskind, conta a relação de amor, poesia, afeto e, sobretudo, memória da sua convivência com a irmã 13 anos mais velha. Antes de tudo vale ressaltar que o formato desse longa-metragem traz constantemente a sensação de embalo numa dança leve, suave e envolvente.

Elena Andrade teve uma infância clandestina durante os anos de ditadura em que viveu no Brasil e a vida adulta turbilhonada entre sonhos, conflitos, realizações pessoais e profissionais. Toma desde cedo posse do sonho da sua mãe que era ser atriz, de fazer arte e em busca disso muda-se para Nova York. Após algum tempo não consegue mais seguir adiante, começando a se dissolver em seus sentimentos e angústias, o que acaba afetando também a vida de sua mãe Li An e Petra. Em um certo período e depois de alguns acontecimentos fica claro o medo que inquieta a mãe delas: que a sua caçula curse o mesmo caminho e destino.

Depoimentos de amigos, da sua mãe, filmados sobre o olhar incrível e admirável da diretora muito me agradou não só pela beleza mostrada na tela, como também pela forma tocante e inesperada ao tratar de um assunto tão forte e tão pessoal. São recordações que a cineasta constrói com imenso carinho e doçura eternizando-as numa película, na verdade me parece que esta foi a forma de Petra encontrar e se despedir da irmã pela ultima vez.

Além disso, imagino o quanto foi doloroso e ao mesmo tempo liberta(dor) todo o processo de criação, da produção a pós-produção dessa quase autobiografia, pois a história de Petra e da sua irmã se sobrepõe inúmeras vezes. Revirar o passado sempre nos traz memórias boas ou ruins e não se tem como escolher quais virão, elas simplesmente brotam e nos afetam.

Vale lembrar que ultimamente muito se tem falado sobre a predominância da figura masculina no cinema, em Elena isso foge da regra e esperamos que futuramente não seja mais uma exceção. A visão feminina predomina aqui, visto que as protagonistas são três mulheres de gerações distintas vivenciando dramas e conflitos em comum. Existe também o fato de Petra em uma entrevista afirmar que a sua intenção era fazer uma espécie de versão feminina de Bicho de Sete Cabeças (2001, Laís Bodanzky) um filme que muito a influenciou. Ademais, tanto a direção como o roteiro, montagem, direção de fotografia e arte entre outros setores se somados a equipe é constituída basicamente por mulheres.

Enfim, só me resta falar que definitivamente esse é um dos documentários mais lindos que vi na vida. Deixe-se mergulhar nele, reviver as lembranças da vida de outrem. A documentarista e simultaneamente personagem nos faz refletir que quando o tempo passa a dor precipita restando a saudade de quem foi e pode não mais voltar. “Pouco a pouco as dores viram água, viram memória” e até filmes maravilhosos como esse! 
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Maria Deyvianne dos Anjos é alagoana, graduanda em medicina pela UFCA e integrante da Sétima desde Agosto de 2015. Amante do cinema e gauche na vida.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 33, de julho de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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