sábado, 28 de fevereiro de 2015

'A Love Supreme', álbum clássico de John Coltrane, de 1965



Grifo nosso # 78

"A Love Supreme é a suíte de jazz em quatro partes que John Coltrane gravou ao longo de uma noite com o pianista McCoy Tyner, o contrabaixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones. Coltrane se encontrava em um ponto fundamental de sua trajetória criativa: a cristalização de seus três anos com esse renomado quarteto, pouco antes de sua guinada rumo à última e mais debatida fase de sua carreira.

Depois de chegar às lojas e às rádios em fevereiro de 1965, menos de dois meses depois de gravado, A Love Supreme tornou-se um best-seller nas rodas e jazz e era ouvido em alojamentos universitários e nos apartamentos dos guetos, no Harlem e nas esquinas de Haight-Ashbury: um álbum unificador impulsionado por um momento propício. ‘A Love Supreme alcançou e influenciou as pessoas que eram a favor da paz’, relembrou Miles Davis. ‘Os hippies e gente assim.’

Lançado em meados dos anos 60, A Love Supreme destilou o tema de amor universal e consciência espiritual daquela década. “Nos anos 60, estávamos na era das religiões orientais, da nova espiritualidade e do Hare-Krishna, e esse foi o manancial de Trane — ele se encaixou direitinho”, afirma o saxofonista Archie Shepp.

No entanto, A Love Supreme nunca ficou datado e, através de décadas em transformação, do otimismo ‘tudo azul’ à amargura mais exaurida, a relevância de sua música e sua mensagem manteve-se inabalável. ‘Sei que muita gente nem quer ouvir a música de cinco ou dez anos atrás’, comenta Alice Coltrane. ‘Mas A Love Supreme tem seu próprio espírito regenerador... é eterno, sem idade’.

Hoje, encontra-se em ilustre companhia como um dos pouquíssimos discos de jazz apreciados por uma mistura de gerações de roqueiros e festeiros, hip-hoppers e metaleiros. ‘A Love Supreme é provavelmente um dos mais lindos e sublimes discos do século XX’, anunciou o DJ techno Moby em uma recente premiação de rock transmitida pela TV. No Grammy de 2001, Carlos Santana e Joni Mitchell anunciaram em uníssono que o álbum de Coltrane era o Disco do Ano (e então abriram o envelope e anunciaram o prêmio para o grupo de rock U2).

Alguns elementos do álbum — da capa com uma fotografia do saxofonista pensativo à marcante linha de baixo que funciona como um mantra — aparecem regularmente em filmes, revistas e outros discos. O cântico ressonante de Coltrane do título do álbum — a primeira veze em que ele deixou que sua voz fosse ouvida em disco — é a marca registrada mais lembrada e citada. O próprio título, com sua inversão poética, está enraizado em nossa fraseologia coletiva; profissionais de comunicação tomam a liberdade de usá-lo para representar uma paixão perfeita — espiritual, sensual ou mercadológica.

Coltrane criou A Love Supreme como um presente ao Divino. como um presente ao Divino. Anos antes de astros do rock homenagearem seus respectivos gurus em seus álbuns, décadas antes dos CDs de hip-hop incluírem o hoje obrigatório louvor ao Todo-Poderoso, sem nenhum pudor Coltrane dedicou o disco como, em suas palavras, ‘uma humilde oferenda a Ele’.

O texto de contracapa em duas partes — uma carta ao ‘Caro Ouvinte’ um poema para Deus —, de Coltrane, é o único exemplo de sua escrita incluído em um álbum. Suas palavras têm o efeito de um desnudamento público, uma admissão aberta de devoção divina. Muitos ouvintes da época, mais afinados com a estética cool e reservada do cenário do jazz, acharam que a mensagem intensa de espiritualidade despertada do álbum era extraordinariamente desconfortável.

Repercutindo mais do que todos os outros elementos está o som apaixonado de A Love Supreme: um equilíbrio coeso de composição e improvisação, de forma e energia, como em nenhum outro título da obra completa de Coltrane. Construiu, demoliu e reergueu uma série de estrutura de blues em tom menor aparentemente simples. As melodias — breves, mas memoráveis — abriram portas pelas quais o quarteto passava em uma montanha-russa de dinâmica com noção de tempo precisa. A interação de seus estilos distintos era poderosa: os acordes que geram tensão de Tyner, a bateria em êxtase de Jones, as linhas de baixo fluidas de Garrison. Os solos incansáveis de Coltrane espiralavam desde sussurros meditativos a ferozes gritos engasgados com o ritmo experiente de um pastor dominical.

A Love Supreme reuniu tudo isso em uma mistura que expôs as raízes e as influências do quarteto. O efeito propulsor e excitante dos polirritmos africanos. Os tempos lúgubres do jazz modal. O lamento melancólico da música popular do Extremo Oriente. A urgência do free jazz. A agitação do bepop. A sensação familiar do blues. A liberação orgástica do gospel.

Os jazzerati não encontraram um termo para a mistura sonora de Coltrane; ‘jazz espiritual’ ainda é o melhor que conseguiram. Mas, como em outras manifestações artísticas únicas — em tela, papel ou vinil —, qualquer categorização limita em vez de descrever e acaba sendo muito específica. ‘A Love Supreme não era um disco de jazz’, defende Ravi Coltrane, filho de John. ‘Eles apenas tentaram se manifestar por meio da música’.

‘Música’, declara Elvin Jones. ‘É isso o que o disco é para mim’."
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Trecho do livro A Love Supreme: A Criação do Álbum Clássico de John Coltrane, de Ashley Kahn (Tradução de Patricia Cia e Marcelo Orozco, Editora Barracuda, 2007).


Selo | Impulse!
Produção | Bob Thiele
Projeto gráfico | George Gray
Nacionalidade | Estados Unidos
Duração | 32:59

Lista de músicas - A Love Supreme (1965):
01. A Love Supreme, Pt. 1: Acknowledgement (John Coltrane)
02. A Love Supreme, Pt. 2: Resolution (John Coltrane)
03. A Love Supreme, Pt. 3: Pursuance/Pt. 4: Psalm (John Coltrane)

A Love Supreme completou 50 anos de lançamento no último mês de fevereiro (de 2015). Álbum gravado em dezembro de 1964 e lançado em fevereiro de 1965.

"John Coltrane playing A Love Supreme Live" (1965):


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