quinta-feira, 24 de julho de 2014

Poesia inclassificável



por Amador Ribeiro Neto

A poesia do carioca Zuca Sardan (nascido em 1933) é feita pra fazer o leitor perder o tino. Esta é sua proposta. Seu livro Ximerix possui forma artesanal. Embora publicado por uma grande editora, a Cosac Naify. O tipo de ilustração e o projeto gráfico incomodam pela “precariedade”. Incomodam principalmente quem está acostumado com edições “bem cuidadas”. E poesias “bem escritas”. Este poeta bagunça o coreto correto das edições primorosas e da poesia bem feitinha. Palatável. Aquela que a “nova galera” anda publicando à mancheia. E enchendo os bolsos de prêmios.

O “sujo” das ilustrações, da diagramação, das bricolagens visuais e textuais percorre um arco que vai das HQ à publicidade, passando pelos folhetos de cordel. Mistura Mallarmé e Marx num verdadeiro samba do crioulo antropofágico doido. Da poesia concreta à poesia marginal, passando pelos caligramas de Apollinaire, sem se esquecer de Gregório de Matos e Cego Aderaldo, tudo ferve no caldeirão das irreverências de Zuca Sardan.

Ele faz poesia com inventividade e humor. Carnavaliza com os gêneros literários e as modalidades da poesia. Rompe com as fronteiras e as molduras textuais. Produz numa zona de intersecção entre poesia de vanguarda e poesia popular. Se em quatro dos cincos cadernos que compõem Ximerix as estrofes são sextilhas, no primeiro caderno, por exemplo, a língua (literal) do personagem Lotrak é iconizada graficamente num caligrama. O mesmo recurso aparecerá no poema “Linguão”.

Neste primeiro caderno, intitulado “Ratakatrak [eletro-remix]”, cacos e cacoetes sonoros aparecem em linhas que estão visualmente acima dos títulos dos poemas ou ao final deles. São onomatopeias e/ou jogos aleatórios de sons que remetem o leitor ao universo da música eletrônica e ao som mixado pelos DJ’s. Viagem via linguagens.

Anárquico, por vezes visita o chiste para, em seguida, espraiar-se em humor insolente e arreganhado. A poesia que agrada ao senso comum e os poetas que a fazem são ridicularizados em: “A Vaca Inglesa babando / no sininho... o Urso Branco / que te quero branco / duma alvura... polar... / FOOORAAAAAAA / POETA DE MERDAAA!!!”.

Os cadernos dois e três, intitulados respectivamente “Apothegmas Alabastrinos” e “Bustrofédon Burlão” são ambos nomeados como mallarmaicos. E é aí que mais uma vez a veia venenosa do poeta bota pra quebrar. O nome grande poeta francês é transformado em Melarmek e seu lance de dados é referência de linguagem poética. E, ao mesmo tempo, deboche dela própria: “De dados um lance / o bule jamais irá / por ser acaso / paf!... raa... mais que / ai!... chou... Az / ar”. Ou este: “Merry suspira de leque / plec-plic-plec... no sofá / jamais o dado o bule irá / Melarmek num lance que azar!... / plaf!... spatifou... Ride...Riiiiiiiiiii / deee... agora, Pagliazzzo...”.

Os cadernos seguintes, intitulados “Cassandra Bolchevique” e “Gazeta Proleta” seguem matando. “Dialética”: “O real é dialético logo Hegel / é um monarquista que Marx / virou de cabeça pra baixo / pra que os cabelos virassem / barbas pra que as barbas / virassem cabelos”. E por aí vai. Ximerix é finalista do Telecom. Isto é bom.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 18 de julho de 2014, p. 7.

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