sexta-feira, 31 de julho de 2020

9 (+1) obras de Luís Karimai, por Clara Karimai


Luís Karimai e Clara Karimai (foto - detalhe: Rafael Vilarouca)

por Clara Karimai

Quando me foi solicitada essa seleção, foram muitos os anseios e possibilidades na elaboração de um conteúdo sobre a produção imagética de Karimai. Bateu a insegurança. Apesar de ter crescido frente às inúmeras produções artísticas dele, alcançar as suas significações sempre me foi desafiador já que não se tratavam apenas de telas com paisagens de realidades objetivas, elas sempre me convidavam a olhares mais atentos.

Em nossos diálogos, sem nenhum argumento de autoritarismo, ele confortava a minha ignorância com a única orientação de deixar-me envolver pelos sentidos e percepções. O demais me viria por acréscimo.

Claro que por muitas vezes demorei o olhar e não apreendi o que hoje, mais madura e com mais vivências e sensibilidades, assimilo com as instigações que me resgatam sempre que preciso lutar contra essa insistente reificação da consciência, sobretudo neste momento em que o mundo vive essa pandemia e em que tudo pode/deve ser repensado, ser revisto.

Captar sentido do mundo à nossa volta é um percurso sugerido a quem aceita o convite a essa proposta artística de repensar as estruturas; de criar outras perspectivas humanas, sociais; de reflexão sobre o nosso alheamento diante da vida; de questionar sobre a razão de ser; das limitações impostas, mas também das infinitas possibilidades.

Eis algumas obras de Luís Karimai, meu pai querido. A decisão é individual, o caminho é único...


 
Homo lumen - luz da natureza – desenho - Nanquim em bico de pena - 48 X 33,5. Do álbum Destino Peregrinações e Mentes, 1982 – cópia em offset. Essa obra é de uma fase em que Karimai trabalhou muito com o nanquim. Há uma extrema valorização aos detalhes e ao jogo intencional de imagens, luz e sombra. O início da sua produção artística se manifesta convenientemente durante um período de descobertas pessoais, algumas angústias juvenis. O sofrer é representado com pedras, cipós, corpos transpassados por lâminas e pregos, elementos recorrentes nesse período.


 
Óleo sobre tela – Auto-peregrinação: compõe a série que Karimai produziu com a temática Horto. Retratou tudo que dá movimento a Juazeiro do Norte com narrativas férteis e múltiplas. As cores dão total sentido à obra. É quase possível sentir o calor característico do mês de setembro, durante a Romaria de Nossa Senhora das Dores. Gosto dessa tela porque é uma retratação nada simplista de como a cidade foi gerada. Dá uma nova realidade às coisas cotidianas. Tem sempre algo novo para ver. Além de revelar o impacto que essa cidade causou em Karimai, em meados de 1970, quando aqui chegou para pesquisas acadêmicas e daqui não quis mais sair.


 
Tela de 1995: alusão ao Juazeiro antigo, plantio de algodão e aos vários trabalhadores nos seus labores. Lembro dessa tela durante um bom tempo na parede da sala de casa e o quanto gostava de olhar para ela. A terra que se funde com o céu e a vastidão de espaço nos remete a perspectivas, esperanças, ao olhar adiante. Mais que a representação de um lugar preexistente, a cena não é irreal, mas toca o nosso imaginário.


 
Óleo sobre tela: a riqueza e harmonia dos detalhes prende o espectador. Eu gosto muito dessa perspectiva aérea. Ela possibilita a visão da paisagem como um todo para depois olhar por partes. A diminuição dos elementos é uma sugestão de distanciamento do observador para acomodar e revelar a profundidade da imagem. As obras de paisagem de Karimai possuem certa atmosfera meditativa. De beleza na simplicidade e silêncio que se alastra. Não muito habitual, nesta tela Karimai usou camadas grossas de tinta (impasto) nas árvores e em algumas vegetações para dar mais perceptibilidade à tinta.


 
O tempo espreita: nós - Óleo sobre tela: Uma experiência visual penetrante. Contrastantes nos planos dos tons frios (as figuras humanas) e quentes, as cores reforçam as contraposições das dualidades da temática: Desejo/castração, liberdade/amarras, contração/fluidez, tradicional/contemporâneo, razão/emoção, masculino/feminino, consciente/inconsciente. O semblante de olhos pequenos está compenetrado como quem perscruta. Karimai ainda brinca com os sentidos quando situa essas figuras em transbordo de êxtase, no espaço do cosmo.


 
Desenho – lápis grafite, aquarela, pastel e colagem: Esse desenho é composto por várias tiras de papel que vão aumentando o tamanho do desenho. Presente ao filho, Paulo. Começou com um papel pequeno e foi tomando forma na medida em que sentia necessidade de continuar e não queria perder o fluxo da criação. O menino descansa na pedra em um estado contemplativo, com serenidade. Essa obra me remete aos passeios de final de tarde que ele fazia conosco (filhos) e a meninada da rua, por cenários como esse, observando as inervações e colorações das folhas secas caídas pelo chão, as torções engenhosas das raízes, as pedras. “Pinta bem quem observa bem”, dizia. Para mim, essa tela tão fértil de detalhes emana a paciência, candura e mansuetude próprias de quem ensinava com a observância interna às orientações cedidas.


 
Óleo sobre tela: Karimai explora com clareza um pensamento complexo nesta tela. As disponibilidades das narrativas sugerem uma condução do olhar. As emoções envolvem as figuras humanas. Armaduras, caixas e prisões são suavizados por tecidos fluidos e transparentes, flores e seres diáfanos. Transiçõese transformações em que uma coisa vira outra. Caixas que são casas, mas também estradas, pontes, e os pontos de fuga que indicam continuidades... As cores entram como atenuantes às tensões. Onde existe aflição, também se aportam belezas.


 
Pintura mista: essa foi em parceria com o filho Lui, que na época tinha 6 anos e toda tarde ia desenhar com ele. Esse desenho foi feito despretensiosamente por Lui, deixado de lado após convite a outros afazeres. Karimai viu, gostou, aproveitou o desenho da telinha, reorganizou a forma e fez a pintura. Lui hoje está com 20 anos de idade e tem essa obra na mesa onde gosta de criar artes digitais.


 
Óleo sobre tela: “Abstrato é coisa de abstração. Capacidade de entendimento do real dever ser elevada e a síntese magistral. Não se faz abstração sem vivência calejada na vida, nem se consegue resultados sem equilíbrio na existência, na geometria dos similares-e-contrários.... Pinta bem quem observa bem” Luís Karimai.


 
(+1) Óleo sobre tela: me estimula a decifrar abstrações, alma/corpo, sonho/realidade, céu/sideral.
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Clara Karimai: jornalista formada pela UFCA. Assessora de Imprensa. Atualmente se dedica na catalogação e disponibilização da memória e da obra do artista plástico Luís Karimai.

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Um comentário:

  1. Obras contemporâneas do grande artista plástico,Meu mestre,um espetáculo de arte.

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