quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Doelo



por Amador Ribeiro Neto

Marcos Fabrício Lopes da Silva (Brasília, 1979) é formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília, mestre e doutor em Literatura Brasileira pela UFMG, professor universitário na Faculdade J.K., em Brasília. Define-se como “poeta afro-brasileiro”. Publicou Dezlokado em 2010. Doelo (Belo Horizonte: Rede Catitu Cultural, 2014) é sua segunda publicação.

O título do livro, e isto está visível na grafia bicolor, é soma de do+elo. Ou seja: o que resulta da união. Para Nicolas Behr, que assina a orelha, “doelo une, duelo pune”. Um trocadilho bem ao gosto e ao nível de ambos os poetas. Mas o poeta-pai prossegue: “Marcos Fabrício é mais que um poeta, é um grande sacador. E gozador. Fala sério, rindo”. E conclui enfático: “Com suas sacadas rápidas e ligeiras, o poeta não atira para todos os lados: só o lado da poesia. E acerta”.

Não me entusiasmei com as palavras de Nicolas Behr porque conheço sua poesia. E já resenhei um livro dele nesta coluna, o Meio seio (2012),  em texto intitulado “Poesia do engano”. Mas, quis dar um crédito ao leitor Behr. Quem sabe seria superior ao poeta. Não foi. Engano meu.

Reparto com o leitor minha frustração. A dita poesia de Marcos Fabrício Lopes da Silva é um rol de frases feitas e trocadilhos previsíveis – na melhor das hipóteses. No geral, são brincadeirinhas que nem no Facebook caberiam. E olha que o Face tem sido a morada dos trocadilhos mais infames. Até poetas de peso têm escorregado. Parece que todos querem exibir um lado cômico. Como se a comicidade fosse um atributo que se ache na esquina.

Bem, começo citando poemas que têm títulos. São poucos. “Fé”: “olhar para cima / com a certeza de que o céu / não cairá sobre a tua cabeça”. Este é um arremedo mal feito de Leminski com Skank. Outro: “Pra não dar bandeira”: “ordem para os cem reais / progresso para os sem reais”. Este fica sem comentários.

Agora vamos aos poemas sem título. A maioria. “urubuservar / enxergar o buraco que há / na moldura do olhar”. Outro, bem original; “plim-plim / não diz tim-tim por tim-tim / porque só quer saber de dim dim”. Outra grande sacada sobre a televisão; “no aquário da tv / apresentador / com olhar de peixe morto”. Agora um que faz o elo entre Álvaro de Campos e Stephen Hawking: “o papo reto acontece / quando o silêncio faz a curva”. E, claro, tem zen na parada também.

Mas há outra série de poemas, a que parece feita para pousar em agendas infanto-juvenis. É uma série longa. A mais abrangente do livro. Cito alguns. São poemas feitos ao mais prático estilo autoajuda. Vejamos: “dance conforme a música / que você escolhe”. Outro, no mesmo compasso: “quem se atreve / sempre alcança”. Aqui, não sei por que motivo, mas me deslembrei de uma canção buarqueana.

Sigamos. Em tempos de crise econômica, ou autoestima baixa, eis o consolo:  “ter de pedir é o maior preço / que se pode pagar / por alguma coisa”. Agora um bem verdadeiro e altruístico: “se procuras a grandeza / não encontrarás a verdade // se procuras a verdade / encontrarás a verdade e a grandeza”.

Creio que não procuro a verdade nem a grandeza na poesia. Antes: meu defeito é procurar poesia na poesia. Aquela que desinstala o leitor. Provoca-o a ver novidade no que fora simplesmente usual. A que reinventa este mundo pela linguagem. E não aquela que se esbalda no blá-blá-blá insosso, inodoro e insípido. Publicando livros e enchendo de “vãs palavras muitas páginas / e de mais confusão as prateleiras”, como canta Caetano.

Bem, eu devia ter percebido logo de cara. Afinal, o poema que abre o livro anuncia: “minha vida é um livro / que precisa de leitor / aberto”. É eu sou um leitor fechado. Cheio de amarras. Ranzinza. Entrei no livro errado.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 04 de dezembro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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