quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Prosseguem os mistérios oceânicos



por Amador Ribeiro Neto

Os livros sem pé nem cabeça, quer seja, sem qualidade poética propriamente dita, abundam entre os 18 semifinalistas do Prêmio Oceanos 2015. Continuemos.

Um teste de resistores, de Marília Garcia (Rio: 7Letras, 2014), é uma narrativa pobre, sem inventividade, elencando situações, sensações, sentimentos, observações, em ritmo repetitivo que se torna monótono. A poetisa parece buscar um diferencial para seu texto. Mas, na melhor das hipóteses, perde-se na própria busca. O que temos é um livro enxovalhado, que nasce morto. Quando o orelhista observa que estamos diante de “uma espécie de diário crítico-afetivo, uma longa meditação caprichosa”, ele não se dá conta de que resume bem o mau livro: diariozinho de meditação autocaprichosa. Enfim: um nadinha de nadica. Poesia não manda recado: pela forma, informa. E “Um teste de resistores” é um teste para o leitor. Que não resiste, não consegue chegar ao fim deste emaranhado de palavras catadas ao acaso.

Rede, de Paula Glenadel (Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014), talvez seja o pior livro dentre os finalistas. Sua aspiração a ser “prosa poética” não passa de vaidosa pretensão. Digo isto porque a leitura é chata. Muito chata. E a autora, no posfácio, “explica” o que seu livro é. Ou deveria ser, na verdade. Se fosse, dispensaria a explicação da própria autora. Se ela mesma faz e sente a necessidade de justificar-se, é porque há algo que não deu certo aí. E o desandado é a própria rede que, ao invés de enredar, cativando o leitor, enfada-o. Texto que se pretende polifônico, nas entrelinhas, citações, intertextualidades. Mas que é monológico, falando apenas com o seu (e de seu) próprio umbigo. A erudição de que se vale, morre em si mesma, nada acrescentando ao universo da poesia. Paula Glenadel deveria ter lido A cicatriz de Marilyn Monroe, de Contador Borges, antes de escrever seu destempero. Enfim, uma atrapalhação. Quem explica sua indicação ao Oceanos?

Minimoabismo, de Priscila Merizzio (São Paulo: Patuá, 2014), é um amontoado de metáforas esdrúxulas beirando o surreal, somado a um coloquialismo mal resolvido. Com estes dois ingredientes, mais algumas ideias esgarçadas sobre o cotidiano e suas fantasias, a poetisa acredita que faz poesia. Seu livro é um profundo embuste sobre a poesia e sua linguagem. O livro anda na via dos poetas neomarginais. Por isto nem anda: coxeia. Minimoabismo poderia render um bom livro, se tivesse optado pelo rigor poético ao invés das facilidades “espontâneas” que as sensações poéticas proporcionam. Mas optou pelo palatável, pelo fácil, pelo bobo. Pague o preço de sua insignificância. Só permanece a dúvida: como um livro assim, mal acabado, mal composto, mal feito, pode estar entre os semifinalistas?

Enfim, dos 18 livros selecionados para esta penúltima parte do prêmio Oceanos 2015, oito não têm a menor elaboração poética para fazer jus a esta etapa. É incompreensível. É inadmissível.

Os outros dez restantes, embora bastante desiguais entre si, apresentam qualidades que justificam suas escolhas. São eles, por ordem alfabética: 11/12 onze duodécimos, de Horácio Costa; A flor do gol, de Sérgio de Castro Pinto; Clio, de Marco Lucchesi; Experiências extraordinárias, de Rodrigo Garcia Lopes; Geografia aérea, de Manoel Ricardo de Lima; Parte de paisagem, de Adriana Lisboa; Poemas apócrifos de Paul Valéry, de Márcio-André; Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio, de Marcelo Ariel; Saccola de feira, de Glauco Mattoso; Totem, de André Vallias.

Por fim, fica a grande dúvida, a maior de todas: por que o melhor livro de poesia de 2014, e um dos melhores dos últimos anos, não consta dos semifinalistas? Refiro-me a Corpo de festim, de Alexandre Guarnieri (Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014). Que enigma é este? Alexandre, em seu segundo livro, confirma que faz a poesia mais densa, elaborada, inovadora e criativa do país hoje. Como não consta dos semifinalistas? Grande enigma. Enigma oceânico que vai perpassar o certame 2015.

Para ler a primeira parte do texto (‘Mistérios oceânicos’), clique aqui.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 02 de outubro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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