terça-feira, 13 de outubro de 2015

Dossiê João Guimarães Rosa – Seguindo a travessia



por Harlon Homem de Lacerda

Terminamos de ler o livro Sagarana. Da carta para João Condé à Hora e a vez de Augusto Matraga (publicado aqui), passamos pela inventividade rosiana na linguagem, nas ações e nas personagens. Celebramos um livro que não tem tempo, não tem limite. Conversando com o professor Ulisses Infante, na ocasião de nosso encontro na Universidade de Salamanca, percebemos que Sagarana começa e termina com a força do destino marcada na figura de animais muito característicos do sertão brasileiro: o burrinho e o jumento. O sete-de-ouros, burrinho pedrês, e o jumento que leva Augusto Estêves para sua hora e vez e se tornar Matraga. Essa ideia carrega uma aura de evento cíclico e denota o livro Sagarana como um evento da natureza, um evento da vida ou vários eventos da vida.

Em cada conto que lemos aqui nas “Perspectivas do alheio” tentamos mostrar como os enredos são construídos a partir de um dado comum, cotidiano, simples. A novidade sempre presente nessas estórias fica por conta da maneira de construir cada uma delas, de dar forma aos contos e causos. Assim, Sagarana, essa coisa que parece uma saga, constitui-se como obra-prima da literatura brasileira em seus pormenores e não em seus grandes heróis, de longa estirpe de guerreiros. Não. Sagarana tem os burrinhos, os sertanejos, os coronéis. Todos grandes à mão de quem os inventa e de quem os imagina. Essa imaginação desenhada por João Guimarães Rosa prossegue nos outros livros sempre renovada, sempre forte, sempre arguta.

Seguindo nossa travessia pela obra ficcional de João Guimarães Rosa, entraremos num veio absurdo de inventividade. Alguns críticos dão conta de que Guimarães escreveu Corpo de Baile, Grande Sertão: veredas e Primeiras Estórias tudo ao mesmo tempo, na mesma época. Quem se assusta com o volume desses textos, assombra-se também com a capacidade de construir estórias diferentes e tão grandiosas do ponto de vista temático, estrutural, literário, humano. É assim que daremos início à leitura de Corpo de Baile, pra nós, uma das obras mais bem estruturadas da ficção rosiana. E começaremos pela mais linda, também pra nós, que é a estória de Dito e Miguilim em Campo Geral.

A travessia do mundo todo através da ficção de Guimarães Rosa é possível apenas pelo amor que nos aproxima dessa literatura. E pelo amor, portanto, que continuamos convidando os leitores a permanecerem conosco lendo as Perspectivas do Alheio e nos ajudando a contar estórias já contadas e tão recontadas pelo mundo a fora. Encontremo-nos, pois, na próxima coluna com o Campo Geral, sem miopia, sem óculos, sem medo.
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Harlon Homem de Lacerda é Mestre em Letras pela UFPB e Professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI - Oeiras). E-mail: harlon.lacerda@gmail.com.


Outros textos da coluna “Perspectivas do alheio” no blog O Berro:
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Ruminando
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Corpo Fechado
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Toda crença tem seu santo
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Minha Gente
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Marcha estradeira
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Febre e Mato
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ – Sapo ou Cágado?
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ - Sobre ‘O burrinho pedrês’
- Dossiê João Guimarães Rosa: ‘Sagarana’ - #somostodosJoãoCondé
- Dossiê João Guimarães Rosa: A travessia do mundo todo

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